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Boas ações Exército do bem contra violência Projetos sociais que sobrevivem de doações ajudam a evitar que crianças e adolescentes tenham contato com as drogas e a criminalidade

Por: Wagner Oliveira - Diario de Pernambuco

Publicado em: 29/08/2015 16:00 Atualizado em: 31/08/2015 11:41

O mestre Caica mantém o projeto Taekwondo Solidário, no Jordão Alto. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A. Press
O mestre Caica mantém o projeto Taekwondo Solidário, no Jordão Alto. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A. Press
Na contramão da escalada da violência no estado, onde 2.439 homicídios foram registrados do início do ano até o último dia 25, um exército de invisíveis luta com as armas que tem para tentar mudar esse cenário. Projetos sociais que sobrevivem de doações e da boa vontade de quem está no seu comando dão exemplos de que é possível promover mudanças. As ações estão evitando que crianças e adolescentes tenham contato com as drogas e a criminalidade, oferecendo a eles espaços onde podem brincar, estudar e praticar esportes.

Segundo o último Mapa da Violência publicado no final do mês de junho, os homicídios representam quase metade das causas de morte entre jovens de 16 e 17 anos.
O estudo elaborado pelo sociólogo Julio Jacobo revelou que 46% dos jovens mortos nessa faixa de idade foram assassinados. O Mapa da Violência mostrou ainda que 93% das vítimas são homens. Outros perfis que se destacam são de escolaridade e cor. Homens negros morrem três vezes mais que os homens brancos, e as vítimas com baixa escolaridade também são maioria.

Além disso, a arma de fogo foi usada em 81,9% dos homicídios de adolescentes de 16 anos e em 84,1% dos homicídios na faixa de 17 anos. “Precisamos fazer alguma coisa para evitar que esses meninos e meninas não entrem na criminalidade. Todo o esforço é válido para dar um futuro melhor aos nosso jovens”, ponderou o serralheiro Josiel Trajano, o mestre Caica, que mantém o Projeto Social Taekwondo Solidário, no Jordão Alto, Zona Sul do Recife.

Em 2013, o Brasil registrou 10.136 assassinatos de jovens entre 11 e 19 anos, em média 28 mortos por dia, o que equivale a 3,5 chacinas da Candelária praticadas diariamente, de acordo com Júlio Jacobo, que é coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). A chacina da Candelária ocorreu em 23 de julho de 1993, deixando mortos oito jovens de 11 a 19 anos, em frente à Igreja da Candelária, no centro do Rio. Os autores foram PMs e as vítimas eram moradores de rua que frequentavam as imediações da igreja e dormiam no local.

ONG Cores do Amanhã, no Totó, trabalha com crianças e jovens em grupos de capoeira e grafitagem. Foto: Roberto Ramos/DP.D.A Press
ONG Cores do Amanhã, no Totó, trabalha com crianças e jovens em grupos de capoeira e grafitagem. Foto: Roberto Ramos/DP.D.A Press
“Os índices de violência nesta faixa etária [11 a 19 anos] cresceram drasticamente ao longo desses anos. Entre 1993 e 2013, praticamente quadruplicaram os níveis de violência. A chacina da Candelária foi a ponta de um iceberg que já existia no Brasil”, disse o sociólogo, ao participar da abertura da audiência pública Jovens Vítimas da Violência e Justiça Reparadora para os Familiares, na sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio, no final do mês passado. Segundo ele, o perfil das vítimas jovens que sofrem violência é de cor negra, pobre e pouco escolarizado e os índices vêm aumentando a cada ano.

A grafiteira Jouse Barata, coordenadora da ONG Cores do Amanhã, no bairro do Totó, há sete anos desenvolve um trabalho com adolescentes e jovens do bairro e das proximidades. Ela conta que o projeto tem como foco impedir que os jovens tenham contato com o mundo do crime. “Aqui temos várias atividades, a capoeira é apenas uma delas. Nosso objetivo é evitar que os jovens entrem na criminalidade. O número de pessoas que participam das aulas é tão grande que às vezes as rodas de capoeira são feitas no meio da rua”, ressaltou Jouse. Doações para a ONG podem ser acertadas pelo número 98876-3593.

