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#MeuRecomeço

No empreendedorismo, no esporte, na busca de uma nova morada, exemplos de quem enfrentou e superou perdas

Publicado em: 15/02/2020 08:00 | Atualizado em: 16/02/2020 11:22

Quando uma história parece ter seu fim, começa outra. O menino que se arrastava no interior de Araripina, Sertão de Pernambuco, acaba de adquirir os direitos para produzir carros modelo jipe off road e erguer uma montadora no Nordeste. É a expansão e ápice do empresário do ramo da tecnologia, dono de grupo que assegura patrimônio de terceiros na ordem de R$ 400 milhões. O detento que cumpriu pena por assalto e tráfico e ficou paraplégico em liberdade viaja neste final de semana para Dubai, nos Emirados Árabes, como atleta número um do ranking brasileiro em tiro com arco. Deixará o Cabo, na Região Metropolitana do Recife, para participar de uma seletiva no Panamericano paralímpico no México. O fotógrafo venezuelano que passou fome com a família por quatro anos comemora a doação de uma câmera profissional para trabalhar no Recife. Mudou o status: de refugiado, passou a residente temporário na cidade. O casal do município de Paulista que se conheceu em uma empresa de telemarketing, amargou a notícia do desemprego no mesmo dia e aprendeu a cuidar do filho autista, anuncia a criação de uma banda infantil. A mãe que fez cinco fertilizações, engravidou de gêmeos e os viu partir com intervalo de dez meses. Que, enquanto orava diante das cinzas dos filhos, engravidou naturalmente e comemorou esta semana o primeiro ano da filha. Dentista da rede pública de Goiana, Zona da Mata, ajuda quem vive na desesperança. Recomeços são necessários. Dependem primeiro de vontade e coragem. Recomecemos, pois, com a inspiração deles:


 (Arquivo pessoal)
Arquivo pessoal

Aboletou-se no carro, disposto a percorrer 700 quilômetros até a serra do Araripe, Sertão pernambucano. Subiu a chapada, acomodou-se na rede sombreada pela árvore do sítio Serra da Rodagem, aquele onde o pai lhe deixou anos antes de ser assassinado. Com meia hora de descanso, despediu-se do tio e dono do sítio. Bastou para lembrar do seu passado e respirar a determinação que o colocou em pé tantas vezes. "A diferença entre pessoas comuns e as mais bem sucedidas é que as bem sucedidas buscam oportunidades. E eu precisei buscar as minhas; era uma questão de sobrevivência", disse o empresário Antônio Souza, que, após uma agitada trajetória de superação pessoal e profissional, hoje é dono de um grupo que cresce pelo menos 50% ao ano.

No prato da família formada pelo pai Zé Caboclo, a esposa e onze filhos, fazia-se comum o pirão da pobreza, mistura de farinha de mandioca com água. Aos 3 anos, uma brincadeira doméstica de movimento brusco provocou uma grave lesão do quadril de Antônio Souza. Arrastar-se passou a ser o único meio de locomoção para ele. Na casa com paredes de barro e madeira em Varjota, no Ceará, enfrentava a escassez de tudo e o sofrimento de ver a mãe com problemas psiquiátricos. Acompanhava o pai e irmãos na roça, mas a lida não era para ele - sabia bem. Aos 8 anos, o destino novamente lhe desafiou: foi atingido por um tiro de espingarda dado acidentalmente por um irmão. 

"Conto minha história mas não gosto de ficar me vitimizando. Para mim, é mais como uma lembrança do que a gente era no passado e no que ainda pode ser", diz ele ao Diario. A emergência o levou a um médico de Fortaleza que o ajudou na recuperação da perna e na solução para as sequelas no quadril. Jovem, numa visita ao tio, no Araripe, Antônio se viu diante de outra surpresa: o pai Zé Caboclo fora assassinado. As dificuldades pessoais moldaram uma catapulta profissional para ele.

