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EDUCAÇÃO

Modalidade de ensino bilíngue no Recife é reduzida

Publicado em: 09/08/2021 08:12 | Atualizado em: 10/08/2021 19:04

 (Foto: ABA Global School / Divulgação)
Foto: ABA Global School / Divulgação
A educação bilíngue surgiu no Brasil pela necessidade dos filhos de cônsules e demais cargos governamentais estrangeiros. No entanto, diferente do resto do País, a modalidade de ensino é reduzida no Recife. A diretora da 2B Bilingual e gerente pedagógica da Simple Education no Nordeste, Mirella Avelino, aposta que o que faz com que o Recife não tenha tantas escolas bilíngue é o bairrismo. "Existe uma dúvida das pessoas de que se a escola é bilíngue vai descaracterizar a cultura. Existe também uma cultura muito forte de que só escola de idioma resolve e a ideia de que não se aprende inglês na escola”.

O Conselho Nacional de Educação (CNE) aprovou as Diretrizes Nacionais para a Educação Plurilíngue no Brasil através do parecer CNE/CEB nº 2/2020. A resolução aponta definições e regulamentações para as escolas sobre o conceito do ensino bilíngue, que é caracterizado por ter um currículo integrado, ou seja, o mesmo assunto que está sendo trabalhado em português, deve estar sendo trabalhado em inglês. Algumas disciplinas também devem ser ministradas na segunda língua (inglês).

Como bem caracteriza a especialista, o parecer que está homologado determina que os alunos tenham de 30 a 50% da carga horária na segunda língua para que a escola bilíngue seja apresentada. "Isso significa que de oito a 10 horas semanais de inglês ou da lingual, e para que seja chamado de bilíngue a gente não pode apenas trabalhar a linguagem nessas aulas, precisa trabalhar a parte de conteúdo, o que significa que eu preciso dar aula de outras disciplinas. O ensino bilíngue difere da simples aula de inglês que a gente tem no curso de idioma", disse.

“Eu costumo dizer aos pais que estamos num lago de inglês, que é a escola, e num oceano de português, que é a cidade”, resume a coordenadora pedagógica, Rozário Botelho, sobre o modelo de ensino de uma escola bilíngue no Recife. De acordo com uma pesquisa elaborada para o ‘British Council’, pelo Instituto de Pesquisa Data Popular, cerca de 5,1% da população brasileira de 16 anos ou mais afirma possuir algum conhecimento do idioma inglês. Segundo o estudo, entre os jovens de 18 a 24 anos, o percentual dos que afirmam falar inglês chega a 10,3%. Embora sejam poucos os mapeamentos dos que dominam um segundo idioma no País, diversas instituições têm surgido nas últimas duas décadas com a proposta de ensinar além da língua materna, uma segunda língua, como é o caso da ‘ABA Global School’. A instituição tem unidades nos bairros dos Aflitos, Zona Norte do Recife, e em Boa Viagem, na Zona Sul, e desde 2006 é pioneira na modalidade de ensino bilíngue na Capital pernambucana.

Para Botelho, uma das principais características de um programa bilíngue para a educação infantil está no nível de exposição dos alunos ao idioma. “Uma coisa fundamental é a criança ter na escola uma grande exposição na língua no qual irá aprender. Em nosso caso é o inglês, em que é necessário um tempo de exposição diário considerado para que a criança possa desenvolver o processo do bilinguismo.  A criança precisa ter um contato diário, por várias horas, para que ela possa estar se comunicando no idioma. Uma característica bastante importante do bilinguismo é a vivência da língua”, explica.

No entanto, Mirella pontua que pelo modelo do currículo seguindo o parecer, a capital pernambucana só tem uma escola com a modalidade bilíngue “de fato”. “Dentro desse contexto, hoje a gente só tem o All4kids School. Todas as demais escolas seguem um currículo estrangeiro, como a Red House International School, a Escola Americana, o ABA Global School, que é uma escola canadense. Todas as outras não tem essa proposta da escola bilíngue de fato, com exceção do All4kids e a Eccoprime de Aldeia, que segue um currículo americano, mas tem uma carga horária um pouco diferente, então não seria considerada escola bilíngue em função do currículo”.

