Solidariedade Comunidade se une para ajudar criança que nasceu com má formação no sistema excretor Grupo voluntário surgiu inspirado na história de um casal de catadores de lixo que adotou a criança

Por: Mariana Fabrício - Diario de Pernambuco

Publicado em: 31/03/2015 14:11 Atualizado em: 31/03/2015 15:20

A família depende de ajuda para manter o tratamento do filho adotivo. Foto: Reprodução/TVClube.
A família depende de ajuda para manter o tratamento do filho adotivo. Foto: Reprodução/TVClube.

A dificuldade em conseguir um acompanhamento médico contínuo nos pequenos hospitais da cidade de Carpina, na Zona da Mata do Estado, levou um grupo a unir esforços para ajudar a quem precisa. Situações difíceis, como a de uma criança de um ano, que nasceu sem o órgão genital e sem anus, comove a comunidade que arrecada doações e auxilia no transporte da criança para consultas médicas.

Criado no dia três de março, data em que ficaram sabendo do caso, o grupo Reino do Bem vem acompanhando a família, que já vivia em situação precária antes da chegada da criança. O casal de catadores de lixo acolhou o sobrinho-neto que não podia ser criando pela mãe, que é usuária de drogas.

"Acompanhei de perto a gravidez e a mãe não tinha condições de ficar com ele. Fiquei receosa com o tratamento que ela dava e por isso ofereci ajuda. Mas aos poucos ela foi deixando de visitar, de ligar, e eu já tenho ele como filho", conta a tia-avó, que precisou parar de trabalhar e estudar para cuidar do menino. "Eu não tive condições de estudar. A minha infância foi trabalhando. Então fui para a escola adulta. Fazia um curso à noite e trabalhava de dia. Mas agora preciso cuidar dele e parei", lamenta.

Contando apenas com a renda que o marido consegue com a reciclagem de lixo, a família tem dificuldade em comprar pomada, roupas e até alimento para a criança que nasceu com má formação no sistema excretor. Sem o órgão sexual, nem ânus, exames de DNA comprovaram o sexo masculino e logo depois do nascimento foi necessário fazer um pequeno buraco abaixo da barriga, de onde saem urina e fezes. Por conta do caso difícil, o menino sente dores e preocupa. "Às vezes ele se contorce todo. Eu sei que é dor, mas não tenho o que fazer. Ele já fez três cirurgias e nenhum médico dá um diagnóstico certo", diz a mãe adotiva.

Comovida com a história, a comunidade do Bairro Novo, em Carpina, passou a fazer doações e buscar mais pessoas que pudesse ajudar. "O que mais me chocou foi perceber como a desigualdade social está tão próxima. E tem se tornado algo tão comum que nem chega a ser notado pela sociedade", destaca o servidor público Hugo Danilo, um dos organizadores do movimento Reino do Bem, que surgiu para judar essa e outras famílias em situação parecida.

O grupo, que tem mais de 70 pessoas em um aplicativo de mensagens instantâneas, aos poucos foi arrecadando fraldas, pomadas, gaze, roupas, alimentos e brinquedos. Tocados pela história vários outros grupos também surgiram para ajudar o tratamento e auxiliar a família. Hoje já é possível fazer estoque de alguns itens, e por isso o grupo separa por data de validade e organiza as doações.

A situação de Lígia e José comoveram a comunidade em que eles moram. Catadores de lixo, a casa concentra materiais recicláveis, que prejudica a higiene no local. Foto: Cortesia.
A situação de Lígia e José comoveram a comunidade em que eles moram. Catadores de lixo, a casa concentra materiais recicláveis, que prejudica a higiene no local. Foto: Cortesia.

A falta de um médico que acompanhe o caso é um dos maiores problemas encarados pela família. A criança recebia tratamento no Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip). Mas com a distância de 40km para o Recife, o menino chegou a perder consultas agendadas por não ter transporte. "Nem sempre a gente tinha condições de ir. Então aparecia alguém que ajudava. Ou conseguiam um carro ou então juntava dinheiro com quem ajudava e alugava um carro", conta o tio-avô da criança.

Com a divulgação e o apoio do grupo e de pessoas dos bairros vizinhos que ajudam de forma independente, a história comoveu a administração do Hospital Português que ofereceu uma consulta gratuita nesta terça-feira com o cirurgião urologista Adriano Calado, que preferiu não dar entrevista.

Segundo a assessoria de imprensa da unidade de saúde, foi feita uma primeira avaliação e alguns exames foram solicitados. "Ainda pedimos um parecer com um cirurgião pediátrico que no momento está viajando. No momento em que ele voltar, haverá um novo encontro", garantiu o RHP.

Sem a aguarda provisória da criança, a mãe adotiva conta com a ajuda do grupo para conseguir a documentação e facilitar o tratamento. "O trabalho do Reino do Bem é ajudar na socialização daqueles que são esquecidos. Mas em casos que necessitam, também atuamos de forma emergencial. Já estamos com uma advogada voluntária que entrou com o pedido da guarda provisória. Além disso, solicitamos junto ao INSS o auxílio que ajudaria a família", informa Hugo.

Inspirados no caso do menino, o grupo criou uma página no Facebook para divulgar como ajudar. "Acreditamos que ter condições de se manter seja questão de dignidade", pontua.

*O Diario não divulgou os nomes da família para preservar a identidade do menor, como prevê o Art. 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente - Lei 8069/90.


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