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Pandemia

Covid-19: Presídios acumulam mais de 600 casos e famílias cobram notícias

Publicado em: 04/07/2020 12:00 | Atualizado em: 04/07/2020 11:41

Até 2 de julho, sistema prisional pernambucano acumulava 664 infecções pelo novo coronavírus. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.)
Até 2 de julho, sistema prisional pernambucano acumulava 664 infecções pelo novo coronavírus. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.)

Cadeias, presídios e penitenciárias de Pernambuco estão com as visitas presenciais suspensas desde o dia 20 de março. A medida, determinada pela Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), visa conter o avanço do novo coronavírus dentro do sistema de ressocialização e só deve ser revista em 31 de julho. Para a pasta, a decisão foi acertada porque, dentro de um universo de 32 mil presos, foram registrados 664 casos e 6 óbitos dentro das unidades até essa quinta-feira (2). Mas as famílias reclamam da falta de informações e da demora em conseguir marcar uma videochamada - único recurso possível durante essa fase. E situações como as da Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, que tem mais de 190 casos, chamam a atenção.

“Foram quase dois meses sem notícias de meu irmão e do meu marido. Quando surgiu isso de videochamada, foi outra demora para conseguir ter acesso”, conta a dona de casa Ângela*, de 41 anos. O irmão dela está preso na Penitenciária Professor Barreto Campelo, em Itamaracá; o marido, diabético e hipertenso, cumpre pena no Presídio Frei Damião, que integra o Complexo do Curado, no Recife. Para ela, a falta da família impacta mais do que a Covid-19. “Com toda certeza o que mais vai causar morte nesse período não são as infecções, e sim a depressão de não ter a visita dos parentes. A família que ajuda a pessoa a se ressocializar”, afirma.

Até conseguir ver o marido e o irmão, Ângela* penou. “As visitas foram suspensas, mas podia continuar mandando a feira que a gente compra para eles. Eu mandava uma carta junto da feira, perguntando como eles estavam, pedindo notícias. Os agentes penitenciários viam que era uma carta normal e deixavam entrar. Mas quando recebia a cesta da feira de volta não tinha resposta. E foi assim durante quase dois meses, sem saber se estavam vivos ou mortos”, relembra.

“Quem errou tem que pagar. Mas a cadeia em si já é um peso. Ficar sem apoio familiar é outro ainda maior. E em uma videoconferência, cheia de policial do lado, eles ficam se sentindo acuados, sem conseguir dizer direito se estão bem ou não. Eu entendo que a Covid-19 é uma doença perigosa, mas se reabriu comércio, praia e shopping, por que não reabre as cadeias? Fazendo uma higienização, deixando apenas um parente manter contato, sem visita íntima. O coração da gente sangra”, desabafa.

De acordo com a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), subordinada à SJDH, a videochamada é programada assim que o detento manifesta desejo em se comunicar com seus familiares. Com isso, entram na lista de programação de visitas familiares. A iniciativa começou oficialmente em 11 de maio - mais de um mês após a suspensão das visitas. Até a tarde de 3 de julho, foram realizadas 9.660 videoconferências. “Eu consegui, a muito custo, acesso a esse recurso. Mas conheço outras famílias que marcaram e não conseguiram. Como que elas ficam? Sem falar quando acontece alguma coisa, que a direção do presídio só informa depois de muito tempo”, reclama.
Pernambuco tem cerca de 32 mil pessoas encarceradas, segundo a Seres. (Foto: Teresa Maia/Arquivo DP.)
Pernambuco tem cerca de 32 mil pessoas encarceradas, segundo a Seres. (Foto: Teresa Maia/Arquivo DP.)

Adversidade
O questionamento de Ângela* se aplica à dona de casa Francisca*, 60. Ela alega que só conseguia ter notícias de seu filho, preso no Presídio de Igarassu, através de um celular irregular. Preocupada com a saúde dele, que piorava a cada dia, a senhora afirma que nunca recebia notícias por meios oficiais - leia-se assistência social da casa de detenção. “Diziam que ele estava bem, mas não avisaram à família quando transferiram ele para a UPA da cidade”, recorda.

