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Em meio a reaberturas, profissionais de saúde seguem sem suporte para cuidar da própria saúde mental

Por: Aline Melo

Publicado em: 30/09/2021 19:31

 (Foto: AFP)
Foto: AFP
Apesar da diminuição de casos diários da Covid-19 no Brasil e medidas de reabertura dos estados, muitos profissionais de saúde que atuam na linha de frente no combate à pandemia continuam com sua saúde mental afetada. Segundo relatório da Fundação Getulio Vargas (FGV/EAESP) em colaboração com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) publicado na quarta (29), apenas 30% desses profissionais dizem ter recebido algum tipo de apoio para cuidar da saúde mental.

Os dados do relatório foram obtidos por meio de enquete online realizada com 935 profissionais de saúde atuando na linha de frente de combate da Covid-19 entre os dias 1 e 31 de julho de 2021. A maioria dos respondentes são do sexo feminino, com destaque aos 85,8% de mulheres entre as profissionais de enfermagem. Quanto à cor/raça, há predominância de brancos entre os médicos (84,7%), profissionais de enfermagem (57,3%) e outros (56,7%), e de negros entre os agentes comunitários de saúde (77,2%).

A maior parte dos entrevistados (81,6%) relatou ter percebido um impacto na sua saúde mental, taxa que se apresentou de maneira regular entre as diversas profissões analisadas. Apenas uma parcela pequena destes trabalhadores recebeu algum tipo de apoio para o autocuidado. A categoria que menos recebeu esse apoio foi a dos agentes comunitários de saúde (ACS), com 14%.
 
Esse novo relatório reforça a percepção de que esses profissionais seguem em uma situação difícil. “Mesmo já tendo passado tantos meses em pandemia, quem está na linha de frente continua com baixo acesso a recursos e suporte, o que tem comprometido a saúde mental deles, porque a pandemia não acabou, e eles seguem lidando com dificuldades”, alerta Gabriela Lotta, uma das pesquisadoras responsáveis pelo estudo.
 
“Além disso, é importante estarmos atentos para os novos desafios que se apresentam nesse momento da pandemia e que incidem ainda mais sobre os profissionais de saúde. A campanha de vacinação contra Covid-19 e a atenção a pacientes com síndrome pós-Covid devem pautar a ação dos gestores públicos”, afirma Michelle Fernandez, outra co-autora do estudo.
 
A médica infectologista Sylvia Lemos, também professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), comenta que precisou instruir outros profissionais para enfrentar o novo coronavírus: “não fui treinada para enfrentar a Covid-19, mas treinei pessoas a distância. Tinha hora que eu queria 'colo', mas tinha que ser forte, a ‘liderança pelo exemplo’ e decidir pela vida dos outros. À noite, pensava...e se eu adoecer? Quem vai cuidar de mim?”

Sylvia também compartilha que o período exigiu muita dedicação e transformação. “Tive que me ressignificar como pessoa e profissional. Fiquei na linha de frente de janeiro a abril. Precisei sair de casa para proteger minha família, fui morar com duas médicas por 45 dias. Por ter 60 anos, fui considerada como grupo de risco e comecei a trabalhar como home office. Foi uma experiência totalmente nova e impactante”, diz.

O médico psiquiatra Bruno Nascimento, Supervisor da área de Psiquiatria do Hospital Ulysses Pernambucano SES-PE, comenta a dificuldade de alcançar pessoas que precisam de acompanhamento para saúde mental fora da rede privada, inclusive profissionais da área: “Tem uma questão política importante que é a precariedade completa da rede pública de saúde mental no nosso estado. No Brasil também, quem tem condição de pagar um psiquiatra, um psicólogo e fazer um cuidado pessoal no campo privado, vai se virando. Mas os nossos serviços de psiquiatria estão completamente sucateados”.

"A forma da ansiedade se manifestar tem tudo a ver com a pandemia da Covid-19. Com a pandemia,  a gente ficou sem saber como é que vai ser o futuro, sem saber durante quanto tempo precisariam ser feitas as restrições, se vem uma nova variante ou não, como vai ficar nosso futuro. Todas essas questões estão completamente entrelaçadas com a questão da ansiedade. A vida presente fica difícil de ser levada pela invasão do futuro na própria realidade atual", acrescenta o psquiatra.
 
Para os profissionais da saúde de Pernambuco que precisam de suporte para cuidar da saúde mental, a Secretaria Estadual de Saúde (SES-PE) implementou durante a pandemia o Acolhe SES, estratégia que tem como objetivo oferecer suporte psicossocial e orientações sobre a rede de serviços de saúde aos profissionais que atuam na linha de frente do combate à Covid-19, iniciativa que acolhe também os familiares. Em setembro, a SES-PE migrou os atendimentos do Acolhe SES para o Atende em Casa. Com isso, o serviço de tele acolhimento fica totalmente concentrado nesta plataforma. A ferramenta pode ser acessada tanto pelos trabalhadores de saúde, inclusive aqueles que permanecem na linha de frente da Covid-19, quanto pela população em geral.

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