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Religião Jovens buscam mais pelo sacerdócio O número de jovens que procuraram a Arquidiocese de Olinda e Recife dobrou em um ano. Os perfis são variados

Por: Ana Paula Neiva - Diário de Pernambuco

Publicado em: 18/09/2017 09:56 Atualizado em: 18/09/2017 14:31

Jovens buscam mais pelo sacerdócio. Foto: Peu Ricardo/DP
Jovens buscam mais pelo sacerdócio. Foto: Peu Ricardo/DP

O que leva um jovem largar a família, a namorada, amigos, a carreira profissional e os prazeres da vida mundana para se dedicar aos estudos do sacerdócio nos dias atuais? Motivos são muitos, íntimos de cada um. Mas quem resolve em plena juventude entrar para o seminário sustenta que a vocação é a razão maior de tudo. E na contramão da liberdade sexual, a quantidade de jovens que optam pelo celibato e querem servir a Deus só aumenta em Pernambuco.

Uma prova está no número duplicado de candidatos que ingressaram no Seminário Propedêutico, porta de entrada para os estudos do sacerdócio na Arquidiocese de Olinda e Recife. Saltou de 12 jovens em 2015 para 25 neste ano. Localizado em Igarassu, o seminário fica ao lado do Convento Histórico de Santo Antônio. Aceita adolescentes terminando o ensino médio, a partir de 16 anos.

Entre 2014 e 2015, a Igreja Católica viu, mundialmente, um acréscimo de 971 sacerdotes diocesanos. O arcebispo dom Fernando Saburido, acredita que a procura tem aumentado justamente pelo fato de o padre diocesano desfrutar de maior independência em relação ao sacerdote vinculado a congregações ou a ordens religiosas. “Mas a vocação é, sem dúvida, um impulsor. O trabalho com coroinhas é um grande celeiro”, diz o arcebispo, que aos oito anos fez a Primeira Eucaristia e atuou como coroinha na paróquia da comunidade onde residia na infância.

A idade mínima para se tornar padre é de 24 anos. Antes disso, é preciso ter autorização do Vaticano, como o ex-arcebispo dom Helder Camara, que aos 22 anos teve autorização para ordenamento. Atualmente, o perfil de quem alimenta o sonho de se tornar padre foge dos padrões tradionais. Há jovens de classes sociais, idades e níveis culturais variados. A maioria, inclusive, já teve namoradas.

Quando começou a funcionar em Igarassu, em 2012, o Seminário Propedêutico recebeu 12 candidatos. “Este ano, temos 25, desde adolescentes até graduados. Temos um jornalista e três advogados”, comentou o padre Josivan Bezerra, reitor da casa. A única exigência é não ter sido casado. “Preparamos o jovem para viver o seminário maior (este fica localizado no prédio mantido pela arquidiocese no bairro da Várzea, no Recife). Eles entram pelo processo ordinário, fazem vestibular, Enem ou por meio de diploma universitário”, explicou.

Além dos 25 seminaristas que fazem curso de formação este ano, outros três desistiram. Um deles resolveu ir morar numa comunidade religiosa em Curitiba, no Paraná. “Dos outros dois, um tinha como profissão a advocacia e detinha certo prestígio social. Sentiu desejo de ser padre, mas se arrependeu. O outro jovem entrou em dúvida e disse que precisava amadurecer a ideia”, completou padre Josivan. Neste ano, foram ordenados nove padres. No próximo ano, está prevista a ordenação de outros dez.

Missão espiritual e, ao mesmo tempo, prática


A rotina do seminário contempla cinco dimensões: intelectual, comunitária, humana afetiva, espiritual e missionária. “Eles fazem curso pré-vestibular num cursinho no Centro de Paulista, às tardes. Aprendem a viver em comunidade, respeitando uns aos outros, recebem apoio psicológico, fazem orações e ajudam os padres nas paróquias e catequeses, visitando doentes, acompanhando velórios, enterros e outras cerimônias religiosas”, explica Josivan Bezerra, reitor do seminário, ordenado como padre há 13 anos.

Ele ressalta que a vocação é algo concreto e individual. “É um chamado na escolha de vida daquele jovem. É no seminário que ele se encontra consigo mesmo”, completa. Muitos desses jovens vêm encaminhados de comunidades religiosas. Outros são influenciados pelas redes sociais. “A internet também em sua parcela no despertar da vocação. Muitos querem seguir o sacerdócio inspirado em padres de sucesso, como o Marcelo Rossi, Fábio de Melo e Paulo Ricardo”, citou.