O filho de Francisca* morreu no início de maio, com uma pneumonia aguda, suspeita de ter sido desencadeada pelo novo coronavírus. “Eu soube que ele tinha sido levado para a UPA graças ao advogado. A assistência social só me ligou dois dias depois. A obrigação deles era ter avisado de imediato. Sabiam que ele estava mal, mas demoraram a prestar socorro. Ainda choro com saudade dele. Quando o vi no hospital, ele tava fraco, tossia sangue, internado em uma ala com um monte de paciente misturado. Tinha gente com Covid-19, outros com pneumonia, outros com problema cardíaco”, alega.

Ela não permitiu que realizassem a autópsia do corpo, mas exige que a unidade médica mostre os exames de sangue e raios-x que realizaram nele. “Diziam que iam entregar, mas não recebi nenhum papel. Tive que enterrar meu filho rápido, em caixão fechado. Por isso estou correndo atrás dos meus direitos, vou mover uma ação contra o presídio e contra a UPA. Ele não vai voltar, mas espero que com esse processo que estou movendo não aconteça o mesmo com outras famílias. Tem mãe que tem medo, mas eu não tenho. Não vão poder fazer mais mal a ele”, comenta.

Em nota, a UPA de Igarassu esclarece que “nenhum pedido para avaliação de prontuário foi feito desde a internação do paciente em questão” e que “o prontuário está à disposição no setor de arquivo da UPA, mediante apresentação dos documentos de identidade da mãe e do paciente, assim como o atestado de óbito dele”. 

Já a Seres nega omissão: “o detento recebia acompanhamento periódico pela equipe de saúde prisional”. “No dia 29 de abril, por volta das 13h, o detento deu entrada na unidade de saúde (prisional) relatando falta de ar, ânsia de vômito e diarréia, bem como febre na noite anterior. A equipe de enfermagem o atendeu e encaminhou à UPA”, discorre, em nota.

Presídio de Caruaru é recordista em casos
Pernambuco tem, ao todo, 71 unidades penais, sendo 23 presídios e penitenciárias e 48 cadeias públicas. Até essa quinta-feira (2), a Secretaria Estadual de Saúde (SES) contabilizou 664 casos confirmados do novo coronavírus dentro do sistema. 499 deles já estão recuperados, outros 165 seguem ativos e 6 resultaram em morte. A situação duas penitenciárias chama a atenção: a de Petrolina, no Sertão, e a de Caruaru, no Agreste.

Na Penitenciária Doutor Edvaldo Gomes, em Petrolina, a quantidade de casos confirmados saltou de 30 para 99 em um período de dez dias (de 23 de junho a 2 de julho). Já a Penitenciária Juiz Plácido de Souza, de Caruaru, acumulava 198 infecções até o dia 30, sendo 126 casos ainda ativos, em isolamento, 70 recuperados e uma morte, segundo a Seres.

O secretário de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, afirma que as situações são pontuais e controladas. “Já tive reunião com os gestores de todos os presídios do estado, incluindo aí o de Petrolina, e me disseram que estão tomando todas as medidas de isolamento e testagem”, assegura. Desde o início da pandemia, houve três surtos de coronavírus ao longo desses 106 dias sem visitação - nas penitenciárias de Petrolina e Caruaru e no Presídio de Igarassu, que até 30 de junho, soma 74 casos - 73 deles já recuperados e um óbito.

Na visão de Pedro, a situação poderia estar pior se as visitas não tivessem sido suspensas. “Temos um sistema superlotado e, se não fosse assim, teríamos tido uma catástrofe. A SJDH distribuiu para todas as unidades penais atomizadores, máscaras reutilizáveis e não reutilizáveis, temos equipes de Saúde em todas as unidades fazendo busca ativa de casos, estamos fazendo o controle das celas, recebemos 3.600 testes rápidos do Departamento Penitenciário Nacional, além da testagem de profissionais de saúde e segurança pelo governo do estado”, defende.
Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, é uma das que mais tem casos de Covid-19: 198, até 30 de junho. (Foto: Annaclarice Almeida/Arquivo DP.)
Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, é uma das que mais tem casos de Covid-19: 198, até 30 de junho. (Foto: Annaclarice Almeida/Arquivo DP.)

