Longevidade

Octogenários, ativos e produtivos

Raras no mercado, pessoas com mais de 80 anos oscilam entre o trabalho por necessidade e satisfação

Publicado em: 13/04/2019 09:00 | Atualizado em: 15/04/2019 13:36

Ativo desde a adolescência, Arnaldo mantém escritório para complementar sua aposentadoria. Foto: Tarciso Augusto/Esp.DP.
Em um país onde a expectativa de vida é de 72 anos e cinco meses para os homens e 79 anos e quatro meses para as mulheres, trabalhar após os 80 anos é não só uma exceção, como também revela, em alguns casos, a necessidade de exercer atividade remunerada depois da aposentadoria por questões financeiras. A constatação é do médico epidemiologista e presidente do Centro Internacional de Longevidade – Seção Brasil, Alexandre Kalache. Em meio às discussões sobre a reforma da Previdência, o Diario ouviu as histórias de três pernambucanos octogenários que continuam trabalhando. O contador Arnaldo Guimarães, 82, a empresária Fernanda Dias, 84, e o bancário Rinaldo Negreiros, 83, falaram sobre as dores e delícias de estar na ativa após celebrar a oitava década.

No Brasil, pessoas com 60 anos ou mais correspondem a 19% da população em idade de trabalhar, mas apenas 8% estão na ativa. Essa taxa deve subir nos próximos anos, caso seja aprovada a reforma da Previdência. Entre outubro e dezembro do ano passado, 93 milhões de brasileiros estavam no mercado de trabalho, nem todos tinham a carteira assinada.Cerca de 7,5 milhões têm mais de 60 anos. Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do último trimestre de 2018.

Para Kalache, diante dos números e da expectativa de vida no Brasil, se a pessoa chegou aos 80 anos já é um sobrevivente. “Em um país desigual como o nosso, é uma façanha chegar a essa idade. Um quarto das razões para isso é genética. Provavelmente são pessoas com avós e/ou pais longevos. Outros 75% dependem do estilo de vida, do nível de instrução dos pais, de onde morou, se nasceu em um lugar poluído, se foi pobre, se passou fome e outros fatores externos”, afirma o especialista em longevidade.

Chegar bem aos 80 anos depende ainda de um grande esforço pessoal. “Quanto mais cedo a pessoa se preparar para isso, melhor. O que começa a pensar mais cedo nisso, terá mais lucro”, enfatiza Kalache. Segundo ele, uma característica das pessoas idosas no mercado de trabalho é que elas, ao contrário das mais novas, não estão pensando prioritariamente em produzir e competir. Ao envelhecer, ela busca deixar um legado. Quer que as novas gerações lembrem dela. Mas não é isso que motiva a maioria dos aposentados que continuam na ativa. “Infelizmente, no Brasil, a maior parte das pessoas que ainda trabalham nessa idade fazem porque precisam comer e porque têm outras pessoas que dependem delas”, esclarece. 

Um rei da contabilidade

Quando Elizabeth II foi coroada rainha da Inglaterra, o contador Arnaldo Guimarães, 82, já trabalhava. Assim como a monarca, ele continua em plena atividade. Natural de Goiana, Arnaldo começou a trabalhar na adolescência. Formou-se no curso técnico em contabilidade e decidiu morar na capital para fazer o curso superior na Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), onde, anos depois, ensinou. Já aposentado, continua trabalhando no escritório Guimarães e Associados com auditoria fiscal. “Gosto de trabalhar e de me manter ativo, mas o principal motivo é financeiro. Com o dinheiro da aposentadoria, infelizmente, não consigo me manter”, afirma.

O mundo de Fernanda

Empresária de 84 anos trabalha na loja fundada pela família em 1957. Foto: Mandy Oliver/Esp.DP.
A presença da empresária Fernanda Dias, 84, na Casa dos Frios é uma certeza para os clientes assíduos. Eles não sabem, porém, onde vão encontrá-la. Pode ser no balcão de embalagens, arrumando uma prateleira, atrás do balcão de frios ou na área onde parte dos produtos vendidos é feita. “Sempre trabalhei. Comecei pintando e bordando enxovais. Aqui trabalho das 9h às 17h. Quando não estou, as pessoas até sentem falta. Eu também sinto”, diz. Fernanda está na estatística da exceção entre os que trabalham com mais de 80 anos e continua na ativa por prazer. “Acho que parada eu me sentiria muito mal, ociosa. Gosto de estar aqui, do contato e da conversa com as pessoas", revela.

Um senhor bancário

Rinaldo segue em agência bancária mesmo após se aposentar. Foto: Leandro de Santana/Esp.DP.
Dos 83 anos de vida, o bancário Rinaldo Negreiros dedicou 62 à profissão. Mesmo aposentado, continua trabalhando em uma agência do Bairro do Recife. “Antes de trabalhar em banco, atuei por um ano e oito meses no Telégrafo Inglês”, conta. Se na infância da filha cabia a ele o papel de levá-la à escola, hoje, ela busca o pai no trabalho. Pontualmente às 17h, ela para em frente ao banco e, juntos, eles seguem para casa. O ritual acontece de segunda a sexta- -feira. Enquanto para a filha o exame de aptidão física e mental para dirigir é renovável a cada cinco anos, para ele – assim como para qualquer pessoa com mais de 65 anos – o prazo de renovação é de no máximo três anos. 
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