No fim desse mês, o Seminário Propedêutico estará lançando uma série de vídeos em um canal no YouTube, sobre o dia a dia dos seminaristas. Dez vlogs de 20 segundos vão mostrar detalhes sobre a convivência durante a formação religiosa. O lançamento deve acontecer durante as comemorações de Santo Cosme e Damião, dia 27, em Igarassu. Com imagens do fotógrafo Rodrigo Costa, os vídeos também trazem depoimentos de jovens seminaristas.

Bacharel em direito, Fillipe Gustavo Correia Lima, 28, morou em Catende, Mata Sul, até os 15 anos. Peu Ricardo/DP
Bacharel em direito, Fillipe Gustavo Correia Lima, 28, morou em Catende, Mata Sul, até os 15 anos. Peu Ricardo/DP

O caminho que leva a uma escolha de fé


Bacharel em direito, Fillipe Gustavo Correia Lima, 28, morou em Catende, Mata Sul, até os 15 anos. Estudou no Colégio Santa Terezinha da ordem religiosa Nossa Senhora do Bom Conselho, naquele município. E foi lá que começou a participar de encontros vocacionais. Na adolescência veio para o Recife estudar e ficou morando em Boa Viagem. Prestou vestibular para o curso de direito por influência do pai, que tinha formação superior e almejava o mesmo para os filhos.

Fillipe Gustavo diz que sentiu o chamado vocacional ainda no quinto período da faculdade. “Não tive coragem de abandonar os estudos. Formei-me e fui trabalhar num escritório de advocacia como assistente jurídico, mas não me sentia completo”, contou. Residindo na Zona Sul, frequentava a igreja de Nossa Senhora de Boa Viagem, na Pracinha, quando se aconselhou com o padre Fábio Farias.

Nesse meio-tempo, chegou a ter três namoradas. Os relacionamentos, no entanto, não deram certo. Assim, após concluir a graduação, começou a participar dos encontros vocacionais no Seminário da Várzea. Durante um ano, ia às reuniões todo terceiro domingo do mês. “Foi quando me encontrei realmente e tive força para largar a profissão de advogado. Aprendi que ser feliz é seguir a vocação”, diz o estudante, que está desde janeiro está no seminário.

Joab Domingos de França, 18 anos, é um dos mais novos seminaristas da arquidiocese. Foto: Peu Ricardo/DP
Joab Domingos de França, 18 anos, é um dos mais novos seminaristas da arquidiocese. Foto: Peu Ricardo/DP

Uma decisão tomada ainda na infância

Natural de Moreno, cidade situada na Região Metropolitana do Recife, Joab Domingos de França, 18 anos, é um dos mais novos seminaristas da arquidiocese. Passou a infância em Jaboatão Centro. Levado pela mãe, frequentava as missas na Igreja de Santo Amaro, onde foi coroinha. As 14 anos, teve despertada sua vontade para o sacerdócio. Pediu ajuda ao padre Deonilson Nogueira, que cuidava da paróquia na época. O sacerdote teria o orientado a esperar, amadurecer a ideia. E assim Joab fez.

Somente ao concluir o ensino médio no ano passado, após fazer provas do Enem, resolveu procurar o Seminário da Várzea, no Recife, onde participou de uma semana de convivência. Foi quando tomou sua decisão e abandonou o último módulo do curso técnico em análises  Clínicas para se dedicar à religião. Está no Seminário Propedêutico há sete meses e diz que não se arrepende. “O seminário não é apenas um lugar para formar padres. Aqui, a gente tem oportunidade de discernir a vocação. Hoje tenho certeza desse chamado para
minha vida”, afirma.

Joab é o caçula de quatro irmãos e admite que encontrou resistência por parte da família ao tomar sua decisão. “Meus irmãos são todos
formados e meus pais questionaram isso. Mas aqui também terei a oportunidade de estudar e estar perto de Deus”, enfatiza.

Só depois de conquistar a independência financeira José Renato Silva Lustosa, 28, tomou a decisão de entrar para a igreja.  Foto: Peu Ricardo/DP
Só depois de conquistar a independência financeira José Renato Silva Lustosa, 28, tomou a decisão de entrar para a igreja. Foto: Peu Ricardo/DP

A revelação de Nossa Senhora

Foi só depois de conquistar a independência financeira que José Renato Silva Lustosa, 28, tomou a decisão de entrar para a igreja. Ex-funcionário de uma rede de lojas de departamentos, abandonou uma carreira promissora de cinco anos, com salário diferenciado, para ingressar no seminário. A família chegou a questioná-lo. O pai, químico têxtil aposentado, e a mãe, dona de casa, sonhavam em vê-lo casado e com filhos. Mas José Renato seguiu outro caminho.

