Direitos Humanos
Intolerância Religiosa: Entrevista com o coordenador do Observatório das Religiões no Recife
Por: Marcionila Teixeira
Publicado em: 17/10/2016 18:02 Atualizado em: 17/10/2016 18:09
Entrevista: Gilbraz Aragão
Católico, professor da Unicap, coordenador do Observatório das Religiões no Recife
Como proceder em casos de intolerância religiosa?
Para uma sociedade crescer, mesmo economicamente, o governo deve controlar o proselitismo religioso e regrar o uso de símbolos religiosos em espaços públicos (além de não submeter questões legais, como a educação dos fatos religiosos, a interesses de alguma religião privilegiada). O direito de criticar dogmas e crenças, de quaisquer tradições religiosas ou convicções filosóficas, é assegurado como liberdade de expressão pela nossa República, mas atitudes agressivas, ofensas e tratamento diferenciado a alguém em função de crença ou de não ter religião são crimes inafiançáveis e imprescritíveis. Qualquer denúncia pode ser encaminhada pelo Disque 100. Mas, além de legislação e políticas, precisamos mesmo é de reeducação. Somente a escola pode terapeutizar a vivência da religião e as relações entre as religiões. Mas a escola como lugar de aprendizagens críticas e transdisciplinares dos conhecimentos espirituais, enquanto patrimônio cultural da humanidade. Cabe à comunidade educativa refletir sobre as diversas experiências religiosas que a cercam, analisar o papel dos movimentos e tradições religiosas na estruturação e manutenção das culturas, rompendo com relações de poder que encobrem e naturalizam discriminações e preconceitos. Cabe à escola refletir sobre o fenômeno humano de abertura para a transcendência, em busca de interpretações mais universais e significados mais profundos para o que é experimentado como sagrado em cada cultura. A nova Base Nacional Curricular Comum aponta nessa direção para o Ensino Religioso, o que é um avanço esperançoso na história do nosso país.
Como percebe historicamente a intolerância religiosa no Brasil?
Crescem os embates políticos entre os cidadãos brasileiros, cresce a agressividade contra migrantes. A comunidade LGBT é sempre mais hostilizada e os negros e as suas religiosidades são discriminados cada vez mais no Brasil. As comunicações em rede facilitam a ampliação dos nossos preconceitos históricos, que muitas vezes se combinam. As denúncias de discriminação religiosa recebidas pelo Disque 100 atingiram no ano de 2015 seu maior número desde 2011, quando o serviço passou a receber esse tipo de denúncia. A maioria dos fatos envolve o Povo de Santo das religiões afro-indígenas-brasileiras, com cultos de imprecações cristãs contra os seus terreiros e agressões aos seus símbolos e aos seus membros. Não é à toa que o 21 de janeiro, desde o ano 2007, é Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, justo por causa da morte de Mãe Gilda, do candomblé da Bahia, vítima de agressões por cristãos. Pessoas evangélicas, muçulmanas e ciganas também foram agredidas, mas a intolerância religiosa no Brasil é muito racista e classista, refletindo uma negação da distribuição equânime dos bens comuns: valores cristãos são usurpados para se matar deuses e deusas dos índios e negros – e depois tirar suas terras ou desarticular suas lutas por direitos e dignidade. Em Pernambuco, tivemos vários terreiros apedrejados e incendiados, além de muita violência simbólica. No dia 20 de novembro de 2014, justo quando se comemorou o Dia da Consciência Negra, apareceu degolada no salão nobre da Faculdade de Direito do Recife uma imagem de Iansã, divindade do candomblé (que recriou em nosso país a religião dos africanos trazidos escravos).
A sociedade hoje é mais intolerante que ontem?
Em verdade, há um crescente pluralismo religioso entre nós, onde a democracia e a laicidade criam espaço para o ressurgimento de tradições místicas e a concorrência entre grupos de todas as partes do mundo que oferecem caminhos simbólicos e espirituais para a vida das pessoas – só que em áreas pouco cobertas pelo estado (ou onde o estado está aparelhado por igrejas) existem lideranças que simplesmente eliminam os concorrentes pela força. Frente à nossa pluralidade de religiões, levanta-se a intolerância, sobretudo de um movimento fundamentalista que cresce nas novas igrejas cristãs por aqui, do mesmo modo que entre muçulmanos que migram do Oriente para o Ocidente, em que o desejo de grupos periféricos pelo consumo da cultura moderna vai se transmudando em ódio, aversão à ciência e à liberdade, perseguição de religiosidades e interpretações diferentes. O termo fundamentalismo vem dos protestantes norte-americanos, os quais no começo do século 20 criaram um movimento político-teológico para combater os cristãos liberais, que praticam uma interpretação da Bíblia informada cientificamente e aceitam as causas modernas do feminismo e do socialismo. Esse fundamentalismo tem respaldado entre nós um conservadorismo moral, de fundo aparentemente evangélico, usado para acobertar um projeto autoritário de liberalismo econômico e exploração popular, por políticos que transformam a tribuna em púlpito e conclamam desfiles das suas legiões contra os demônios que se escondem, supostamente, nas outras religiões.
