economia

Uma lista de missões pela frente para Bolsonaro

Bolsonaro terá de equacionar, logo no início do governo, o desequilíbrio das contas públicas, mas também demandas de uma agenda extensa dos brasileiros

Publicado em: 29/10/2018 09:04 | Atualizado em: 29/10/2018 09:12

Segundo a CNI, no começo de 2018 existiam no país cerca de 2,7 mil obras paralisadas, à espera de recursos. Foto: Delfim Martins/Divulgacao

A batalha das urnas, vencida ontem por Jair Bolsonaro (PSL), foi apenas o início de um cenário de incertezas que o aguarda a partir do próximo ano. O horizonte do presidente eleito é de desafios tanto nos setores político e econômico, como também social. Unanimidade entre os especialistas ouvidos pelo Diario, a necessidade de reequilíbrio das contas públicas é um dos pontos que vai exigir pulso firme do novo governante, tanto por sua importância como pela transversalidade – será necessário apoio legislativo para aprovar mudanças sem que haja impacto negativo na imagem do presidente perante a sociedade civil.

“Temos um estado que arrecada sistematicamente menos que o necessário para pagar suas contas, e esse desequilíbrio não é porque a economia está em crise, mas produzido pelo Congresso Nacional, que estabeleceu obrigações sem definir as bases tributárias suficientes para o custeio”, explica Samuel Pessoa, pesquisador sênior de economia aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV). Somente em agosto, as contas do governo federal fecharam no vermelho, com um déficit primário de R$ 19,7 bilhões. O Tesouro Nacional prevê um déficit de R$ 150,8 bilhões até o fim do ano.

A saída, segundo o especialista, passará inevitavelmente por uma agenda de aumento de impostos ou pela redução de gastos públicos – e em ambos os cenários pode haver resistência da sociedade. “Pode-se recriar a CPMF, que é um imposto ruim, ou (implementar) impostos de incorporação no dividendo das empresas, assim como aumento de alíquotas em geral e repensar os regimes tributários especiais, revendo a agenda de desoneração”. No âmbito da redução de gastos públicos, a Previdência é o principal gargalo, segundo Pessoa. Segundo dados do Tesouro Nacional, o rombo foi de R$ 113,3 bilhões no acumulado de janeiro a agosto.

Fundador da associação Contas Abertas, Gil Castelo Branco concorda. “As projeções mais otimistas indicam que o país só deverá zerar o déficit em 2022, se forem adotadas rapidamente as providências corretas”, ressalta, reiterando a necessidade de aumento de impostos, redução de despesas ou as duas agendas combinadas. Nem mesmo as privatizações são garantia de reequilíbrio. “Você diminui o problema do ano vigente, mas não diminui a questão estrutural dos anos seguintes, porque trata-se de uma receita extraordinária, não regular”. Ele lembra que 91% das despesas primárias são obrigatórias – as que a União tem obrigação legal ou contratual de realizar. Os maiores gastos são com pessoal, encargo social e benefícios da Previdência Social.

Como a maior parte das medidas necessárias depende do Congresso Nacional, Gil Castello Branco afirma que Bolsonaro precisa aproveitar o período conhecido como “lua de mel” entre o Executivo e o Legislativo, que geralmente dura três meses. “Na época do (Fernando) Collor, foi nesse período que se aprovou o sequestro da poupança”.

Outros pontos também estarão na agenda de desafios. “Vamos ter um Brasil ainda bastante dividido. Vimos que as eleições de 2014 deixaram sequelas que desembocaram no impeachment (de Dilma Rousseff), que geraram a polarização que estamos vendo atualmente”, afirma Gerson de Moraes, cientista político da Unversidade Presbiteriana Mackenzie. A diminuição do desemprego, que atualmente atinge 12,7 milhões de brasileiros, é outra tarefa difícil. “Ao resolver essa questão, se tem apoio da população, porque a lógica é a do dinheiro no bolso e condições dignas de viver, independentemente se for de direita ou esquerda”.

Foto: Arte/DP


Nordeste à espera da conclusão de obras estruturadoras

Com 1,1 mil obras paralisadas, o que corresponde a 41,8% do total do país, segundo pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI), a região Nordeste vai demandar uma atenção especial de Jair Bolsonaro. Além de destravar os empreendimentos – em especial a Ferrovia Transnordestina e a Transposição do Rio São Francisco, será preciso ver como acontecerá processo de desmonte dos palanques, uma vez que a região é um tradicional reduto eleitoral do PT – tanto que Haddad obteve quase 70% dos votos no segundo turno, o maior entre as regiões.

“Os desafios são imensos. Temos grandes obras estruturadoras que podem ser alavancas para a economia da região. Elas vão requerer uma capacidade gerencial do próximo presidente”, pontua Thales Castro, cientista político da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). 

Ainda segundo ele, caso os palanques não sejam completamente desmontados, vai se perpetuar uma “eterna luta” entre o Nordeste e o restante do Brasil.

Na avaliação da cientista política da Faculdade de Ciências Humanas de Olinda (Faccho), Priscila Lapa, Bolsonaro vai encontrar uma nova configuração política na hora do diálogo com os governadores. “Existe uma tendência de atuação em bloco por parte do Nordeste. Eles (os governantes) vêm se organizando em pautas comuns, pleiteando coletivamente a transferência de recursos e combate à violência”, diz. 

CARTA
Em maio, durante evento realizado no Recife, os gestores divulgaram uma carta na qual criticaram a possível privatização do sistema Eletrobras e, consequentemente a Companhia Hidro Elétrica do São Franscico (Chesf), temas que saíram temporariamente da pauta do Legislativo mas que devem voltar à discussão em 2019. No documento, apresentaram outros pleitos, a exemplo da priorização da região nos novos leilões e programas de concessão da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

A economista Tânia Bacelar ressalta, no entanto, que é preciso saber qual a diretriz adotada com relação às obras paralisadas. “Será via PPP (parceria público-privada)? Como o governo vai contemplar as obras? Se for pelo critério de maior viabilidade financeira parte das obras no Nordeste terá dificuldades porque temos uma menor densidade econômica em relação ao Sul e Sudeste”, comenta.
 
Os comentários abaixo não representam a opinião do jornal Diario de Pernambuco; a responsabilidade é do autor da mensagem.
MAIS NOTÍCIAS DO CANAL