Tomou sua decisão em 2015 e há um ano está no seminário. Antes disso, chegou a manter relacionamentos amorosos com três moças, porém nada duradouro. José Renato conta que antes de se apresentar ao seminário, sua mãe teve um sonho com Nossa Senhora. “Foi um aviso pra mim. A santa apareceu para ela dizendo que ia trazer muitas bênçãos para a nossa família”, diz o jovem, que chegou a cursar administração e marketing e é natural do Recife.

“Eu amadureci a ideia e tomei uma decisão acertada já com minha independência financeira. As pessoas, às vezes, dizem que muitos seminaristas procuram a igreja por falta de opção. Comigo foi justamente ao contrário. Tinha carreira em plena ascensão mas optei por servir a Deus”, afirmou José Renato, que pretende seguir a linha mais tradicional dos padres com privações de vida em comunidade e votos de pobreza, com pouco dinheiro.

Foto: Seminário Propedêutico.  Foto: Peu Ricardo/DP
Foto: Seminário Propedêutico. Foto: Peu Ricardo/DP

Aprendizado e uma rica história


O Seminário Propedêutico funciona nas dependências do Convento de Santo Antônio, que também abriga a igreja de mesmo nome, uma construção do ano de 1588 no Sítio Histórico de Igarassu. Tornado templo calvinista no período da ocupação holandesa (1630-1654), é um monumento barroco rico e que hoje abriga o Museu de Arte Sacra, cuja pinacoteca tem a mais importante coleção da fase colonial brasileira. O convento é o terceiro construído no Brasil pelos frades franciscanos e no passado já abrigou até um quartel-general das tropas revolucionárias durante a Revolução Praieira, em 1848, onde era guardado armamento.

A igreja de Santo Antônio tem piso composto de várias covas não identificadas, onde foram enterrados os frades franciscanos. Desde 1939, o conjunto arquitetônico é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No século 17, com o aumento da procura pelo Convento de Santo Antônio, decidiu-se ampliar o espaço. Criou-se então o noviciado, que chegou a abrigar 250 frades que seguiam em missões por todo o Nordeste, do Maranhão ao Sul da Bahia. Nesse período, a estrutura da igreja começou ser enriquecida. Primeiro, com a alha barroca nos altares, cobertos com 220 quilos de ouro de 22 quilates, o forro e a azulejaria e o forro estilo rococó.

Com o aumento das vocações, a área foi ampliada e os religiosos construíram outra parte para abrigar o noviciado onde hoje está a pinacoteca. Mas as leis do Império proibiram que entrassem novos homens e mulheres nos conventos, uma vez que a coroa portuguesa queria que as pessoas se casassem e tivessem filhos para povoar o Brasil. A partir daí, teve início o declínio dos conventos.

Durante 50 anos vieram frades da Alemanha e da França para Igarassu. Com a guerra franco-prussiana não havia estrangeiros disponíveis. No século 19, o local tornou-se casa de férias do Seminário de Olinda e, no século 20, moraram as freiras ursulinas, que foram embora após epidemia de febre amarela. Após esse período, vieram outras freiras para o convento e foi montado o Orfanato Santo Antônio, onde até o ano de 2015 moraram 300 crianças.

Nesta época, a casa encerrou as atividades, pois havia apenas três freiras para cuidar do orfanato. As irmãs foram transferidas para outros conventos e as crianças passaram a viver em regime de externato. Frequentam a escola, têm alimentação, mas voltam para dormir em suas casas. Atualmente, são atendidas 117 crianças.

Bruna Rodrigues Lobo, 20 anos, esta fazendo formação para ser freira Salesiana. Foto: Peu Ricardo/DP
Bruna Rodrigues Lobo, 20 anos, esta fazendo formação para ser freira Salesiana. Foto: Peu Ricardo/DP

Cada vez mais raras, noviças buscam vida plena em Deus


Diferentemente do que acontece no campo das vocações masculinas, o número de mulheres que desejam dedicar-se à carreira religiosa é cada vez menor. Nas últimas décadas, no Brasil, observa-se decréscimo nas vocações. Em 1990, o total de freiras era de 37.380. Em 2014, caiu para 33.105, 11,14% a menos. O resultado preocupa institutos e ordens religiosas femininas, pois algumas correm risco de se extinguirem em menos de um século caso esse ritmo perdure.

