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CENTENÁRIO

Dr. Neves: 100 anos de um símbolo da democracia brasileira

Publicado em: 03/07/2021 09:38

 (Foto: Reprodução/OAB PE )
Foto: Reprodução/OAB PE
Mora no bairro do Rosarinho, rinho, Zona Norte do Recife, um personagem da história da democracia brasileira que a nova geração desconhece. É um homem que transitou pelas rodas nacionais de poder a partir da década de 1950, notabilizou-se ao liderar a luta pelos direitos individuais e defesa das liberdades nos tempos mais duros da ditadura instalada no país em 1964. Teve a coragem de enfrentar um regime totalitário usando a palavra oral e escrita e ampliou o papel de uma instituição como a Ordem dos Advogados do Brasil, OAB, conduzindo-a para além da atuação classista. José Cavalcanti Neves é advogado e completa 100 anos neste 3 de julho de 2021.

Foi o único pernambucano eleito para a presidência do Conselho Federativo da OAB nacional (1971 a 1973), com 22 votos a favor e um em branco. Ocupou o cargo no período mais rígido da ditadura, durante o governo de Emílio Garrastazu Médici (1969-1974). Mudou paradigmas estruturais, com articulações, ofícios e discursos públicos. “Toda a dinâmica da vida nacional e o funcionamento das instituições deve processar-se sob o crivo do respeito à pessoa humana e, tanto nas leis como na conduta dos responsáveis, é imperativo que se tenham em conta os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (...)”, afirmou, em seu pronunciamento de posse, em 1º de abril de 1971, no Rio de Janeiro - agora com o anteparo necessário que endossou uma postura mais incisiva que ele vinha adotando desde 1968. 

José Neves foi perspicaz ao escolher o campo dos direitos, dizem inúmeros de seus pares. No ano de seu centenário, é reconhecido: “Em nome de 1,3 milhão de advogados, em nome desses colegas, eu digo, obrigado, Zé, pela contribuição”, diz o presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz. Na opinião dele, José Neves fez a Ordem migrar para uma posição de enfrentamento ao regime ditatorial. “É esta posição que vai levar a OAB a ter o protagonismo no final da ditadura militar”, afirma.

No Recife, a Escola Superior de Advocacia, a ESA, da OAB, promoverá na próxima segunda-feira, dia 5, uma série de lançamentos para marcar o centenário de José Neves. “É fundamental falar de José Neves e dos 100 anos dele, sobretudo em se tratando do momento vivido pelo Brasil hoje. O pensamento de Dr. Neves e a luta por direitos e pela Constituição são muito atuais”, afirmou Mario Guimarães, advogado, diretor-geral da ESA e idealizador do projeto. 

Presidente da OAB Pernambuco  naquela ocasião em seu sétimo mandato consecutivo (ficou de 1953 a 1971, e foi o mais logevo na seccional estadual), projetou-se politicamente para além de Pernambuco a partir de 13 de dezembro de 1968, data da decretação do AI-5. Neste dia, no Salão Azul do Grande Hotel (hoje, Fórum Thomás de Aquino), Centro do Recife, a elite jurídica brasileira participava do III Congresso Nacional da OAB. Recebia perplexa a notícia da decretação do Ato Institucional nº 5, que endurecia o regime no Brasil.

Mandatos legislativos e executivos cassados, bens confiscados, a imprensa e a arte censuradas, liberdades provisórias, amparadas pelo habeas corpus suspensas. “Foi ali, depois do AI-5, que ele se firmou muito pela defesa dos direitos humanos e das prerrogativas dos advogados. E papai começa o movimento de retomada da democracia, que a Ordem liderou”, narra Jorge Neves (filho e ex--presidente da OAB-PE), que estava no Grande Hotel e, à época, tinha 16 anos.

No dia em que ocupou a presidência da OAB Nacional, anunciou sua jornada dali em diante: “É preciso capacitar-se de que a exigência do momento se coloca no plano da ação e dos resultados concretos”. Foi categórico ao colocar que levaria a OAB a ter participação atuante no Conselho de Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Humana (CDDPH). Uma semana de empossado na Ordem, enviou ao então presidente Médici o primeiro ofício pedindo a reinstauração do habeas corpus; também cobrando a revogação da pena de morte instaurada em 5 de setembro de 1969 por meio do Ato Institucional nº 14 (AI-14) para “casos de guerra externa, psicológica adversa, ou revolucionária ou subversiva”.

Hoje, “a prática de todos os atos que nós, enquanto advogados, fazemos” - lembra Bruno Baptista, atual presidente da OAB Pernambuco -, “tudo isso tem a participação do presidente José Cavalcanti Neves. Essa luta dele de tantos anos em prol da advocacia se reflete nessa liberdade profissional que nós temos”. Mas, defender a advocacia e a democracia nos anos de chumbo, significava estar exposto a riscos.

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