“A gente sabe que essa situação causa ansiedade entre os familiares e os próprios presos, mas eles sabem que estamos cuidando da vida deles. Se eles têm a vida preservada hoje, lá na frente terão sua liberdade assegurada. As videochamadas vieram para reduzir essas tensões. Nos últimos 20 dias, foram 7.952 conversas realizadas com familiares. No último dia 26, assinei o disciplinamento de videoconferência de presos com seus advogados, para evitar outros riscos de contágio”, acrescenta.

Até o dia 2 de julho, sistema penitenciário registrou 6 mortes em decorrência da Covid-19: uma na Penitenciária Doutor Ênio Pessoa Guerra, em Limoeiro; uma no Presídio de Igarassu; uma na Penitenciária Plácido de Souza, em Caruaru; uma no Presídio Rorinildo da Rocha Leão, em Palmares; uma no Presídio de Vitória de Santo Antão e uma na Penitenciária Barreto Campelo, no Recife. “Quero apelar aos familiares para o bom senso, o equilíbrio e a tranquilidade. Não estamos punindo nem castigando ninguém. O isolamento é a garantia da saúde de todos nesse momento”, aponta Pedro Eurico.

Em nota, a SES informa que elaborou, junto com a Seres, um conjunto de medidas para garantir a saúde dos presidiários. Quem apresenta sintomas gripais passam a ser acompanhados pelas Equipes de Atenção Primária Prisional (EAPPs) da SES e “caso ocorra agravamento dos sintomas, são encaminhadas para assistência em unidade de referência da Rede de Atenção à Saúde (RAS). Ainda, pontuamos que em todas as unidades os reeducandos sintomáticos têm disponível exame para diagnóstico da Covid-19”.

“Estamos desenvolvendo um processo contínuo de capacitação para os profissionais de saúde das EAPPs e policiais penais, com o objetivo de preparar estes técnicos para o adequado acolhimento. Além disso, desde o início da epidemia, a SES ampliou o funcionamento das Unidades Básicas de Saúde Prisional, garantindo a população privada de liberdade o atendimento necessário durante os finais de semana e feriado. Estas ações viabilizam o reconhecimento precoce e controle de casos suspeitos”, diz a pasta, em nota.

Alerta
A presidente do Serviço Ecumênico de Militância nas Prisões (Sempri), Wilma Melo, acredita que a suspensão das visitas presenciais não foi suficiente para conter a Covid-19. “Quando a gente diz que o afastamento social evitou uma maior disseminação, não impediu que ela aparecesse. A contaminação aconteceu de todo jeito”, alega. Outro ponto questionado é a quantidade de videochamadas realizadas. “Se temos 32 mil presos e foram feitas cerca de 9,6 mil chamadas, então não atingimos nem 50% da população carcerária. Há pessoas incomunicáveis”, adverte.

“As prisões são ambientes insalubres, superlotados. E o afastamento agrava isso. A presença da família contribui para resolver os conflitos prisionais, ajuda o estado a manter os presos controlados. Os familiares precisam ter pleno conhecimento do que acontece lá dentro. A gente sabe da dinâmica prisional de maus-tratos e tortura”, enfatiza.
Estado diz que toma medidas de prevenção dentro dos presídios. (Foto: Norberto Duarte/AFP.)
Estado diz que toma medidas de prevenção dentro dos presídios. (Foto: Norberto Duarte/AFP.)

Coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização Carcerário (GMF), o desembargador Mauro Alencar frisa que a situação da Covid-19 nos presídios pernambucanos é monitorada diariamente por órgãos de controle externo. “As unidades prisionais estão testando e isolando casos, fazendo limpeza com mais frequência do que antes. Quando chega um preso novo, ele fica separado dos demais por 14 dias”, exemplifica.

“Todos os dias recebemos relatórios, que são repassados para o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A cada 15 dias, também enviamos ao CNJ o número de casos confirmados e óbitos dentro do sistema prisional e socioeducativo (crianças e adolescentes)”, pontua Mauro.

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