50 anos da RCC no mundo Vidas que ganham novo significado Comunidades ligadas à Renovação Carismática acolhem pessoas em necessidade e lhes dão propósito

Por: Jailson da Paz

Publicado em: 25/03/2017 17:14 Atualizado em: 07/04/2017 18:18

Quinze internamentos antes do caminho definitivo: Tiago entrou na Boa Nova após mais de uma década foi de idas e vindas de instituições voltadas ao tratamento de droga. Ele superou a etapa de desintoxicação e hoje faz a preparação missionária. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP
Quinze internamentos antes do caminho definitivo: Tiago entrou na Boa Nova após mais de uma década foi de idas e vindas de instituições voltadas ao tratamento de droga. Ele superou a etapa de desintoxicação e hoje faz a preparação missionária. Foto: Shilton Araújo/Esp.DP
Tiago Carvalho de Oliveira descreve sua trajetória até ancorar na Comunidade Boa Nova, em Jaboatão dos Guararapes, com uma riqueza de detalhes inquietante. Dos 36 anos, mais de uma década foi de entradas e saídas em instituições voltadas ao tratamento de drogas. Quinze internações ao todo. A última ele classifica de “acolhimento”, palavra vinda da experiência da Boa Nova, uma das novas comunidades. Denominação essa surgida na Igreja Católica, a partir da década de 1970, e que hoje reúne cerca de três mil comunidades em todo o mundo, sendo mais de um quinto dessas do Brasil e a espiritualidade da Renovação Carismática Católica (RCC) a principal fonte inspiradora.

A Boa Nova bebeu na fonte da RCC. E a prática desta “comunidade de vida” nutre os passos de Tiago. Recebido na casa de acolhimento de Pojuca, na Bahia, ele chegou na unidade de Jaboatão dos Guararapes em maio de 2016. Já superou a etapa a que se propôs passar na comunidade, cerca de um ano, para desintoxicação e mudança vida e hoje experimenta a fase de preparação missionária. Recuperou o peso e pretende retribuir o que afirma ter recebido de melhor: “a redescoberta do valor da vida”.

A redescoberta, segundo ele, apenas vem quando a pessoa envolvida pela droga tem “um verdadeiro querer mudar”, o que ocorreu, quando na rua, sem comer e sem coragem de pedir ajuda à família, uma tia que estava a sua procura o encontrou. A força do abraço ajudou a resgatá-lo de um mundo que Tiago afirma ser, talvez, o passo mais próximo da destruição total. Era consumidor de crack.

Na casa de Jaboatão, as regras para o resgate social e espiritual dos acolhidos seguem princípios adotados pela Boa Nova em suas 11 casas no Nordeste. Tiago está atento a elas e procura vivê-las junto aos mais de dez homens que ali se abrigam com intuito de se livrar das drogas. Todos têm ao lado missionários consagrados, que são leigos. Leigos como Ana Nery Oliveira Cardoso, formada em turismo e que deixou tudo para se dedicar à Boa Nova.

“As portas daqui estão sempre abertas. A ninguém é proibido a deixar a casa”, explica Ana, coordenadora da Casa de Formação e Triagem da Boa Nova, nos Coelhos. Aos abrigados, completa, pedimos que caso decidam sair façam o mesmo de quando entraram: avisem. Há saídas, mas permanências são muitas. Ao ficarem, os acolhidos sabem que viverão por um ano com o mesmo enxoval com que entrou e levarão uma vida fundamentada no tripé oração/trabalho/vida fraterna. Em outras palavras, com hora para se rezar, realizar tarefas e experimentar a convivência.

Há outras novas comunidades em Pernambuco. Entre elas, a Obra de Maria, com a casa-mãe em São Lourenço da Mata, e a Kairós, em Taquaritinga do Norte. A primeira se dedica basicamente aos jovens, desenvolvendo trabalhos voltados a setores como educação profissional, creches e dependentes químicos, enquanto a Kairós atua principalmente com os dependentes do álcool. “As obras sociais das novas comunidades são os gestos concretos da Renovação Carismática Católica”, afirma Gilberto Gomes Barbosa, presidente da Fraternidade Internacional das Novas Comunidades, com sede no Vaticano, e fundador da Obra de Maria. E os gestos concretos, acrescentou Gilberto, é uma exigência evangélica. A atuação da Fraternidade Internacional se dá nos cinco continentes, reunindo atualmente mais de três novas comunidades.

Ofícios garantem futuro profissional a participantes

Poucos conhecem Tales por nome de batismo. Por onde anda na casa-mãe da Obra de Maria, em São Lourenço da Mata, ouve-se “Tales”, apelido-herança do período em que ele se envolveu com o mundo do crime na Mata Norte do estado. Adolescente, sujo e sem comer há dois dias, conheceu Gilberto Barbosa. Perguntado se queria ajuda, respondeu positivamente. Gilberto abriu a porta do carro, ligou o ar-condicionado e seguiram para um restaurante. Na hora de montar o prato, em meio ao que era um banquete para um faminto, Tales teve olhos apenas para “feijão e fuba”. Saciada a fome, deu-se conta da importância do verdadeiro nome: Adriano Alves Ferreira. Tinha 17 anos. Hoje, aos 27, integra a lista dos milhares de beneficiados pelos projetos sociais da Obra de Maria.

Em São Lourenço, Tales aprendeu ofícios. Ajuda na capinação. Trabalha na marcenaria. A marcenaria é uma das joias da coroa da comunidade. Móveis antigos e modernos, sempre precisando de reformas, são recebidos como doação. Os primeiros vieram de famílias de engenhos na área canavieira. De famílias que viajaram através do braço turístico da Obra de Maria, uma agência dedicada a roteiros religiosos. Depois dos engenhos, os órgãos públicos fizeram o mesmo. Às vezes, recebe-se dois caminhões de mobiliário de um mesmo lugar. Tudo, ao fim, ganha ar de novo. “Aprendi essa arte com o meu pai e ensino com gosto aos meninos”, disse o mestre João Batista de Azevedo, 56.

Os projetos sociais da Obra de Maria vão além dos limites da casa-mãe. A preocupação maior é alcançar os jovens, para os quais se estruturou casas de reabilitação das drogas e para se abrigar órfãos de pais mortos em guerras, no Brasil e na África, contudo se dedica ações a crianças. Na Região Metropolitana, a comunidade gerencia três creches. Uma quarta foi aberta na África, continente em que se gerencia um hospital. “É também com a arte e com o esporte que trabalhamos no campo da prevenção a drogas”, explicou Gilberto Barbosa.

MAIS NOTÍCIAS DO CANAL