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Saúde Agosto Dourado incentiva sociedade a apoiar o aleitamento materno Campanha deste ano tem como tema "Amamentar: ninguém pode fazer por você. Todos podem fazer junto com você".

Por: Alice de Souza - Diario de Pernambuco

Por: Wagner Oliveira - Diario de Pernambuco

Publicado em: 06/08/2017 12:00 Atualizado em: 08/08/2017 13:52

Rômula Amorim teve dificuldades em amamentar a primeira filha, buscou apoio e hoje com a segunda filha conseguiu a "pega" perfeita no primeiro dia de vida da criança. Crédito: Shilton Araujo/Esp.DP (Shilton Araujo/Esp.DP)
Rômula Amorim teve dificuldades em amamentar a primeira filha, buscou apoio e hoje com a segunda filha conseguiu a "pega" perfeita no primeiro dia de vida da criança. Crédito: Shilton Araujo/Esp.DP
Agosto ganhou uma nova cor. Dourado, em referência ao alimento considerado padrão ouro para a promoção da saúde infantil. A partir deste ano, o Brasil passa a ter um mês dedicado a discutir e incentivar o aleitamento materno, definido pela lei federal 13.435. O leite proveniente da mãe é a principal força para o futuro saudável dos filhos, é capaz de reduzir em 13% a mortalidade de crianças menores de cinco anos por causas evitáveis e reduz o risco de desenvolvimento de doenças crônicas como diabetes e hipertensão. Amamentar não é apenas uma função materna. É de toda a sociedade.

Durante séculos, o leite materno o alimento padrão dos primeiros meses de vida. Depois, o hábito declinou diante da hospitalização do parto, o avanço da industrialização e o ingresso da mulher no mercado de trabalho (pelo desamparo legal e institucional). “Em meados dos anos de 1920, era costume misturar o leite condensado com água para dar às crianças. Se convencionava falar do produto artificial como ‘leite maternizado’. Foram 60 anos de livre propaganda”, contextualiza a pediatra e coordenadora do Banco de Leite do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), Vilneide Braga Serva.
Em 1974, Pernambuco instituiu a proibição da distribuição de leite artificial em maternidades públicas. Em 1981, um código internacional, do qual o Brasil é signatário, rechaçou as fórmulas infantis. Mas uma geração já havia crescido acreditando que não há problemas em substituir o líquido materno.

Neste ano, o público-alvo da campanha da Semana Mundial de Amamentação é toda a sociedade. “É uma mobilização para garantir o desenvolvimento sustentável e mostrar à sociedade que a amamentação não fica restrita aos serviços de saúde”, ressalta a coordenadora da Política Municipal de Aleitamento do Recife, Lúcia Trajano. “Ela repercute em toda a sociedade, já que há uma redução nos internamentos e adoecimentos e, em consequência, nos custos do sistema de saúde”, acrescenta a doutora em Saúde Pública e membro do Comitê Nacional de Aleitamento Materno, Sonia Venancio.

Duas em cada três mulheres têm dificuldade de amamentar. Razões não faltam para ajudá-las. Até o fim do mês, a Sociedade Brasileira de Pediatria publicará uma por dia em seu site. A administradora Bárbara Lucena, 51 anos, encontrou no nascimento da filha, há 20 anos, a motivação. “Minha filha nasceu prematura e descobri assim a importância do leite. Ajudo mulheres onde posso.”

O apoio fez a diferença para a agricultora Rômula Amorim, 20. “Enfrentei dificuldades com minha primeira filha, não foi fácil. Mas recebi orientação e consegui amamentá-la até os três anos”, conta. A ajuda por ser doando potes de café solúvel ou leite humano para os bancos de leite. Em 2016, Pernambuco captou 8,8 mil litros de mais de 6,5 mil doadoras, que serviram para 11 mil crianças. Entretanto, há outras maneiras de se engajar.


A nutricionista Marcela Aragão amamenta as duas filhas.Crédito:  Peu Ricardo/DP (Peu Ricardo/DP)
A nutricionista Marcela Aragão amamenta as duas filhas.Crédito: Peu Ricardo/DP

Mães que amamentam e também fazem doações

O leite materno é o alimento mais completo para o recém-nascido. Mas, nem todas as mulheres conseguem oferecê-lo aos seus filhos. Por isso, recorrem aos bancos de leite disponíveis no estado. Apesar das doações feitas às unidades de saúde, o estoque desses bancos estão sempre no limite. São mulheres como a nutricionista Marcela Aragão, 32 anos, que ajudam a manter a oferta disponível. Mãe de uma menina de 2 anos e de uma bebê de quatro meses, ambas em amamentação, Marcela ainda contribui com leite para doação ao Hospital Agamenon Magalhães (HAM).

