DECISÃO

STF decide por liberdade de imprensa vigiada

Corte aprovou a tese que permite a responsabilização de veículos de imprensa por entrevistas em que sejam imputados falsamente crimes contra terceiros

Publicado em: 30/11/2023 09:41

 (Nelson Jr/SCO/STF)
Nelson Jr/SCO/STF

 
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a Liberdade de Imprensa e a corresponsabilidade dos veículos de comunicação em casos de denúncias ou ofensas apresentadas por entrevistados foi recebida como um ''dos males, o menor'' por entidades ligadas ao jornalismo, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

O julgamento de ontem avaliou a extensão da condenação do Diario de Pernambuco, por entrevista publicada em 1995, à toda a imprensa brasileira. A condenação, apesar de ter sido revogada pela segunda instância do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), foi revista pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e confirmada pelo Supremo, no último mês de agosto.

Na entrevista, publicada em 25 de julho de 1995, o então delegado Wandenkolk Wanderley, acusou o ex-deputado Ricardo Zarattini Filho de ter participado do atentado a bomba no Aeroporto Internacional do Recife - Guararapes, em 1966.  

Entre as teses em avaliação estavam a do ministro Alexandre de Moraes - que defendia que os veículos deveriam ser ''sempre''co-responsáveis pelo que seus entrevistados afirmam em entrevistas; e a defendida pelo então ministro relator, Marco Aurélio (aposentado em 2021) - que avaliava que, no caso em análise, o Diario ''não emitiu opinião a influenciar leitores'' na publicação, recorrendo à liberdade de imprensa e de expressão para defender a absolvição. Entendimento que foi acompanhado pela ministra Rosa Weber, que se aposentou no último mês de setembro.

Derrotado o relatório do ministro Marco Aurélio e confirmada a condenação ao Diario de Pernambuco, foi apresentado um recurso extraordinário para que o caso orientasse as decisões judiciais sobre o tema. Ante às teses antagônicas e o ''meio termo'' do presidente do STF, Luís Roberto Barroso, foi apresentada uma nova tese (conciliatória), acatada pela Corte, no julgamento de ontem.

Na nova proposta do ministro Alexandre de Moraes, os veículos de comunicação poderão responder por informações caluniosas em dois casos: primeiro, se houver indícios concretos de falsidade da afirmação, na época da publicação. Segundo, se o veículo deixar de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos.

DÚVIDAS
A decisão do STF, no entanto, ainda deixa muitas lacunas e margens a interpretações distintas, segundo a avaliação da ANJ e da Fenaj.

''Por exemplo, como fica a questão das entrevistas ''ao vivo'', seja no caso das TVs ou dos podcasts. No ao vivo, o jornalista não está no controle do que o entrevistado vai responder. Como esse caso será tratado? Será dado um prazo para que o veículo e o jornalista tragam a versão da outra parte'', questiona a presidente da Fenaj, Samira de Castro.

Para o presidente-executivo da ANJ, Marcelo Rech, também existem muitas questões a serem definidas. ''O que, por exemplo, significa o ‘dever de cuidado com a veracidade dos fatos’? Como serão tratadas as entrevistas ao vivo e online? Esperamos que a publicação do acórdão elimine essas dúvidas'',  destaca Rech.

''Esse dever de cuidado já é o que praticamos nas redações, desde a preparação da pauta até a conclusão da matéria, com levantamento de dados, checagem e rechecagem de informações'', explica Samira de Castro.

Em relação à vedação da censura prévia de conteúdo, Marcelo Rech avalia que nada mais é do que reafirmar o que já está garantido na Constituição de 1988, mas ''houve avanços em relação ao que estava proposto antes.''

Fazendo um paralelo com o Caso Diario de Pernambuco, que originou todo o debate, Rech avalia que segundo a tese que foi definida ontem, a condenação do Diario não deveria ter sido confirmada, uma vez que a exclusão do ex-deputado Ricardo Zarattini Filho da lista de suspeitos só foi confirmada dez ou quinze anos depois da publicação da reportagem, com os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.