Ainda assim, Avelino apresenta algumas vantagens de iniciar o processo do ensino bilíngue ainda na primeira infância, principalmente pela capacidade da criança adquirir outro idioma sem a interferência da língua materna. “É chamado de aprendizado livre do idioma, a criança aprende que a gente pode chamar determinado objeto de um nome ou de outro sem fazer a inferência de tradução, que a gente automaticamente faz quando é mais velho”.

Assim como todo processo educativo acontece no campo das relações afetivas, no caso do ensino da língua materna e de um novo idioma, as relações humanas envolvidas são partes do processo, como pontua Botelho, que além de coordenadora bilíngue, realizou uma pesquisa de mestrado sobre Teoria das Inteligências Múltiplas no Ensino na Língua Inglesa, desenvolvida e publicada pela Universidade de Ohio, nos Estados Unidos.

“Nós temos diferentes formas de abordagem. Aqui trabalhamos dentro de uma perspectiva de engajar o aluno no processo. Estamos sempre instigando e provocando os alunos, que é uma característica forte dentro do nosso contexto. Temos o entendimento de que a criança tem o conhecimento de mundo, tem a vivência dela e traz o conhecimento prévio. E vamos estar provocando para que ela traga esse conhecimento, e colaborando para o processo de aprendizagem. Trabalhamos muito envolvendo as crianças para que elas sejam proponentes, ativos, participantes no processo”, afirma.

“Além do fato de aprender se divertindo, a criança tem essa facilidade, o que torna o processo muito mais prazeroso para o indivíduo que está aprendendo. Sem falar que ainda na infância a gente tem todo o aparelho fonador muito maleável, então a gente consegue utilizar a musculatura para conduzir a pronúncia de uma maneira melhor e mais fácil. Os estudos mais recentes da neurociência com foco na linguagem mostram que não existe prejuízo nenhum na aquisição de dois ou mais idiomas na infância, muito pelo contrário. Quando a gente adquire mais de um idioma na infância ou em qualquer fase da vida, trabalhamos partes do cérebro muito importantes, em especial a nossa função executiva, que é responsável pela atenção e concentração", completa a especialista.

“Uma das coisas que consideramos fundamental no processo de bilinguismo, para que seja o mais natural possível, é que a criança seja exposta a língua o quanto antes. Quanto mais tempo, melhor. E quanto mais cedo, melhor. Por isso que aqui em nossa escola começamos o processo de imersão com as crianças a partir de um ano e meio”, acrescenta a profissional.

Em Pernambuco, a ‘ABA Global School’ é a única escola de certificada pelo ‘IB World Schools’, uma rede de escolas internacionais, com sede na Suíça, e que tem em seus registros 5 mil escolas de referência espalhadas em 156 países. A instituição também faz parte da ‘Maple Bear Canadian Schools’, uma rede canadense que reúne os sistemas educacionais de referência.

O mito da Educação Bilíngue

Botelho conta que a escola foi a pioneira na questão do bilinguismo no Recife. “Existiam muitas dúvidas em relação ao processo de aquisição da língua inglesa, e ao próprio bilinguismo, nos primeiros anos de implementação da escola. No começo se achava que a criança precisava estar alfabetizada para começar na escola bilíngue, porque acreditava-se que o inglês iria interferir na aprendizagem do português. Mas isso não procede. Existem estudos que abordam sobre o processo bilíngue que ao começar nos primeiros anos da vida, enriquece o processo de aprendizagem da outra língua. Hoje observamos que um idioma complementa o outro”, relata.

No programa de ensino bilíngue da Educação Infantil, coordenado por Rozário Botelho e a equipe da ‘ABA Global School’, o ciclo de alfabetização bilíngue começa desde 1 ano e meio de idade, quando a criança entra na escola. Nas unidades de ensino, todo o corpo docente se comunica em inglês com os alunos, em todas as atividades, seja dentro da sala de aula ou nos intervalos.

Por sua vez, Avelino aborda a desmistificação do ensino bilíngue e desvenda alguns mitos acerca do tema. “Ainda existem muitas dúvidas dos pais se precisa que todo mundo da escola fale os dois idiomas, mas isso é um mito. Se precisa que a escola só fale o idioma para poder ser chamada de bilíngue, não tem nada a ver. O que vai determinar se a escola é bilíngue ou internacional vai ser o currículo aplicado. A escola bilíngue tem como base trabalhar o currículo brasileiro no segundo idioma, que não é o que acontece nas escolas de referência que a gente tem aqui no Recife. A maioria delas segue um currículo de outro País, a gente chama isso de escola internacional e isso já está descrito no parecer que vai reger esse tipo de ensino”, afirma a diretora da 2B Bilingual.

