Saúde

Mulheres são elo invisibilizado da síndrome congênita do zika

Grupo Curumim chama atenção para a necessidade de cuidar das mães e parentes femininas dos bebês com SCZ

Publicado em: 02/01/2019 09:00 | Atualizado em: 02/01/2019 10:15

Foto: Peu Ricardo/DP (Foto: Peu Ricardo/DP)
Foto: Peu Ricardo/DP (Foto: Peu Ricardo/DP)

Quando os casos de síndrome congênita do zika começaram a aparecer e Pernambuco virou epicentro de um novo cenário da saúde mundial, em outubro de 2015, todos os olhares se voltaram para os bebês. A necessidade de descortinar as causas e traçar um panorama para as crianças invisibilizou o outro lado intrínseco à problemática, as mulheres que estava por trás daqueles nascimentos. Como elas podiam fazer o planejamento familiar? Que tipo de apoio elas precisariam? Como a rotina delas seria alterada? Perguntas, dentre muitas, que não foram respondidas por completo e deixaram uma lacuna no problema.

Dos mais de 1,5 mil casos que haviam sido notificados menos de um ano depois de o Ministério da Saúde ter declarado emergência, 22% estavam em Pernambuco. Após os registros, chegaram as primeiras notícias de que mulheres estavam sendo abandonadas pelo marido em decorrência da síndrome dos filhos, evidenciando que algo deveria ser feito também por elas. No entanto, o tempo passou e pouco se avançou. É o que apontou em pesquisa o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CpqAM/Fiocruz) e, na prática, atesta o Grupo Curumim.

“A gente percebeu que, no começo, se colocavam o bebê e o mosquito no centro, mas a mulher ficava invisível. Só que os impactos sociais e econômicos também aconteceriam na vida delas. Até hoje, a informação de que o zika pode ser transmitidos em uma relação sexual é pouco disseminada”, afirma a coordenadora do Grupo Curumim, Paula Viana. A negligência às vulnerabilidades femininas se torna mais crítica já que a pesquisa da Fiocruz evidenciou que, em 95% dos casos, a mãe é a principal cuidadora das crianças.

De acordo com o estudo, foram frequentes os relatos de desligamento dos empregos, abandono de projetos pessoais e sentimento de solidão no enfrentamento às adversidades pelo fato de ter um filho com a síndrome. O que corrobora o dado de que 70% das mães de filhos com doenças raras são abandonadas pelos companheiros. “A mulher engravida e toda a culpa da maternidade recai sobre ela: se teve cuidado, se tomou ácido fólico, se usou repelente, etc. O peso e a culta social são grandes. E não há cuidado com a saúde mental delas, não há políticas públicas”, afirma a presidente da Aliança de Mães e Famílias Raras (Amar), Pollyana Dias.

Marcione Rocha, 32 anos, já tinha dois filhos quando descobriu que estava grávida de Pérola. A menina, hoje com 3 anos, tem síndrome congênita do zika. Em busca das terapias para a filha, Marcione precisou deixar a cidade de Betânia, no Sertão, e vir morar na capital. “No Recife, tenho a dificuldade de ser sozinha para tudo, para levar na terapia, no posto de saúde, ir para a reunião da escola dos outros filhos. É difícil, pesado. Meu marido ficou, pois a nossa renda já é baixa e ele precisava trabalhar. Queria ter um trabalho, cuidar de mim”, contou.

Para Paula Viana, é fundamental trabalhar dois eixos no sentido de corrigir a atenção à mulher: o acesso à informação e a ruptura de barreiras no acesso às políticas já disponíveis. “As mulheres precisam saber que estão com zika, que os casos continuam acontecendo, que existem formas acessíveis de planejamento familiar, o que fazer em casos de gravidez indesejada. Que há casos em que a malformação no bebê pode comprometer a saúde delas. Sobretudo aquelas que não têm recursos financeiros”, explicou. O Grupo Curumim mantém um canal de apoio para dúvidas, o Vera, que pode ser acessado pelo telefone (81) 98580.7506, de segunda a sexta-feira, das 14h às 18h.

Em nota, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) afirmou que nas ações de testagem das IST, o aconselhamento aborda a possibilidade da transmissão sexual e a importância do uso da camisinha nas relações sexuais, inclusive durante a gravidez. As capacitações da Gerência da Saúde da Mulher, sobre planejamento reprodutivo e parto, também abordam o tema com os profissionais de saúde que trabalham na Atenção Primária e rede hospitalar. A SES disse ainda que faz o monitoramento das gestantes com exantema e que aborda o tema durante as capacitações do Programa de Controle das Arboviroses com os municípios.

Risco de infecção por arboviroses cresce no verão
Foto: Karina Morais/Esp.DP (Foto: Karina Morais/Esp.DP)
Foto: Karina Morais/Esp.DP (Foto: Karina Morais/Esp.DP)

Passados mais de três anos do boom da epidemia de síndrome congênita, o furor em cima dos casos de zika decaiu. Desde agosto de 2016, o Estado registra a diminuição dos casos confirmados de infecções virais transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti, caracterizando, assim, a saída da zona epidêmica. Porém, isso não significa eliminação do risco de infecção. Neste ano, foram notificadas 87 pessoas com zika no Recife, das quais oito tiveram o diagnóstico confirmado. Em Pernambuco, foram 1,3 mil notificações e 56 confirmações. Por isso, o Grupo Curumim está lançando o Alerta Verão – Saúde, Direitos e Cuidados em tempos de zika, para reforçar a prevenção ao vírus.

Neste ano, foram 176 casos de Síndrome Congênita do Zika notificados, dos quais 11 confirmados. Ainda que os números não se aproximem dos 272 de 2015 e dos 161 de 2016, não podem ser desconsiderados. E o alerta vem porque, nesta época do ano, aumenta a incidência de infestação do Aedes aegypti, o mosquito transmissor do zika. Como também é uma época de escassez de água, o que facilita a estocagem e, em consequência, a quantidade de possíveis focos. “No Verão, com as altas temperaturas, a uma tendência de aumento dos casos. E, como se não fala constantemente no assunto, as pessoas pensam que o risco já não existe”, lembrou Paula Viana.

Paula também reforça a necessidade de, com a época de férias e de carnaval, reforçar a necessidade do uso da camisinha como forma de prevenção ao zika. O vírus, além da picada do mosquito e da via sexual, também pode ser transmitido durante a gravidez, com o feto ainda no útero, e via transfusão de sangue (já há casos reportados no Brasil, mas ainda não confirmados). A linha telefônica Vera é o canal do Grupo Curumim para ajudar a fazer o alerta, onde as pessoas podem tirar dúvidas sobre direitos sexuais e reprodutivos e prevenção ao zika vírus. Além das mulheres, serão alvo da campanha os profissionais de saúde.

Desde 2015, segundo a SES, foram investidos R$ 38 milhões no combate às arboviroses no estado. Em 2018, começou a capacitação de equipes para que o mapeamento dos locais com focos de proliferação do mosquito possa ser feito com o apoio de aplicativo de celular. O Recife tem como meta no enfrentamento das arboviroses 2019 a universalização do uso das ovitrampas e o uso da técnica do inseto estéril. 
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