As pequenas Maria Beatriz e Maria Elisa estão crescendo cercadas dos cuidados dos pais Marcela e Carlos Leite. Beatriz já tem dois anos, mas, ainda não deixou de mamar. Ao longo do dia, faz suas refeições normalmente, mas o peito da mãe é procurado várias vezes. “Beatriz foi alimentada apenas com leite materno até os seis meses. Hoje ela já come várias coisas, mas não largou o peite. E como também tenho uma bebê de quatro meses, estou amamentando as duas. Graças a Deus, estou com uma produção boa e ainda sobra leite para doar. Sei que muitas pessoas precisam desse leite para alimentar seus filhos”, declara a nutricionista.
Crédito: Peu Ricardo/DP (Peu Ricardo/DP)
Crédito: Peu Ricardo/DP

Além da boa vontade de doar, as mulheres com alta produção de leite precisam ter alguns cuidados no momento da retirada do leite. É recomendado que o alimento seja guardado apenas em frascos de vidro que tenham bocas largas e tampas de plástico. Caso o frasco não esteja esterelizado, é preciso ferver por 15 minutos, contando o tempo a partir do início da fervura. Também é importante a higiene antes de realizar a coleta. É recomendado que a mulher use uma touca ou lenço para cobrir os cabelos e coloque uma fralda de pano ou máscara sobre o nariz e a boca. As mãos e os braços devem ser lavados com bastante água e sabão. Já as mamas devem ser limpas apenas com água. Use uma toalha limpa para secar as maõs e as mamas.

Assim como Marcela, a funcionária pública Isabelle Valente, 34, segue todas essas recomendações. Ela e o marido Rafael Fortunato são pais do pequeno Joaquim, que fez um mês no último dia 1º. Isabelle conta que além de amamentar o filho tem sobrado leite para doação. O alimento está sendo enviado para a Maternidade do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), na Encruzilhada, Zona Norte do Recife. “Sempre gostei de ajudar as pessoas. No meu aniversário de 18 anos eu fui doar sangue no Hemope e agora estou doando leite. Inclusive, aconselho outras mulheres que puderem a doar também. O processo é muito simples e vai ajudar muitos bebês”, pondera Isabelle.
Superdoadora
A técnica em enfermagem Michele Rafaela Maximino, 35, é mãe de três filhos e sabe bem o que significado da palavra doação. Ela conta que desde a sua primeira gestação, sua produção de leite era grande. No entanto, foi após o nascimento da sua caçula, hoje com 5 anos, que Michele ficou conhecida com a superdoadora de leite.

“Durante um ano e meio, doei 470 litros de leite. Somente do Hospital Jesus Nazareno, em Caruaru, foram 387 litros. Eu amamentava minha filha e ainda sobrava muito leite”, recorda. Além do hospital no Agreste, Michele doou leite para a Maternidade Bandeira Filho, em Afogados, Hospital Agamenon Magalhães, em Casa Amarela, e Imip, nos Coelhos.

Por conta da grande quantidade de leite que produziu e doou, Michele foi notícia em todo país. Ela chegou a ser responsável por 90% do estoque do banco de leite do Hospital Jesus Nazareno. Mas decidiu parar com as doações após ser motivo de chacota em um programa de televisão. Michele moveu um processo contra o apresentador Danilo Gentili, que foi condenado a pagar uma indenização de R$ 200 mil a Michele. Recentemente, a Justiça reduziu o valor para R$ 80 mil. O pagamento ainda não foi realizado.

 

Sônia Delgado e Glauco Rodrigues juntam potes de vidro para doação há seis anos, na igreja que frequentam. Crédito: Peu Ricardo/DP (Peu Ricardo/DP)
Sônia Delgado e Glauco Rodrigues juntam potes de vidro para doação há seis anos, na igreja que frequentam. Crédito: Peu Ricardo/DP

Iniciativas para ajudar podem ser individuais ou empresariais

A mãe e o bebê são peças centrais, mas não são as únicas que movem a engrenagem da amamentação. Pais, amigos, vizinhos, empregadores e até desconhecidos podem atuar de forma ativa para viabilizar o aleitamento materno. A educação e a mobilização social incrementam em até 86% a iniciação oportuna da amamentação e aumentam em 20% o uso exclusivo do leite humano, segundo estudo realizado por nove instituições, incluindo a Universidade Federal de Pelotas (RS). A intervenção pode ocorrer repassando o conhecimento obtido com a própria experiência, ajudando nas tarefas domésticas ou mesmo saindo às ruas para coletar potes de vidro para doar aos bancos de leite.

