Políticas ambientais O caminho para cortar taxas de poluição A redução dos gases de efeito estufa passa pela mudança nos deslocamentos, mas é preciso fazer o ciclista se sentir seguro

Por: Tânia Passos - Diário de Pernambuco

Publicado em: 21/05/2017 13:58 Atualizado em: 21/05/2017 14:34

Foto: Peu Ricardo/DP
Foto: Peu Ricardo/DP

Quando o paisagista alemão Christoph de Holanda Jung, 34 anos, adotou, há cinco anos, a bicicleta como meio de transporte no Recife, o uso ainda não era “moda” na cidade. Ele lembra que os clientes o olhavam com certo preconceito. “Parecia que era um transporte de pobre, mas hoje esses mesmos clientes passaram a ter admiração”, revelou. Morador do bairro das Graças, ele gasta em média 12 minutos para percorrer os quatro quilômetros de sua casa até o trabalho no Bairro do Recife e hoje nem reclama mais do calor. “Eu levava em conta a questão econômica, pois vir de carro demanda custo com gasolina e estacionamento, e também tempo. Eu chego mais rápido de bicicleta. Mas também acho bacana colaborar com o meio ambiente e, como pedalo rápido, eu sinto mais a ventilação e o corpo se acostuma. Hoje, suo menos”, ressaltou.

Uma cidade limpa sobre duas rodas

O desafio de se criar novos hábitos

Christoph tem carro, mas só o usa quando está com a família. Ele hoje se sente seguro de andar de bicicleta, mesmo com o trânsito agressivo e pouca infraestrutura para o ciclista. Um cenário que dificilmente atrairá quem está acostumado com o conforto do carro. “Eu aprendi a me comportar no trânsito e hoje me sinto seguro, mas não é fácil para quem não tem costume. É preciso investir mais na infraestrutura das vias e as empresas deveriam oferecer bicicletários e banheiros para os que ajudam a deixar o ar mais respirável”, apontou. 

Os deslocamentos diários de casa para o trabalho demandam, em princípio, três necessidades básicas do usuário: tempo, segurança e conforto. Dificilmente alguém vai se lembrar da qualidade do ar que respira, pelo menos não agora. Mas é bom começar a se preocupar, e há muita gente trabalhando com essa nova visão a partir do Plano de Redução de Gases de Efeito Estufa do Recife, também conhecido como Plano de Baixo Carbono, que tem a bicicleta como um elemento chave. Mais do que melhoria da mobilidade ela, agora, é uma das ferramentas para a redução dos gases. No último inventário, que ainda está sendo concluído pela Secretaria de Desenvolvimento Sustentabilidade e Meio Ambiente do Recife, o transporte motorizado é responsável por 55,1% da poluição do ar na cidade.
A Pesquisa de origem e destino divulgada neste ano pelo Instituto da Cidade Pelópidas da Silveira (ICPS) revelou que quatro em cada cem recifenses usam a bicicleta para chegar ao trabalho e ao estudo. A proporção, que pode parecer extremamente baixa, revela um universo que até então sequer entrava nas pesquisas. E esses ciclistas não integram ainda os registros quantitativos de medição dos créditos de carbono. Ou seja, o quanto eles estão contribuindo, sem saber, para reduzir ou não aumentar ainda mais os níveis de gases. Essa conta começa a aparecer do programa Bike PE, implantado há três anos, que dispõe de 80 estações, sendo 70 no Recife e cinco em Olinda e Jaboatão, cada uma. Em quatro anos foram 423 créditos de carbono, ou 423 toneladas a menos que gases nocivos à saúde do ser humano e ao meio ambiente.

“A bicicleta tem um papel fundamental para a redução das emissões de carbono do Recife. Esse papel se dá muito pela transformação da mudança de paradigma das vias públicas da cidade. Percebe-se que para atingirmos as metas é necessário fazer uma reestruturação dessas vias com a mudança de prioridade para pedestres e ciclistas”, aponta Leta Vieira, chefe do setor de Baixo Carbono da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Recife.

Integração com metrô também é política pública

A integração da bicicleta com outros meios de transporte também é uma das políticas públicas que vão além do sistema cicloviário. No Recife, desde 2009, o ciclista pode entrar no metrô com a bicicleta das 20h30 às 23h em todas as estações. Aos sábados, a partir das 14h e aos domingos o dia todo. A CBTU do Recife não dispõe, no entanto, de dados da demanda de ciclistas. Para ter acesso ao metrô, eles pagam a passagem nas bilheterias e entram na plataforma pelo acesso dos cadeirantes.

Para seguir viagem, eles devem usar somente o primeiro vagão do metrô, próximo ao maquinista. A CBTU atendeu a um pedido da Ameciclo e, mesmo com a limitação dos horários, considerou a medida positiva. A expectativa da associação é conseguir um período de livre circulação no horário da manhã.

Já o Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano inaugurou no ano passado a primeira linha da cidade que permite a entrada da bicicleta dentro do ônibus. A 2467- Chã de Cruz/TI Camaragibe prevê embarque de ciclistas aos domingos. Nenhuma outra oferece a opção.
Um exemplo ainda distante de Copenhague, cidade de 1,9 milhão de habitantes que é capital da Dinamarcam . Lá, metrôs e trens oferecem espaço para os ciclistas viajarem de ônibus sem limite de dia ou horário. As estações ferroviárias dispõem ainda de rampa para facilitar o acesso da descida e subida da bicicleta.

Muito além das rotas cicláveis

Embora a bicicleta tenha passado a fazer parte das políticas públicas, o déficit de infraestrutura ainda é grande. O sistema cicloviário do Recife está longe de atender às necessidades de deslocamentos. A cidade tem 41,6km de rotas cicláveis e elas não são conectadas. A interligação é uma das bandeiras da Ameciclo, associação de ciclistas que mede diariamente os atraso no cumprimento do Plano Diretor Cicloviário (PDC).

Atualmente, o Recife já deveria ter 142 km de rotas cicláveis. “É preciso trabalhar com a ideia de ligar todos os eixos da cidade. Essa meta ainda não foi cumprida. O Parque Capibaribe está incluso nessa lógica, partindo dos eixos dos rios para as centralidades. É o conceito de via parque que vai trazer muitos benefícios para a cidade”, apontou o cicloativista Caio Scheidegger.

Foi pensando no conforto e na segurança do ciclista que o urbanista César Barros idealizou em 2012 as ciclofrescas (ciclovias sombreadas). Ele chegou a fazer um plano piloto no bairro de Casa Amarela, mas a ideia não avançou por falta de apoio. Dessa vez, o município está incluindo a arborização das ciclovias como política pública. O plano de paisagismo da cidade estabelece desde o tipo de árvore, altura, localização, espaço disponível para o pedestre e algumas características que não podem faltar: elas precisam ser nativas, terem um crescimento rápido, não dar frutos ou espinhos e ter um tronco único.
 
Outro detalhe é que o sistema de iluminação passa a se adequar à árvore. “Cada via tem uma característica própria, por isso existe um manual paisagístico para ser seguido pelos projetistas”, explicou Leta Viera, da Secretaria de Desenvolvimento Sustentabilidade e Meio Ambiente do Recife.

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