“O ciclo de alfabetização começa no início da escolaridade, vai durante toda a educação infantil, e fecha na passagem do segundo para o terceiro ano. Aqui na nossa escola nós consideramos que a alfabetização compete as duas línguas, lado a lado. Mas o processo se intensifica na língua portuguesa no primeiro ano, onde são alfabetizados em língua portuguesa, e no segundo ano, são alfabetizadas em língua inglesa”, explica Rozário. O sistema abarca crianças da turma de 1 ano e meio até a turma de 10 anos, o que seria o equivalente na educação tradicional, da Educação Infantil ao Ensino Fundamental I.

O professor universitário e assessor jurídico do Tribunal de Justiça, Francisco Valério, é pai de Maria Mariana, que tem 11 anos e está no 5º ano no ABA. Ele relata que a filha foi alfabetizada na língua inglesa e portuguesa pois estudou na Escola Americana do Recife durante sete anos, "colocamos ela no ABA para ela aplicar o que já vinha aprendendo porque foi a única opção que se enquadrava nesse ensino de duas línguas".

“Direito linguístico” da criança

Com uma bagagem de mais de 20 anos de experiência profissional, além dos estudos acadêmicos desenvolvidos, Botelho ressalta a importância de os pais respeitarem o ‘direito linguístico’ das crianças na aprendizagem do segundo idioma. “Não criem expectativas altas e não coloquem as crianças em situações que suspendam o ‘direito linguístico’ delas. Os pais terão a oportunidade de ver os filhos falando em inglês de uma maneira muito natural, sem precisar estar forçando a barra. O fato de alguns pedirem para os filhos falarem algo em inglês e eles não responderem, não significa que eles não sabem. A criança está, na verdade, exercendo o direito linguístico dela”, reflete a coordenadora.

“Eu sempre ressalto aos pais para não criarem situações de num ambiente social pedir para a criança traduzir as coisas. Porque a criança tem o direito linguístico dela, e ela pode fazer os pais passarem vexame ao não dizer nada. O importante é deixar a criança se expor de forma natural”, acrescenta.

Francisco afirma, ainda, que a expectativa era que Mariana adquirisse o domínio na língua inglesa. "Não por mim [a expectativa], mas para ela ter um futuro melhor e ter outras oportunidades, por isso que tivemos essa opção. Eu, como pai, não tenho ainda esse conhecimento de inglês. Viajo muito e sei a necessidade do domínio da língua. Em 2019 tive a oportunidade de levá-la para visitar todos os países ingleses e também a Holanda. Ela adorou porque todo mundo elogiou o inglês dela. Até tive um probleminha no hotel que ficamos e quem resolveu foi ela, eu fui dizendo como era e ela foi falando inglês. Pronto, resolveu fácil, conversando. Foi nesse momento que eu vi que estava investindo era realmente o que eu queria", conta.

“O bilinguismo não só favorece a questão linguística, ele favorece também a cognição. Quando a criança utiliza as duas línguas, esse ir e vir entre um idioma e outro, faz com que o cérebro da criança tenha uma capacidade fantástica. Ela vai criando sinapses, e essas conexões vão se tornando permanentes, o que ajuda no desenvolvimento cognitivo”, finaliza a coordenadora.

Nota

Em nota ao Diario de Pernambuco, a ABA Global School ressaltou ser uma escola que utiliza a modalidade bilíngue. "A ABA Global School é uma escola formalmente bilíngue e segue todas as diretrizes indicadas como tal. Seguimos o currículo brasileiro e adotamos uma metodologia canadense de ensino bilíngue. Inclusive temos várias festividades culturais regionais, como São João. As citações da Mirella Avelino mostram completo desconhecimento e causam desinformação ao público. Peço que seja feita a correção no texto da matéria com urgência".

Também através de nota, a Red House International School se manifestou e afirmou seguir as diretrizes curriculares de uma escola internacional bilíngue brasileira "que segue as diretrizes da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com padrão de carga horária das melhores instituições educacionais do mundo, de período semi-integral. O currículo da Red House é integrado nas línguas inglesa e portuguesa e ambas são utilizadas como meio de formação do aluno".
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