Mas, por trás dos números frios, há histórias de vidas que encontraram novo rumo. Bruna Rodrigues Lôbo, 20, saiu de Silvânia, em Goiás, para seguir carreira religiosa, começando por Pernambuco. Há um ano e oito meses está internada no Instituto Maria Auxiliadora, na Várzea. “Senti um chamado quando ainda terminava o ensino médio. Sempre estudei em escola salesiana e me encantei com a espiritualiade das freiras”, resume a jovem, que chegou a ter namoros breves, mas nada de muita importância, como faz questão de definir.

Bruna é a caçula de uma família de classe média da zona rural da cidade goiana de 30 mil habitantes. Seu pai é caminhoneiro e a mãe costureira e dona de uma confecção. Estudou em escola de freiras e cresceu nesse ambiente. Chegou a trabalhar na adolescência como caixa e auxiliar administrativo de um supermercado e depois em um escritório de contabilidade. Aos 17 anos, decidiu
entrar para um convento e se apresentou às irmãs salesianas. “No segundo semestre de 2014, iniciei uma convivência mais intensiva. Estudava pela manhã e, à tarde, participava de atividades pastorais, assistência, retiros e encontros do movimento salesiano”, lembrou.


No centro de formação da Várzea, Bruna estuda teologia, português e italiano, e faz trabalhos pastorais, dando aulas de primeira eucaristia na Paróquia de Nossa Senhora do Rosário e de crisma no Colégio Nazareno, na Várzea. Ambas as instituições pertencem às irmãs salesianas. Atualmente, Bruna cumpre o segundo ano do aspirantado. Quando concluir o postulantado em dois anos, deverá fazer
o noviciado em outra casa da instituição em São Paulo. As Auxiliadoras fazem votos de pobreza, castidade e obediência.

Sacerdotes diocesanos em alta na igreja

Dados relativos a 2015 indicam que o número de clérigos católicos no mundo é de 466.215, com 5.304 bispos, 415.656 sacerdotes e 45.255 diáconos. Houve diminuição de vocações na Europa, com 2.502 sacerdotes a menos em 2015 em relação ao ano anterior, enquanto África e a América tiveram aumentos de 1.133 e 1.104, respectivamente. O total de sacerdotes diocesanos aumentou em 971, chegando a 280.532, com crescimentos na África, América, Ásia e Oceânia. Nesta categoria específica, também houve diminuição na Europa. Os sacerdotes religiosos tiveram aumento total de 64 no mundo, chegando a 134.816 e consolidando a tendência verificada nos últimos anos, que viu crescimento na África e Ásia e diminuição na América, Europa e Oceania.

No Brasil, entre 2010 e 2014, percebeu-se leve aumento na porcentagem de padres religiosos, chegando a 2014 com 5,36% de padres nos institutos religiosos, contra 14,54% de clero diocesano. Esse crescimento de número de padres diocesanos estaria relacionado a questões sociais, uma vez que o clero traz elementos mais atrativos e condizentes com os dias de hoje.

O número de mulheres religiosas cai a cada ano no mundo. Passou de 721.935 em 2010 para 670.320 em 2015, 7,1% menos. No Brasil, a realidade é semelhante. No último censo, divulgado em 2015, foram registradas 33.105 freiras (religiosas professas, noviças e professas egressas), queda de 0,84% em relação a 2010, quando contaram-se 33.386 mulheres religiosas.  

No Brasil, o levantamento é realizado pelo Centro de Estatísticas Religiosas e Investigações Sociais com apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e da Conferência dos Religiosos do Brasil. O trabalho engloba 11.840 paróquias e mil congregações. Os resultados deverão estar disponíveis online no próximo ano.

 

SAIBA MAIS

 

A rotina

Dia a dia no seminário

De Segunda a Sexta

6h30 - Hora de acordar
Orações e missa
Café da manhã
Formação - Aulas de música,
boas maneiras, palestras, confissão, atendimento psicoterápico e reforço de
português
12h - Almoço
12h30 - Saída para
pré-vestibular em Paulista
19h - Chegada ao seminário
Jantar
Orações
Formação - Assistem a filmes, livre para bate-papo, realizam trabalhos
manuais e manutenção na casa
22h - Orações finais

Sábados e domigos

6h30 - Hora de acordar
Orações e missa
Em seguida, vão para as paróquias onde realizam trabalho juntamente com os
padres

Etapas do ordenamento

A formação pode chegar a 12 anos

Ficam por um período de um ano

Durante esse período, de segunda a
sexta-feira, os jovens fazem curso
pré-vestibular em um cursinho,
localizado na cidade de Paulista

Seminário da Várzea

Fazem os estudos de teologia
(quatro anos) e filosofia (três anos)

Depois dessa etapa seguem para estágio pastoral por um período de um ano, no
qual vivenciam o aprendizado do seminário

Nove anos depois, são
ordenados diáconos



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