A esperança que nasce dos livros


Cleonice (C) mantém a biblioteca com doações. Espaço vai mudar de endereço em breve para sede própria. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A. Press
Cleonice (C) mantém a biblioteca com doações. Espaço vai mudar de endereço em breve para sede própria. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A. Press
Nos becos e ruas da comunidade Caranguejo-Tabaires, no bairro da Ilha do Retiro, Cleonice da Silva é cumprimentada por todo mundo. Preocupada com o futuro das crianças e adolescentes do lugar onde mora desde pequena, Cleonice resolveu montar um espaço que pudesse oferecer opções de leitura para os moradores da comunidade. Há nove anos a Biblioteca Caranguejo-Tabaiares tem conseguido despertar o gosto da leitura em muitos estudantes. “Eu adoro ler os livros que têm na biblioteca. Aproveito a oportunidade dada pelo projeto porque assim ficamos menos tempo na rua”, destacou a estudante Ana Karolina da Silva Santos, 15 anos.

Aos 12 anos, Kaylane Larissa Pereira já sabe que quer ser dentista quando crescer. Desde os 7 anos, a estudante passou a frequentar a biblioteca. “Eu gosto de ler os gibis da Mônica e os livros de romance. Quando levo um livro para minha casa, geralmente termino de ler em uma semana. Adoro estar na biblioteca”, confidenciou a estudante. A biblioteca que sobrevive de doações funciona de segunda a sexta-feira, das 9h às 11h30 e das 13h às 16h30. O espaço fica na Rua Campo Tabaires, 203.

“Quando tivemos a ideia de abrir a biblioteca era uma maneira de fazer os meninos e meninos da comunidade passarem a ter mais interesse pela leitura. É também uma forma de ocupar as crianças e os jovens para que eles não tenham tempo de ficar pensando em fazer besteiras”, ressaltou Cleonice, que coordena o trabalho junto com o amigo Reginaldo Pereira. O telefone da biblioteca é o (81) 3077.2535.

Autoestima vinda do Alto

Conhecido como um dos altos mais culturais do Recife, o Alto José do Pinho, na Zona Norte, é palco de um projeto que tem conseguido elevar a autoestima de muitos estudantes da comunidade. O Centro Social Dom João Costa, mantido com doações e com o apoio do Colégio Damas realiza programas e projetos de assistência socioeducacional como oficinas, cursos profissionalizantes, campeonatos esportivos, seminários e palestras. “Além de ofecerer diversas atividades aos estudantes que estão aqui, o Centro Social também participa diretamente da vida desses jovens com apoio psicológico e acompanhamento familiar quando é necessário”, pontuou o gerente de projetos sociais, Renato Carneiro.

Davidson da Silva aprendeu a tocar trompete. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A Pres
Davidson da Silva aprendeu a tocar trompete. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A Pres
Davidson Anthony da Silva, 11 anos, aprendeu a tocar trompete com as aulas e ensaios realizados no centro. O garoto contou que pretende ser médico, mas enquanto isso disse estar gostando das aulas de música. “Eu estudo pela manhã e no horário da tarde venho para o centro. Aqui eu fico longe das drogas e das coisas erradas. Acho muito legal participar dos ensaios da orquestra e uma das músicas que eu mais gosto de tocar é A padroeira”, contou o garoto.

Ivanilson dos Santos Azevedo, 14, conheceu o Centro Social através do convite de um primo e hoje está tocando sax-tenor. “O tempo que eu passo aqui no ensaio da orquestra é muito importante para mim. É a melhor hora do meu dia. Esse projeto ajuda as crianças e adolescentes como eu a não estar envolvido com coisas erradas”, destacou o estudante. O telefone do Centro para quem tiver interesse em ajudar é o 3441-2726.

