VIDA SAUDÁVEL
Gripe aviária: evolução do vírus pode colocar humanos em risco
As estratégias globais de controle fracassam e levantam o alerta sobre o potencial impacto na saúde global. Há indicações de que a evolução do vírus que põe em risco a vida das pessoas, sobretudo os nascidos após a pandemia de H3N2 em 1968
Publicado em: 25/09/2024 07:28
Quando uma ave é contamina da por H5N1, a notificação é compulsória (Crédito: The Pirbright Institute) |
Uma revisão conduzida pelo Instituto Pirbright, no Reino Unido, destacou a crescente preocupação com a transmissão sustentada do vírus da gripe aviária H5N1 de mamífero para mamífero. Publicada na revista Nature, a pesquisa liderada pelo especialista em influenza zoonótica, Thomas Peacock, sugere que as estratégias globais de controle atualmente em vigor estão falhando, levantando questões alarmantes sobre o potencial impacto na saúde humana.
Os cientistas analisaram surtos em diversas populações, incluindo fazendas de peles na Europa, mamíferos marinhos na América do Sul e gado leiteiro nos Estados Unidos. As evidências levantam a possibilidade de que os humanos possam ser os próximos afetados pela evolução do vírus.
De acordo com o trabalho, embora tradicionalmente os suínos tenham sido considerados hospedeiros intermediários ideais para a adaptação do vírus aos mamíferos, as recentes alterações na ecologia e na evolução molecular do H5N1 nas aves abriram novas portas para contágio. Segundo Peacock, a ciência acredita haver uma crescente evidência da transmissão desse vírus em mamíferos. "Alguns casos são muito claros, como o gado nos Estados Unidos, enquanto outros são menos, como os surtos em mamíferos aquáticos na América do Sul. Esses clusters de transmissão de mamífero para mamífero são bem novos para H5N1 e não foram registrados em surtos anteriores", frisou ao Correio.
A revisão também destacou lacunas significativas nas atuais medidas de controle, incluindo a resistência em adotar tecnologias modernas de vacinação e vigilância. Além disso, a pesquisa aponta a falta de coleta de dados sobre a transmissão do H5N1 entre gado leiteiro e humanos nos Estados Unidos como uma preocupação crítica. Atualmente, quando uma ave é infectada, a notificação do caso é compulsória, mas a medida não serve para mamíferos, o que limita a capacidade de resposta das autoridades.
Segundo os cientistas, o Departamento de Agricultura dos EUA exige testes para H5N1 apenas em gado lactante antes de movimentações interestaduais, abordagem que deixa muitos aspectos da transmissão em aberto. Para Peacock, essa prática omite muitos dados, o que mantém pesquisadores, veterinários e formuladores de políticas no escuro.
"H5N1 altamente patogênico está muito mais disseminado em 2024 do que nunca. Isso significa que haverá maior exposição a mamíferos selvagens e domésticos, bem como potencialmente humanos. No entanto, há uma interessante falta de casos graves de H5N1 humano, não está claro o porquê disso", alerta Peacock.
Ao Correio, o cientista reforçou haver grandes lacunas de conhecimento sobre se o vírus representa a mesma, menor ou maior ameaça do que no passado, nos surtos de casos humanos graves em meados dos anos 2000 no Egito, Indonésia e Vietnã.
A pesquisa critica ainda a prática atual de monitoramento, que se concentra em carcaças de animais selvagens, ignorando o acompanhamento de mamíferos vivos. Isso dá ao vírus oportunidades para se espalhar sem ser detectado, criando "cadeias de transmissão invisíveis" que podem proliferar em ambientes como estábulos de suínos ou entre trabalhadores rurais em países em desenvolvimento.
Outro ponto crucial abordado no estudo é o fenômeno da "recombinação genômica". Esse processo ocorre quando dois ou mais vírus infectam ao mesmo tempo um único hospedeiro, possibilitando a troca de segmentos do genoma e resultando em novos híbridos. Acredita-se que a recombinação entre os vírus H5N8 e da gripe aviária de baixa patogenicidade, que deu origem ao H5N1 nas Américas, tenha acontecido na Europa ou na Ásia Central em 2020.
Manuel Palácios, médico infectologista do Centro de Segurança Assistencial (CSA) do Hospital Anchieta, em Brasília, frisa a falta de dados epidemiológicos consistentes. "Vimos a ausência de uma coleta sistemática e contínua de dados, isso deixa lacunas na compreensão de como o patógeno está se espalhando entre mamíferos e potencialmente entre humanos. Além disso, há a relutância de certos setores em adotar tecnologias de vigilância mais modernas."
De acordo com Palácios, as mudanças climáticas também contribuem na propagação dessa zoonose, pois pode alterar os padrões migratórios de aves selvagens — um dos principais conservadores do vírus. "Isso aumenta o risco de interação entre espécies que normalmente não teriam contato, facilitando a transmissão entre aves e mamíferos. Além disso, o aquecimento global pode expandir os habitats onde o vírus circula elevando a possibilidade de surtos em novas áreas geográficas."
Os pesquisadores alertam que a perspectiva do patógeno se tornar uma presença constante na Europa e nas Américas representa um ponto de virada alarmante para a gripe aviária de alta contaminação. Para lidar com essa situação, eles defendem implementar novas estratégias de controle, incluindo o uso de vacinas. Atualmente, existem vacinas licenciadas para aves que, embora reduzam a carga da doença, não previnem a infecção.
Os autores mencionam que estoques de vacinas H5, antigenicamente relacionadas aos vírus circulantes, estão disponíveis e poderiam ser produzidas em larga escala usando tecnologias de mRNA, caso o H5N1 comece a se espalhar entre humanos. No entanto, a gravidade de uma futura pandemia ainda é incerta. Enquanto infecções humanas recentes mostram uma taxa de letalidade significativamente menor do que em surtos anteriores na Ásia, a falta de severidade nos casos observados nos EUA pode estar relacionada ao tipo de infecção, que ocorre principalmente nos olhos e não nos pulmões.
A publicação também destacou que pessoas mais velhas podem ter uma imunidade parcial ao H5N1 devido a exposições anteriores, enquanto indivíduos mais jovens, nascidos após a pandemia de H3N2, em 1968, podem ser mais vulneráveis a uma infecção grave caso ocorra uma nova pandemia.
As informações são do Correio Braziliense.
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