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Comportamento Feminismo: mulheres encaram o combate virtual Redes sociais dão visibilidade às reivindicações feministas, mas o machismo e o preconceito recrudescem com violência no mundo digital

Por: Ana Luiza Machado - Diario de Pernambuco

Publicado em: 27/02/2015 17:00 Atualizado em: 28/02/2015 18:21


Se feminismo é, entre outras coisas, um movimento social, então nada mais compreensível que ele ganhe força nas redes sociais. É no “terreno” da internet que o debate, a exposição de ideias e as polêmicas acontecem e, com frequência, se espalham na velocidade da luz. A produtora de cinema recifense Dandara Pagu, 26 anos, publicou na semana passada uma foto no Instagram com a fantasia que vestiu no carnaval e que chamou de “vaca profana”(com rosto coberto e os seios de fora). Foi censurada pela rede social sob a justificativa de que a publicação não estava “de acordo com as diretrizes da comunidade”. Sério?

A mulher é dona do próprio corpo e pode mostrá-lo o quanto quiser. Certo ou errado? Para as quase 300 pessoas que curtiram a republicação da foto de Dandara, desta vez no facebook, está certíssimo. Eles apoiam a iniciativa de quebrar tabus mostrando os seios, admiram a coragem dela e exaltam o feminismo. Dandara, que repudia rótulos, afirma que não gostaria de ser rotulada de feminista, apesar de abraçar muitas causas do movimento. A fantasia de vaca profana, explica, foi uma referência à música de Caetano Veloso que leva o mesmo nome. A canção diz: “Dona das divinas tetas/ Derrama o leite bom na minha cara /E o leite mau na cara dos caretas”. Simples assim.

"Por que os homens podem sair com seus mamilos de fora e nós não? Peito é peito e eu mostro os meus aonde eu quiser", diz Dandara. Segundo ela, as redes sociais ainda promovem uma discussão superficial sobre o tema e agrupa pessoas que só são feministas ali, no terreno virtual, mas que não conseguem pôr em prática o que acreditam. "Usei a fantasia no carnaval e foi engraçado ver as reações das pessoas. Alguns diziam: "cobre isso, menina", outros queriam pegar, outros ficavam horrorizados. Percebi o quanto a nossa a sociedade é careta", comenta.

A queixa é generalizada. No último domingo, na cerimônia do Oscar, atrizes hollywoodianas fizeram uma campanha contra as demonstrações de machismo da mídia que cobre o evento e da indústria cinematográfica. Elas usaram a hashtag "AskHerMore" (pergunte mais a ela) e "Ask Better Questions" (faça perguntas melhores). A repercussão foi mundial. As atrizes reclamaram que as perguntas feitas a elas nunca são sobre o filme que fizeram, os desafios de interpretar tais papéis. A elas sobra curiosidades sobre o estilista do vestido que usam e a última dieta que fizeram.

A atriz Reese Witherspoon, declarou no tapete vermelho: "Somos mais do que nossos vestidos". Já a vencedora do Oscar de melhor atriz coadjuvante pelo filme Boyhood, Patricia Arquette, foi mais longe, ao microfone. No seu discurso de agradecimentos, pediu equiparação salarial para as mulheres e ainda arrancou gritos e aplausos efusivos das companheiras de fama Meryl Streep e Jennifer Lopes. A cena da vida real foi vista por aproximadamente um bilhão de pessoas.

No carnaval pernambucano, a "ousadia" da produtora Dandara Pagu escapou da repressão policial por um suposto crime de "atentado violento ao pudor", mas a jovem é enfática ao afirmar que "a lei favorece aos homens". "Mulher que amamenta o filho em local público também é atentado ao pudor? A publicidade usa com frequência o corpo da mulher como desculpa para vender produtos. É muita hipocrisia, sabe? A foto do ator Cauã Reymond semi-nu, de toalha, mostrando até parte da pelvis não foi retirada do Instagram (publicada há 5 dias, já tem mais de 34 mil curtidas). Mas os meus seios foram tachados de conteúdo impróprio", protesta.

Para a socióloga pernambucana Rebeca Oliveira Duarte, não há nada de novo nestas queixas. "O que é novo é o olhar das pessoas. As denúncias têm que ser expostas. No caso do Oscar elas foram ouvidas porque foram feitas por uma mulher branca, que tem um lugar privilegiado na sociedade. Então ganha repercussão". Rebeca lembra do caso da propaganda da cerveja Skol, produzida para o carnaval, que foi retirada do ar após feministas protestarem nas redes sociais. A publicidade continha as frases: "Esqueci o não em casa" e "Topo antes de saber a pergunta", consideradas incentivo ao descontrole e à irresponsabilidade. A postagem da publicitária Pri Ferrari, que encampou os protestos, teve mais de 26 mil curtidas e atingiu mais de 8 mil compartilhamentos no Facebook.

A socióloga Rebeca Duarte acredita que a grande audiência nas redes sociais acontece a depender de quem fala. "É a voz de quem? Fizemos a mesma crítica em 2005 e o que Ministério Público disse? Que não via na propaganda da cerveja um apelo sexual que põe a mulher como objeto, pelo contrário. Que o homem é quem era vítima, porque era induzido a beber. Então, mesmo que seja um discurso legítimo, só vai ter impacto se quem faz tem influência".

MULHERES, CORRAM

Dolores Aronovich, ou simplesmente Lola, tem 47 anos e é dona do blog "Escreva, Lola, escreva", um dos mais acessados do país, com uma média de 200 mil acessos por mês. Doutora em Literatura em Língua Inglesa e professora da Universidade Federal do Ceará, a argentina, que veio para o Brasil aos 4 anos, diz que o blog é pessoal e nele se dá o direito de falar o que quiser: cinema, política, literatura. Mas feminismo é o foco.

Ao defender os direitos das mulheres e rejeitar o machismo é bombardeada de críticas, ameaças de morte e ridicularização. Com 7 anos de blog, Lola discorre com facilidade sobre as atitudes reacionárias que alguns internautas têm, sobretudo nas redes sociais. "Não é fácil defender algumas ideias na internet. Muitas estão deixando as redes sociais. Sou xingada todos os dias, já fiz boletins de ocorrência porque eles tiram foto da minha casa pelo Google, descobrem meu número de telefone e divulgam nas redes".

Segundo Lola, na internet não há muito debate, mas muitos ataques. Ela também comenta que há várias páginas de ódio no facebook: "Eu não mereço mulher preta; Eu não mereço mulher rodada" são algumas. Esses conteúdos são retirados do ar, mas voltam novamente. "Há um melindre muito grande nas redes. Não se pode postar um quadro de arte que contenha uma vagina, por exemplo".

Para ela, não é possível negar a questão do corpo, do direito da mulher mostrá-lo. Trata-se de uma luta política. Lola opina que não dá para cair em falsa simetria com os homens. Ela afirma que o pênis, na nossa cultura, é celebrado. "Existem várias esculturas em que eles aparecem e não há qualquer problema em exibi-lo". A feminista questiona porque os mamilos dos homens não são sexualizados no carnaval? "Quando dizemos que o corpo é nosso e fazemos dele o que quisermos é uma tentativa de desconstruir essas limitações impostas às mulheres. A garantia que temos em relação ao futuro é que o feminismo não volta atrás. Tudo o que temos hoje, por direito, são conquistas. Não vamos retroceder. Assim eu espero".

 



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