Católico, professor da Unicap, coordenador do Observatório das Religiões no Recife
Como proceder em casos de intolerância religiosa?
Para uma sociedade crescer, mesmo economicamente, o governo deve controlar o proselitismo religioso e regrar o uso de símbolos religiosos em espaços públicos (além de não submeter questões legais, como a educação dos fatos religiosos, a interesses de alguma religião privilegiada). O direito de criticar dogmas e crenças, de quaisquer tradições religiosas ou convicções filosóficas, é assegurado como liberdade de expressão pela nossa República, mas atitudes agressivas, ofensas e tratamento diferenciado a alguém em função de crença ou de não ter religião são crimes inafiançáveis e imprescritíveis. Qualquer denúncia pode ser encaminhada pelo Disque 100. Mas, além de legislação e políticas, precisamos mesmo é de reeducação. Somente a escola pode terapeutizar a vivência da religião e as relações entre as religiões. Mas a escola como lugar de aprendizagens críticas e transdisciplinares dos conhecimentos espirituais, enquanto patrimônio cultural da humanidade. Cabe à comunidade educativa refletir sobre as diversas experiências religiosas que a cercam, analisar o papel dos movimentos e tradições religiosas na estruturação e manutenção das culturas, rompendo com relações de poder que encobrem e naturalizam discriminações e preconceitos. Cabe à escola refletir sobre o fenômeno humano de abertura para a transcendência, em busca de interpretações mais universais e significados mais profundos para o que é experimentado como sagrado em cada cultura. A nova Base Nacional Curricular Comum aponta nessa direção para o Ensino Religioso, o que é um avanço esperançoso na história do nosso país.
Como percebe historicamente a intolerância religiosa no Brasil?
Crescem os embates políticos entre os cidadãos brasileiros, cresce a agressividade contra migrantes. A comunidade LGBT é sempre mais hostilizada e os negros e as suas religiosidades são discriminados cada vez mais no Brasil. As comunicações em rede facilitam a ampliação dos nossos preconceitos históricos, que muitas vezes se combinam. As denúncias de discriminação religiosa recebidas pelo Disque 100 atingiram no ano de 2015 seu maior número desde 2011, quando o serviço passou a receber esse tipo de denúncia. A maioria dos fatos envolve o Povo de Santo das religiões afro-indígenas-brasileiras, com cultos de imprecações cristãs contra os seus terreiros e agressões aos seus símbolos e aos seus membros. Não é à toa que o 21 de janeiro, desde o ano 2007, é Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, justo por causa da morte de Mãe Gilda, do candomblé da Bahia, vítima de agressões por cristãos. Pessoas evangélicas, muçulmanas e ciganas também foram agredidas, mas a intolerância religiosa no Brasil é muito racista e classista, refletindo uma negação da distribuição equânime dos bens comuns: valores cristãos são usurpados para se matar deuses e deusas dos índios e negros – e depois tirar suas terras ou desarticular suas lutas por direitos e dignidade. Em Pernambuco, tivemos vários terreiros apedrejados e incendiados, além de muita violência simbólica. No dia 20 de novembro de 2014, justo quando se comemorou o Dia da Consciência Negra, apareceu degolada no salão nobre da Faculdade de Direito do Recife uma imagem de Iansã, divindade do candomblé (que recriou em nosso país a religião dos africanos trazidos escravos).
A sociedade hoje é mais intolerante que ontem?
Em verdade, há um crescente pluralismo religioso entre nós, onde a democracia e a laicidade criam espaço para o ressurgimento de tradições místicas e a concorrência entre grupos de todas as partes do mundo que oferecem caminhos simbólicos e espirituais para a vida das pessoas – só que em áreas pouco cobertas pelo estado (ou onde o estado está aparelhado por igrejas) existem lideranças que simplesmente eliminam os concorrentes pela força. Frente à nossa pluralidade de religiões, levanta-se a intolerância, sobretudo de um movimento fundamentalista que cresce nas novas igrejas cristãs por aqui, do mesmo modo que entre muçulmanos que migram do Oriente para o Ocidente, em que o desejo de grupos periféricos pelo consumo da cultura moderna vai se transmudando em ódio, aversão à ciência e à liberdade, perseguição de religiosidades e interpretações diferentes. O termo fundamentalismo vem dos protestantes norte-americanos, os quais no começo do século 20 criaram um movimento político-teológico para combater os cristãos liberais, que praticam uma interpretação da Bíblia informada cientificamente e aceitam as causas modernas do feminismo e do socialismo. Esse fundamentalismo tem respaldado entre nós um conservadorismo moral, de fundo aparentemente evangélico, usado para acobertar um projeto autoritário de liberalismo econômico e exploração popular, por políticos que transformam a tribuna em púlpito e conclamam desfiles das suas legiões contra os demônios que se escondem, supostamente, nas outras religiões.
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