Antes de ser dono de um conglomerado de cinco empresas, reconhecido como empreendedor do setor de segurança eletrônica, de ter quatro governos estaduais e 600 agências do INSS como clientes, de anunciar uma montadora no Nordeste do jipe Stark como plano para este ano, acreditou em sonhos e focou em um futuro longe da lavoura. "Aprendi a lidar com recomeços". Foi jardineiro, lavador de carro e procurou conhecer pessoas e oportunidades. Teve até uma fábrica de picolé; fracassada com a chegada do inverno. Como vendedor, multiplicou as parabólicas e alarmes pelo semiárido. E viveu fracassos. Abriu um leque de novos negócios assim.

(O que o empresário fez há 25 anos foi o que hoje defende quem estuda o futuro. "O primeiro passo para sair de uma situação de revés é olhar com positividade para o dia seguinte" – disse em entrevista de São Paulo Jaqueline Weigel, professora e palestrante que comenda o WFuturismo, o 1º hub de estudos de futurismo do Brasil. "Salvem-se na própria miséria! Se você está passando por um marasmo de inatividade, comece deixando de ser pessimista e seja positivo. Se perdeu o emprego, lembre que o mercado de trabalho mudou e você precisa aprender coisas novas todos os dias e não há idade para isso; se está depressivo, busque boas energias e especialistas; converse com outras pessoas para pensar em soluções para os problemas", sugere ela para então sentenciar: "Se você não está pensando no seu futuro, corra porque está atrasado". )

Dando de ombros para as adversidades, Antônio resolveu comprar equipamentos em São Paulo, contratar quem traduzisse softwares para revendê-los centenas de vezes mais caro. Anos atrás - conta - foi em um banco em Alagoas pedir crédito para a empresa e projetou crescimento de 300% dos negócios. O banco pediu que ele retificasse. "Queriam que eu mentisse. Coloquei 200%. Negaram de novo". No ano seguinte, voltou só pra mostrar o balanço de 400% de crescimento. "Para ter sucesso, é preciso perseverança. E, muitas vezes, a solução para a vida está bem ali, do lado, olhando para você", afirma.

 (Aderval Júnior Fotografia/Divulgação)
Aderval Júnior Fotografia/Divulgação

TRAGÉDIA

Na vida pessoal, a inspiração vem da dentista Ana Karina Peixoto, que enfrentou dez anos de recomeços e comemorou quarta-feira o aniversário de primeiro ano de uma filha: Estela. Ana se casou com o colega de faculdade, também dentista Glauco dos Santos. Ter um filho era projeto de ambos. Glauco tratou um câncer que o impedia de gerar um bebê. Dois anos depois, quando a situação parecia normalizada, surge a suspeita de que Ana tinha menopausa precoce. "Foram cinco fertilizações seguidas durante mais de sete anos. Foi preciso coragem e dinheiro. Gastamos cerca de R$ 100 mil". 

Chega a notícia das mais felizes: a gravidez dos gêmeos Tiago e Mateus. E uma ameaça: a da pré-eclâmpsia – quadro que eleva a pressão arterial e antecipa o parto. "Me deram a opção de deixar um deles morrer e salvar o outro, mas não admitia esta escolha". Aos seis meses, os meninos nasceram; um com 690 gramas, outro com 850 gramas. Três dias depois, Mateus se foi. A mãe de Ana Karina, que estava doente de câncer, morreu no mesmo dia que o neto. "Tiago viveu por 10 meses".

Para Ana Karina, defronte dos maiores dos reveses, a perda da mãe e de dois filhos no mesmo ano ou qualquer outro que abale a estrutura da vida de uma pessoa, pode-se adotar a prática da "paciência, da força, da fé e perseverança" para sair do turbilhão e vislumbrar dias melhores. "Nunca fiz terapia. Encontrei comigo mesmo coragem para resistir". E foi quando, três meses depois da morte do filho Tiago, teve uma surpresa que trouxe o sorriso de volta para a casa da família. Estava grávida de Estela, fruto de concepção natural. "Sempre foquei em pensamentos positivos e tive muita fé". 

Dentista com atuação no município de Goiana, Zona da Mata de Pernambuco, Ana Karina Peixoto, 40 anos, atende crianças carentes; algumas, pacientes microcefálicas, vítimas sequeladas do Zika vírus. Às mães dos pequenos, como estímulo para aplacar dias difíceis, dá conforto e conta a sua confiança no amanhã.


 (Arte/DP)
Arte/DP
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