Ainda em relação ao acórdão, a inclusão da possibilidade de retirada de informações do ar, cujo conteúdo esteja sob suspeição, também provocou dúvidas. ''Como vai se dar a retirada desse conteúdo? Será mediante autorização judicial? Depois de o caso transitado em julgado ou a partir do acionamento judicial?'', pondera a presidente da Fenaj.

CRONOLOGIA
Em um primeiro momento, o Diario de Pernambuco foi condenado, pela primeira Instância do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), a reparar os prejuízos causados à reputação e à imagem do ex-deputado e a arcar com uma indenização de R$ 700 mil, por danos morais.

No recurso apresentado pelo jornal, a segunda instância do TJPE revisou a decisão, anulando a condenação e absolvendo o veículo. Entre os fatos relatados pelo então desembargador revisor Luiz Carlos Figueirêdo, chamou a atenção à pouca importância dada ao suposto prejudicado pela matéria à reparação da sua imagem, seja por meio da publicação da sentença ou de uma entrevista de igual tamanho para que Zarattini pudesse expor a sua visão dos fatos - proposta feita pelo próprio autor da entrevista com o delegado Wandenkolk Wanderley, o jornalista Selênio Homem de Siqueira.

Segundo o desembargador, essa falta de interesse pela reparação de imagem sugeria um foco bem maior na indenização pecuniária que a correção de eventuais injustiças, o que implicaria em ''enriquecimento sem causa e autêntico abuso no uso das disposições legais que regem a reparação por danos morais.''

A disputa judicial foi levada ao STJ, que revisou a decisão da segunda instância do Tribunal de Justiça de Pernambuco, imputando novamente a corresponsabilidade pelas declarações e arbitrando novo valor indenizatório, desta vez em R$ 50 mil, considerado um valor mais condizente com ações do mesmo teor, ao invés dos R$ 700 mil definidos na decisão inicial, no TJPE.

As defesas dos ministros

Com várias teses divergentes no STF sobre a aplicabilidade da condenação do Diario de Pernambuco à toda a imprensa nacional, coube ao ministro Alexandre de Moraes apresentar uma proposta conciliatória, incorporando a tese defendida pelo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso, que não concordava com responsabilização dos veículos em qualquer hipótese. Nas discussões, apenas uma revisão de redação, sugerida pela ministra Carmen Lúcia, e uma proposta de inclusão da previsibilidade de conteúdos comprovadamente caluniosas, mirando blogs e sites noticiosos.

''A clássica questão da liberdade de imprensa, abuso eventual e excepcional, era em relação a jornais e periódicos.  Depois de publicados, acabava a responsabilização. Hoje, com as redes sociais, aquele conteúdo continua''
 
Alexandre de Morais, relator da ação no STF

''Nós estabelecemos que a regra geral é que o veículo não é responsável por declaração de entrevistado, a menos que tenha havido uma grosseira negligência relativamente à apuração de um fato que fosse de conhecimento público'', Luís Roberto Barroso , presidente do STF.

''A conduta do jornal não excedeu o direito-dever de informar. Entender pela responsabilização, ao que se soma a circunstância de tratar-se de julgamento sob a sistemática da repercussão geral, sugere o agasalho de censura prévia a veículos de comunicação'', Marco Aurélio - aposentado relator do primeiro julgamento no STF.

''Proponho que na tese, quando a expressão ‘não se permitindo qualquer espécie de censura prévia’, como previsto no texto, seja substituído por ‘vedada qualquer espécie de censura prévia’, como está na nossa Constituição. Eu ficaria mais confortável'', Carmen Lúcia, ministra do STF

''Gostaríamos que pudéssemos contemplar a retirada de conteúdo. Não é censura prévia, mas quando tiver informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas. Nos deparamos frequentemente com essa situação'', Cristiano Zanin, ministro do STF.

Teses fixadas

A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia, porém admitindo a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais, pois os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios.

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