Há seis anos, a dona de casa Sônia Delgado, 59, decidiu se engajar depois de uma experiência traumática. O neto dela nasceu prematuro e, por isso, a nora precisou estocar o leite. Só que faltavam potes de café solúvel, onde o leite fica armazenado após a pasteurização, na maternidade. “Ficamos preocupados e dali em diante decidimos ajudar. Lançamos uma campanha na igreja. Por ano, doamos entre 200 e 300 potes. Neste ano, batemos a meta e entregamos 825 no banco de leite do Imip”, contou. Os potes podem ser entregues nas unidades da Igreja Presbiteriana do Grande Recife e Mata Sul.


A iniciativa pode ser individual ou empresarial. A lei 11.770/2008 garante incentivos fiscais a empresas que estendam a licença maternidade por mais 60 dias. Já o Novo Marco Legal da Primeira Infância (lei 13.257/2006) prevê prorrogação de cinco para 20 dias o tempo de licença paternidade. Na sexta-feira, o Ministério da Saúde lançou um documento para orientar pais e empresas. No Recife, no último dia 26 de julho, foi sancionada a lei 18.359, que regulamentou a licença paternidade de 20 dias para os servidores públicos municipais.

Outra forma institucional de incentivar o aleitamento materno é criando uma Sala de Apoio à Mulher Trabalhadora que Amamenta, para facilitar o desmame e armazenamento do leite durante o expediente. Em Pernambuco, existem 14, das quais 11 em hospitais e apenas três em empresas. A última criada na unidade empresarial da M. Dias Branco, em maio deste ano. As salas ajudam a prolongar o tempo de amamentação, reduzem as chances de ausência e incrementam a satisfação profissional das mulheres.



Profissionais de saúde são importantes para acabar com os mitos


Toda semana, a nutricionista Tereza Freire entra no próprio carro com destino a casa de uma paciente. Sobe três lances de escada carregando uma caixa térmica e desce, em direção à Maternidade Bandeira Filho, em Afogados. Vai recolher o leite de uma doadora. Essa função não está prevista no cargo dela de coordenadora do Banco de Leite da unidade, que dispõe de motorista, mas é exercida por amor à causa. Tereza é um exemplo do engajamento dos profissionais da rede de apoio para a eficácia do aleitamento materno.
Crédito: Peu Ricardo/DP (Crédito: Peu Ricardo/DP)
Crédito: Peu Ricardo/DP

O estudo Por que investir e o que será necessário para melhorar as práticas da amamentação? mostrou que intervenções combinadas em sistemas de saúde e na comunidade elevam em 2,5 vezes a amamentação exclusiva. Locais onde as mães têm pelo menos sete encontros com pessoas treinadas têm taxas de aleitamento maior. Os profissionais são os responsáveis por disseminar a informação, ajudando a romper as barreiras dos mitos.

O banco de leite é um local que pode ser procurado em caso de dificuldades. “Há conserto para todos os problemas. Se a equipe investe e a mulher embarca, não tem como dar errado”, garante Tereza Freire. Em Pernambuco, existem 10 bancos de leite e quatro postos de coleta. Até o fim do ano, o Hospital da Mulher do Recife deverá inaugurar mais um banco. Há também 13 Hospitais Amigos da Criança, que cumprem os 10 passos para o sucesso do aleitamento. A Maternidade Padre Geraldo Leite Bastos, no Cabo de Santo Agostinho, se organiza para ser o 14º. O aconselhamento nessas unidades aumenta a amamentação exclusiva em 49% e a amamentação em até 66%.

A rede também funciona na atenção básica. A Unidade de Saúde da Família do Cabanga é outro exemplo. Com uma equipe de sete pessoas, eles conseguiram - apostando no acolhimento - aumentar para 63% o índice de aleitamento exclusivo, quase 20 pontos percentuais acima da média nacional. Para a coordenadora estadual de Aleitamento Materno da Secretaria de Saúde do Estado (SES-PE), Andrea Zacchê, abordar a mulher em distintas situações é fundamental. “O nosso desafio, de um estado amplo, é dar suporte igual a todos os municípios. Buscamos oferecer treinamento quatro vezes ao ano para os profissionais, formar uma rede.”