As vidas que se reiventam no esporte

Rafaela Cunha está gostando do projeto. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A Press
Rafaela Cunha está gostando do projeto. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A Press
É na quadra descoberta do Jordão Alto, na Zona Sul do Recife, que um grupo de crianças e adolescentes encontra espaço e incentivo para aprender taekwondo. O Projeto Social Taekwondo Solidário, coordenado pelo serralheiro Josiel Trajano, conhecido como mestre Caica, tem atraído meninos e meninas que querem aprender uma arte macial e ficar longe da criminalidade. “Minha preocupação é não deixar eles desocupados para não ter tempo de pensar em drogas ou ser tentado ao mundo do crime. Por isso damos orientações e cobramos que estejam frequentado a escola e com notas boas”, ponderou mestre Caica.

Rafaela Cunha, 15 anos, está no projeto há um ano e disse está aprendendo mais que a lutar taekwondo. “Não sabia nada de taekwondo, aprendi tudo aqui. Além disso, o mestre aconselha a gente a não ficar perto das drogas”, contou. A dona de casa Maria Gorete da Silva, 53, acompanha o filho no José Kleiton Bezerra, 14, no treino. “Gosto do trabalho do professor porque ele ensina as coisas boas aos meninos e também cobra que eles façam a coisa certa”, destacou.

Antônio Celso, 6 anos, e Emanoel Rodrigues, 8, também treinam taekwondo. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A Press
Antônio Celso, 6 anos, e Emanoel Rodrigues, 8, também treinam taekwondo. Foto: Rafael Martins/ Esp. DP/ D.A Press
Elisângela Oliveira do Nascimento, 31, vem do bairro de Prazeres, em Jaboatão dos Guararapes, para trazer o filho Emanoel Rodrigues Santos, 8, para o treino. “Ele é especial e melhorou muito o desenvolvimento depois que começou aqui no taekwondo. Como não tinha quem viesse com ele, acabei trancando a faculdade que estava fazendo para acompanhá-lo. Em outra oportunidade eu volto aos estudos. Emanoel aprendeu muito aqui no grupo”, ressaltou Elisângela. Para entrar em contato com o mestre Caica e ajudar com doações para o projeto basta telefonar para 988829-5737.

A parte que cabe ao poder público

Para o cientista político e professor da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba, José Maria Nóbrega Júnior, ações desenvolvidas em comunidades com o objetivo de reduzir a criminalidade são válidas, mas precisam de apoio. Especialista em segurança pública, Nóbrega ressalta ainda que a insatisfação crescente dos servidores compromete o desempenho das polícias, principalmente na Polícia Civil, que investiga os crimes. “Os jovens, em sua maioria, não entram no mundo do crime porque foram aliciados ou enganados. Entram porque o custo para isso é pequeno e o benefício ou lucro é grande. Por isso é preciso a ação da polícia nas localidades onde existem esses grupos de projetos sociais”, apontou.

Na opinião do professor, quando os jovens assistem às cenas de crimes e tráfico de drogas que acontecem em suas comunidades e não vêem punição para isso, eles se sentem tentados. “É muito importante o trabalho de prevenção e sobretudo a preocupação com os jovens. No entanto, a ausência do poder público na repressão e punição dos culpados faz com que mais jovens procurem a criminalidade”, ressaltou José Maria Nóbrega.

O secretário de Defesa Social do estado, Alessandro Carvalho, também acredita que o resgate de adolescentes e jovens deve ser feito num trabalho conjunto entre a sociedade, o governo e a iniciativa privada. “Evitar a violência não é um papel apenas da Polícia Militar ou da Polícia Civil. É fundamental ocupar o tempo dessas crianças e adolescentes enquanto eles não estiverem na escola para não terem a atenção voltada para outras coisas. Embora a gente saiba que a facilidade de ganhar dinheiro como o mundo do crime é um atrativo muito forte. Algumas pessoas buscam o caminho mais rápido, mesmo não sendo o certo”, declarou o secretário.



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