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VOTAÇÃO

Semana municipal de combate ao aborto é rejeitada na Câmara por 20 x 9 votos

Publicado em: 21/09/2021 13:50 | Atualizado em: 21/09/2021 15:44

 (Câmara Municipal do Recife)
Câmara Municipal do Recife
Cerca de uma em cada cinco mulheres vai abortar até o final da vida reprodutiva, segundo a Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), de 2016. Mesmo o ato de abortar já sendo crime no Brasil, salvo exeções, a Câmara do Recife votou hoje o Projeto de Lei 125/2020, que instituiria no Recife a “Semana Municipal de Combate ao Aborto”, de autoria da vereadora Michele Collins (PP).O Projeto foi rejeitado por 20 votos a 9, contando com dez abstenções.

Votaram a favor do PL: Alcide Cardoso (DEM); Ana Lúcia (Republicanos); Chico Kiko (PP); Felipe Alecrim (PSC); Fred Ferreira (PSC); Junior Tercio (Podemos); Luiz Eustáquio (PSB); Michele Collins (PP) e Renato Antunes (PSC).
Votaram contra o Projeto: Aderaldo Pinto (PSB); Andreza Romero (PP); Cida Pedrosa (PCdoB); Dani Portela (PSOL); Doduel Varela (PSL); Eriberto Rafael (PP) ;Fabiano Ferraz (AVANTE); Felipe Francismar (PSB); Hélio da Guabiraba (PSB); Ivan Moraes (PSOL); Joselito Ferreira (PSB); Junior Bocão (CIDADANIA); Liana Cirne (PT); Marco Aurélio Filho (PRTB); Natália de Menudo (PSB); Paulo Muniz (SOLIDARIEDADE); Rinaldo Junior (PSB); Samuel Salazar   (MDB); Tadeu Calheiros (PODEMOS) e Zé Neto (PROS)
Não votaram: Alcides Texeira Neto (PSB); Almir Fernando (PCdoB); Davi Muniz (PSB); Dilson Batista (AVANTE); Eduardo Marques (PSB); Jairo Brito (PT); Romerinho Jatobá (PSB); Waldomiro Amorim (SOLIDARIEDADE); Wilton Brito (PSB); Jairo Brito (PT); e Osmar Ricardo (PT) o único com a falta justificada.

Alguns parlamentares se manifestaram na discussão antes da votação.  Discutir sobre o Projeto trouxe para a mesa debate sobre o próprio aborto, não apenas a ideia da “semana de combate”. “É para estimular a reflexão sobre o tema e orientar a população sobre os riscos do aborto. Isso é em defesa da vida de pessoas inocentes no ventre da mãe que morrem por nada”, comentou a autora do projeto, Michele Collins. A vereadora afirmou ter se surpreendido com o resultado e que esperava que mais colegas votassem a favor. “Quero lamentar pelos vereadores que perderam a oportunidade de dizer não ao aborto”, comentou. Durante a votação, a parlamentar disparou que muitas mulheres, “as feministas”, como chamou, abortam por “nada”. “Aborto é matar, não é direito humano”, destacou. “É muito fácil, é só ter a criança e dar, mas não matar”, ressaltou a vereadora. De acordo com a progressista, até mesmo vítimas de estupro poderiam não abortar, e as mulheres seriam coscientizadas se o Projeto se tornasse realidade. “A pessoa que é estuprada ainda tem a possibilidade de não matar”, comentou.

O vereador Renato Antunes (PSC) se manifestou a favor do projeto, sem fundamentos religiosos para embasar o seu voto. ”Isso é um trabalho de conscientização acerca do aborto. Eu digo não ao aborto e sim a vida. Não dá para resolver o problema matando”, disparou. Para o parlamentar Fred Ferreira (PSC), aborto é contra “a palavra de Deus”. “Falar em aborto é falar em morte, destruição de família. Isso é contra a palavra de Deus. Está na bíblia, não podemos ser contra a vida”, comentou o vereador Fred Ferreira (PSC). “A igreja se posiciona contra ao aborto e é a favor do direito à vida. O aborto precisa ser enfrentado. São milhões de crianças assassinadas por ano no ventre materno”, concordou Felipe Alecrim (PSC). “Como católico eu sou totalmente contra o aborto, é preciso conscientizar meninas e mulheres sobre as consequencias fisicas e mentais do aborto”, concordou Chico Kiko (PP).

“É um marco de desrespeito contra as mulheres”, disparou a vereadora Liana Cirne (PT). Para a parlamentar, o Projeto de Lei incentivaria hostilizações contra vítimas de estupro, como a criança de 10 anos que veio do Espírito Santo abortar no CISAM e precisou trocar de identidade, por conta da hostilização. “Aquilo foi uma campanha de combate ao aborto na prática”, relembrou a vereadora. “ O primeiro grande erro é não exepcionar os casos de aborto legal previstos em lei, como estupro”, comentou a parlamentar.  

Para a vereadora Cida Pedrosa (PCdoB), o Projeto é um “deserviço”. “Qual é o sentido de promover uma campanha contra algo que já é proibido por lei? Isso é puro fundamentalismo, não tem serventia”, ponderou a parlamentar. Para Cida, o discurso usado pelo Projeto passa a ideia de violência e oposição, o que poderia desistimular vítimas de estupros de denunciar e gozar do direito legal de aborto nesta situação.  “A palavra ‘combate’ significa ter oponente, guerra e em situações de violência, por isso que os Direitos Humanos substituíram ela por “educação”. A gente quer combater crianças estupradas ou quer acolher e educar essas pessoas? Isso não é assunto para brigar e combater”, afirmou a parlamentar.

