AVC Paciente com alta médica do HRC, no Distrito Federal, luta para voltar para casa, no Recife Após um AVC, ela não fala, não anda, se alimenta por sonda e respira por uma traqueostomia

Por: Otávio Augusto

Publicado em: 10/10/2017 08:48 Atualizado em: 10/10/2017 08:54

Edineide Maria Carneiro cuida da filha Marcela no HRC: como as duas não podem trabalhar, a família sobrevive de doações. Foto: Arthur Menescal/ Esp. CB
Edineide Maria Carneiro cuida da filha Marcela no HRC: como as duas não podem trabalhar, a família sobrevive de doações. Foto: Arthur Menescal/ Esp. CB

Quem passa desatento pelos corredores da Enfermaria E, na clínica médica do Hospital Regional de Ceilândia (HRC), não percebe a presença de Edineide Maria Carneiro, 50 anos. Ela está há 10 meses no mesmo lugar, cuidando da filha Marcela Maria da Silva, 30, que por complicações após um acidente vascular cerebral (AVC) não fala, não anda, se alimenta por sonda e respira por uma traqueostomia —  orifício para a passagem de ar. Mas elas já poderiam ter ido para casa, no Recife. Não foram porque não têm dinheiro. Não conseguiram ajuda nem da Força Aérea Brasileira (FAB).

Os 2.136km que separam a capital pernambucana de Brasília representa mais que rodovias e aeroportos. Mãe e filha abriram mão de sonhos, de conquistas, da família e de toda história que construíram. Vieram por caminhos diferentes. Marcela veio em busca de uma vida melhor. Trouxe os três filhos, de 4 a 11 anos. Edineide tinha mais pressa. Veio em meio a uma emergência médica e com poucas informações. A palavra de ordem — cada uma em seu tempo — era esperança.

Após a complicação da saúde, Marcela ficou incapaz. A avó, para não separar os netos, mandou as crianças para a casa de uma tia, em Goiânia, a 200km do DF. Com a filha acamada, Edineide sobrevive de doações. Até as fraldas são doadas por desconhecidos. “Estamos sobrevivendo da caridade das pessoas. A luta tem sido muito difícil”, resume Edineide, chorando. Antes mesmo de encontrar a equipe do Correio, ela já chorava. “Estou enlouquecendo”, repetia.

A urgência é para colocar no lugar o que sobrou de uma vida humilde, mas feliz. “Precisamos voltar para o Recife. Lá, vou ter melhores condições de criar os meus netos e de cuidar da minha filha”, explica. A equipe médica que acompanha o caso concluiu que é melhor manter Marcela em cuidados domiciliares. “Não tenho dinheiro para custear a nossa volta para casa”, ressalta a mãe da paciente. O serviço de uma UTI aérea custa, em média, R$ 9 mil. “Tem dia que não tenho dinheiro para comer nada além da comida do hospital”, conta Edineide.

Fora dos “requisitos”
Vendo a peleja de Edineide, os assistentes sociais do HRC tentaram um voo com a FAB. O pedido foi negado por elas (mãe e filha) não se “enquadrarem nos requisitos”. “Essa era a minha única aposta para pôr fim a este pesadelo”, conta Edineide. Durante dois dias, o Correio procurou a FAB, a Secretaria de Saúde, os governo do DF e de Pernambuco para encontrar uma solução para Edineide. Ninguém garantiu o voo. 

Em nota, a FAB admitiu que Marcela e Edineide tiveram o embarque recusado. “As missões de evacuação aeromédica destinam-se a atender ocorrências em que os recursos médico-hospitalares no local não sejam suficientes e o paciente corra risco de morte. Deste modo, por não se enquadrar nos requisitos, não foi possível atender o caso”, justifica o texto oficial.
 
Sem recursos
A Secretaria de Saúde do Distrito Federal, também por meio de nota, ressaltou que Marcela está em condições de alta para acompanhamento domiciliar há alguns meses, mas que só pode ser transferida por transporte aéreo. 

Sem recursos, a pasta promete sensibilizar a FAB para a disponibilização de um voo. Se não der certo, o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) vai tentar arrecadar o valor da passagem. “A paciente e a sua mãe encontram-se em situação de vulnerabilidade social e econômica. A transferência promove o direito à convivência familiar”, destaca o texto.

Ninguém do governo de Pernambuco quis dar entrevista. O governo não comentou o caso nem por meio de nota.

Mal súbito
O acidente vascular cerebral (AVC) é definido como o surgimento de um deficit neurológico súbito causado por problemas nos vasos sanguíneos do sistema nervoso central. Classicamente o AVC é dividido em dois subtipos: o isquêmico e o hemorrágico. O primeiro ocorre pela obstrução ou redução brusca do fluxo de sangue em uma artéria cerebral causando falta de circulação no seu território vascular. O outro é causado pela ruptura espontânea de um vaso, com vazamento de sangue para o interior do cérebro (hemorragia intracerebral).

Inscrições
A Força Aérea Brasileira (FAB) mantém um serviço de transporte solidário. O Correio Aéreo Nacional (CAN) abre vagas, mas é preciso se inscrever com antecedência. Não é possível realizar um agendamento preciso de viagens, explica a FAB. As aeronaves realizam voos não regulares com diversas origens e destinos e as vagas são disponibilizadas em aproveitamento de missão. Assim, elas poderão sofrer alterações a qualquer momento, de acordo com as definições estratégicas do órgão.

Dormindo no chão do hospital
Marcela deixou a vida modesta no bairro de Areias, periferia do Recife, em dezembro de 2016, em busca de ascensão financeira. Acreditou que poderia ganhar mais dinheiro e oferecer melhores condições de educação aos filhos morando na capital do país. A ideia era continuar as atividades que exercia em Pernambuco: cabeleireira e manicure. “Marcela sempre foi batalhadora. É muito triste ver que uma pessoa tão alegre ficou nesse estado”, lamenta Edineide.

O maior desejo é atravessar as ruas simples do bairro onde moravam e chegar em casa. “Estou com saudade da minha vida, que parou. Sinto falta da minha casa, de forrar uma mesa ou de acordar na minha cama. Dormir em uma cadeira de plástico ou no chão de um hospital é muito doído”, pondera. O ambiente hospitalar — com a entrada de pacientes e a correria dos médicos — dá o tom da rotina. “Aqui me esqueci do Natal, do aniversário de pessoas queridas e até de mim”, comenta.

A esperança que Edineide e Marcela trouxeram na mala tem que abrir caminho para o recomeço. “Banho, medicação e alimentação dependem de mim. A coluna às vezes falha. A tristeza quer falar mais alto, mas estou firme que vamos recomeçar e tudo ficará em seu lugar. Abandonei emprego, marido e casa. Mas só de minha filha estar melhor fico mais aliviada”, destaca Edineide. O recomeço depende de um avião.

R$ 9 mil

Valor do fretamento de um taxi aéreo com suporte médico, como UTI, de Brasília para Recife


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