A técnica de enfermagem Isabelle Valente com o filho, logo depois de amamentar. Crédito: Peu Ricardo/DP (Crédito: Peu Ricardo/DP)
A técnica de enfermagem Isabelle Valente com o filho, logo depois de amamentar. Crédito: Peu Ricardo/DP

 

ENTREVISTA

Sonia Venancio, doutora em saúde pública e membro do Comitê Nacional de Aleitamento Materno


Porque a aleitamento materno deve ser estimulado?
A gente sabe que o aleitamento tem muitos benefícios tanto para a criança quanto para a mãe também. Em relação à criança, a gente tem os benefícios a curto prazo como a redução de doenças como diarreias e infecção respiratória, sendo importante para a redução da mortalidade infantil no Brasil. Os estudos agora mostram a importância da amamentação a longo prazo, para toda vida. Por que também há uma redução de doenças crônicas. A gente sabe que a criança amamentada tem menos riscos de ter sobrepeso e obesidade,  que estão ligados a inúmeras doenças cardiovasculares na vida adulta. A amamentação também favorece o vínculo entre a mãe e o bebê e a gente sabe que as crianças amamentadas têm melhor desempenho em testes de desenvolvimento infantil, são mais inteligentes e têm mais chances de ter uma escolaridade maior e maior renda também na vida adulta. Para as crianças são muitas as vantagens, para as mulheres também. Há pesquisas que mostram que a amamentação tem um impacto na redução de alguns cânceres no espaçamento das gestações. A amamentação não é só boa para a criança e para a mãe. Ela é boa para toda a sociedade, pois as crianças adoecem menos, internam menos e isso é uma redução grande nos custos do sistema de saúde.

Como é que o Brasil está hoje em relação à política de aleitamento? A gente pode se considerar um país avançado?
Muito avançado. O Brasil é considerado um exemplo para outros países em relação às políticas de aleitamento. A gente tem desde 1981 um programa nacional de incentivo ao aleitamento materno. Isso começou desde a década de 1980 e hoje a gente tem várias ações que são implementadas no sistema de saúde. Ações que protegem, que promovem e que visam apoiar as mulheres que amamentam. Eu posso citar vários exemplos de ações como a rede de banco de leite humano, que é a maior rede de banco de leite humano do mundo, com mais de 200 unidades; os hospitais amigos da criança, que promovem os dez passos para o sucesso da amamentação e também as boas práticas de atenção ao parto; a Estratégia Amamenta e Alimenta Brasil, que é uma estratégia de promoção da amamentação na atenção básica, onde as equipes desde o pré-natal incentivam a amamentação e depois que o bebê nasce continuam esse apoio às mulheres. Temos as leis que protegem a amamentação; a licença maternidade de 120 dias; e a iniciativa de adesão das empresas que podem estender a licença por até 180 dias, para favorecer a amamentação exclusiva. Temos também todos os anos a semana de amamentação, que é um período de mobilização comemorado em mais de 150 países, onde a gente reafirma o compromisso do Brasil para proteger, promover e apoiar a amamentação.

Esse compromisso envolve apenas o poder público?
A campanha deste ano convoca toda a sociedade para apoiar a amamentação. A gente está fazendo um convite porque sabemos que a mulher que amamenta precisa muito de apoio. Só ela pode amamentar, é isso que a campanha fala, mas todos podem amamentar com ela. Então, a família, as pessoas mais próximas, a rede de apoio, os profissionais de saúde, educação, os empresários, etc. Tem uma iniciativa do Ministério da Saúde voltada à mulher trabalhadora, que são as salas de apoio à amamentação nas empresas. Se os empresários entenderem a importância da amamentação, eles também vão criar salas de apoio no ambiente de trabalho das mulheres.


Encontre um banco de leite perto de você!

Agamenon Magalhães (3184.1690) Hospital Barão de Lucena (3184.6552)
Hospital das Clínicas (2126.3831)
Centro Integrado de Saúde Amauri de Medeiros (Cisam – 3182.7720)
Maternidade Bandeira Filho (3355.2235)
Instituto de Medicina Integral Prof. Fernando Figueira (Imip – 2122.4719 / 4103)
Hospital De Ávila (3117.5548)
Hospital Jesus Nazareno (Caruaru - 3719.9338)
Hospital Dom Malan (Petrolina – 87 3202.7000)

Hospital Português (2416.1122)

Postos de coleta
Maternidade Arnaldo Marques (3355.1815)
Maternidade Barros Lima (3355.2170)
Uniame (3302.6261)
Hospital Memorial Guararapes (3461.5300)



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