“Lembrar que esta tribuna é uma casa Legislativa, não um púlpito de uma igreja”, replicou a vereadora Dani Portela (PSOL). “Esse projeto é um verdadeiro atentado à vida das pessoas que gestam [...] Isso é um projeto de cunho político-ideológico", cravou Dani. “Muitas pessoas que estão aqui defendendo esse projeto estavam no CISAM chamando de ‘assassina’ uma criança de dez anos de idade”, lembrou a vereadora.“A previsão de aborto legal precisa ser garantida para as mulheres que tenham essa necessidade. O que está em disputa hoje é a forma que a gente fala sobre isso”, complementou o vereador Ivan Moraes (PSOL) “Ninguém é a favor do aborto, a gente é a favor de que as mulheres possam decidir, mas ninguém nunca fez campanha pedindo para as pessoas abortarem. O que a gente não pode proceder é que mulheres sejam presas e passem por processos violentos”, finalizou o parlamentar.

“Esse projeto trouxe muito medo para nós”, comentou uma profissional da educação municipal, categoria que também seria afetada pelo Projeto. “Imagina só quantas crianças e adolescentes ficariam expostos à informações deturpadas sobre os direitos reprodutivos”, comentou. “E pior, os professores seriam obrigados a compartilhar informações precárias e mal-educar os alunos. A vereadora Michelle disse que quer estimular a reflexão, mas é nos termos e nas crenças dela, não em uma base científica e pedagógica, como isso vai ajudar?”, continuou a professora. “Isso atrapalha muito na educação e na formação dos jovens, as meninas engravidam por falta de informações e acabam pagando pelo erro do estado, que deveria estar lá para orientar e dar todas as condições de vida digna para elas", assinalou. A professora também destacou que essa problemática não é de hoje. “São décadas desse ciclo abusivo, muitas vezes as próprias mães e pais dos alunos engravidaram assim e não têm informações básicas para ensinar os filhos. O legislativo sabe bem disso e deveria estar tentando mudar essa cultura de desinformação e tabu ao invés de perpetuar ela”, disparou.

Nos comentários da live da tribuna, internautas se manifestaram a favor e contra o projeto. Alguns comentavam em defesa da “vida”, concordando com os ideais conservadores que assinam o projeto, usando a frase “Sim à Vida, aborto não! Igreja católica monitorando a votação”, relacionando ideais religiosos ao projeto de lei da Câmara, um ambiente Laico. A maioria dos comentários se posicionava contra o projeto, com as #NãoàSemanadeCombateaoAborto #GravidezForçadaéTortura e a frase “Educação sexual para escolher, aborto legal para não morrer”. Além dos comentários na live da sessão, internautas também se posicionaram no twitter, no instagram e no facebook.

A questão do aborto e o Projeto
De acordo com o artigo 128 do Código Penal, as únicas maneiras legais de abortar no Brasil seriam: Se a gravidez for resultada de estupro; Se a vida da gestante estiver em risco e não houver outra maneira de salvá-la. Como levantado pela pesquisa do PNA, praticamente todas as famílias do país tem alguém que já fez um aborto e todos os brasileiros conhecem, ao menos, uma mulher que passou pelo procedimento. Os dados sobre aborto no Brasil são pouco atualizados, mas no caderno da Secretaria de Informação e Documentação do Senado consta um material escrito pela advogada Lorena Ribeiro de Morais que traz dados sobre o tema.

Segundo o estudo, em 2008 havia a estimativa de 1.443.350 abortos anuais, no Ministério da Saúde. “Estas estimativas atribuem em torno de 85% das internações por aborto no Sistema Único de Saúde (SUS) às complicações derivadas de abortos provocados ou clandestinos”, comenta um trecho do material.  Além da falta de informação em relação aos direitos abortivos, há a falta de acesso aos atendimentos necessários. “As  mulheres  são constrangidas a peregrinar de hospital em hospital, muitas vezes,de um estado a outro, para conseguir algo que lhes é assegurado por lei [...] Segundo o IBOPE, há 62 hospitais credenciados no Ministério da Saúde para fazer aborto legal, mas apenas 40 oferecem o atendimento de fato”, explica a advogada.

“Criminalizar as mulheres nunca resolveu o problema do aborto no mundo. O aborto diminui quando é legalizado e são garantidas as condições de maternidade para as mulheres”, disparou a socióloga Silvia Camurça, representante do grupo SOS Corpo, um instituto de educação, pesquisa e comunicação, atuante em diversas pautas que passam pela Câmara. Para Silvia,  a tribuna deveria se preocupar em garantir as condições contraceptivas e condições de maternidade antes de promover uma campanha contra o aborto. “A única maneira de reduzir o numero de abortos é permitir as mulheres de exercerem a maternidade quando desejarem, é garantir creches, empregos para mães e proteção social para as mulheres”, explicou.

“Esse projeto vem das mesmas forças conservadoras que usam o nome de Deus, mas estiveram na porta do CISAM no ano passado para hostilizar a menina de 10 anos que veio do Espírito Santo abortar aqui”, comentou. “Isso é de uma crueldade enorme. Não sei como alguém que se diz cristão tem coragem de fazer um projeto de lei desse tipo”, destacou a socióloga.



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