° / °

Vida Urbana
ESPECIAL

Em tempos de luta, um novo significado para o Dia dos Pais

Publicado: 08/08/2021 às 09:30

/Foto: Rômulo Chico/Esp.DP

(Foto: Rômulo Chico/Esp.DP)



"Os dias se tornaram mais longos" e, assim como milhares de brasileiros, o clínico Emilio Melo de Lima, de 44 anos, precisou driblar os momentos de angústia para continuar sobrevivendo na pandemia.  No Oswaldo Cruz, uma das unidades onde trabalha, ele foi deslocado do ambulatório de clínica médica para atender todos os funcionários do hospital que apresentassem suspeita de Covid. "Fazia isso três vezes por semana e no começo era uma loucura, eu cheguei a atender 35 funcionários em uma tarde”, relata. 

No Hospital Miguel Arraes, onde também presta serviços, Emilio conta que grande parte da equipe adoeceu. No Hospital das Clínicas, assumiu um cargo de chefia e passou a coordenar as equipes, o que rendia também muita responsabilidade e cobrança. No período mais crítico da pandemia, ele começou a fazer terapia, pois o impacto emocional era muito forte. As incertezas sobre o momento, com tudo tão novo, também se tornaram um peso. 

"Quando víamos dez pacientes desses era um cansaço mental absurdo. Além de estar sempre preocupado em não se contaminar, você também estava preocupado em não confundir uma história com a outra. Além do cansaço físico, do incômodo de toda a paramentação e da insegurança porque ninguém sabia lidar com a doença".

Com o avanço dos casos e o crescimento no número de óbitos, o clínico chegou a ficar 28 dias sem ver as filhas, Bruna e Manuela Melo, de 6 e 11 anos, que passam 40% do tempo com ele (guarda compartilhada). Uma das formas de atenuar o ambiente hostil de um hospital foi através do atendimento humanizado. Acima de tudo um ser humano, Emilio fez de uma foto em família parte viva do seu equipamento de paramentação. 

Emilio Melo de Lima se apresentava aos pacientes com uma foto da família na roupa paramentada

"A situação era tão assustadora para a gente quanto para os pacientes. A gente tinha medo de contaminar nossa família, de morrer, mas imagina isso para alguém que está do outro lado, já vivendo essa realidade da contaminação, que provavelmente tem alguém da mesma família na mesma situação em outro hospital, diante de toda aquela dor que o paciente está sentindo, você chegar ainda feito um astronauta para atendê-lo". 

"A intenção daquilo era dizer que eu sou um ser humano como eles. Que eu tenho um nome, uma cara por trás da máscara, que tenho duas filhas e uma esposa me esperando em casa”. A esposa, inclusive, que teve Covid-19 logo após Emilio, em novembro do ano passado, está grávida de cinco meses, o que torna o Dia dos Pais ainda mais especial. 

"É uma experiência importante, porque vou estar perto das minhas filhas, vou poder celebrar o fato de que vou ser pai de novo,  estar perto do meu pai. Meu filho que está vindo é como se fosse uma coroação de que a família ainda é a coisa mais importante que temos na vida e precisamos valorizar. Um momento desse não pode ser deixado de lado", diz. "Apesar da pandemia ser uma coisa pesada, que mudou a vida da gente, esse meu filho que está vindo mostra que a vida continua e que ser pai ainda é a melhor das coisas que existe nessa vida, pelo menos para mim”.

Um ano diferente
Até o início de 2020, a rotina do médico infectologista Evônio de Barros Campelo, de 55 anos, se dividia entre os atendimentos hospitalares, ensinar o dever de casa e passar o tempo com os filhos, Davi e Júlia Campelo, de 11 e 17 anos, respectivamente. Com a chegada da pandemia da Covid-19, a convivência em família teve que ser temporariamente interrompida. Os filhos foram para Maceió devido ao alto risco de contaminação proporcionada pela profissão do pai e Evônio passou seis meses sem vê-los, uma vez que precisava, mais do que nunca, continuar na ativa diante do feito que pegou todo o mundo de surpresa. 

Evônio Campelo terá um Dia dos Pais diferente em 2021

"Nos falávamos somente por telefone. Evitei ter contato, me concentrei no trabalho e depois de seis meses, quando as coisas melhoraram um pouco, eu voltei a ter contato com eles", conta. Em 2020, o Dia dos Pais foi de solidão e muito trabalho. "O momento era muito complicado, oscilava muito", relembra. Evônio esteve desde o início na linha de frente de combate à Covid-19 no Hospital das Clínicas, unidade onde atua. Ele foi um dos profissionais que recepcionou os pacientes oriundos de Manaus, em janeiro deste ano, quando a crise do oxigênio já assolava a capital do Amazonas. 

"Foi muito difícil. Os pacientes chegaram em estágio muito grave, muitos deles fizeram o kit-covid e demoraram a procurar assistência. Quando procuraram, já estavam num momento grave pela falta de oxigênio. Mas fizemos um mutirão e conseguimos ajudar. Foi um misto de alegria e tristeza. Alguns chegaram bem e falando, e em poucos dias foram a óbito", descreve. 

"O momento mais complicado foi quando eu desci para receber os pacientes e só tínhamos previsão de quatro vagas de UTI. Eu fui ocupando todos os leitos logo e em meia hora já tínhamos preenchido todas as vagas de leitos de UTI". Apesar do contato incessante com pacientes contaminados, o infectologista não pegou Covid-19 ao longo dos mais de dois anos de pandemia, mas viu colegas de trabalho serem infectados mais de uma vez. Nesse período, milhares de pais não tiveram a oportunidade de dizer adeus aos seus filhos. "Muitos pais morreram. Tentamos fazer o que podíamos dentro das nossas limitações para que outros pudessem voltar a ver seus filhos", diz, com a certeza de que a celebração deste ano continuará sendo atípica.

"Vai ser um pouco diferente sabendo que a quantidade de casos diminuiu e a de trabalho também. Mas se a sociedade achar em algum momento que não precisa mais de máscara, a gente vai voltar ao que era antes. Já tem variante circulando. Estamos num momento bom, mas precisamos manter", alerta. Para ele, que gostaria de ter feito mais, fica também a alegria de saber que contribuiu para que o Dia dos Pais continue sendo uma realidade para muitos.  

"Vou passar esse Dia dos Pais mais alegre e sabendo que outros pais também vão estar mais contentes e próximos à família".

Mais de Vida Urbana