Eleições 2018

Clínicas de psicologia fazem plantão para crise política

Profissionais relatam aumento na demanda de pessoas com episódios de pânico e ansiedade, angústia e desesperança

Publicado em: 24/10/2018 10:24 | Atualizado em: 24/10/2018 10:37

Psicólogas Anamaria Carneiro e Carolina Barros, da Entrelaços, fazem parte da equipe de atendimento. Foto: Camila Pifano/Esp. DP
Três clínicas particulares de psicologias do Recife funcionarão esta semana com regimes de plantão emergencial. Propõem a acolhida e orientação terapêutica para pessoas afetadas pelo radicalismo deste período eleitoral, em especial mulheres, negros e população LGBT. O momento pede: a eleição presidencial deste ano, que será definida no próximo domingo na disputa entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), está centrada em um debate muito mais moral e sociais que político. 

As clínicas dizem atender a uma demanda recente e recorrente nos consultórios. A cada dia chegam mais pessoas com crises de pânico, ansiedade, angústia constante, falta de ar, arritmia cardíaca, estresse e medo do futuro político e social do Brasil. “A gente se vê desamparada. É uma ansiedade de querer agir e não saber o que esperar do futuro. Vejo pessoas da minha família e de ciclos sociais declarando votos e eu fico pensando: "Como essa essa pessoa está complacente com um discurso que me invisibiliza?", contou Alice Duque, de 24 anos, uma típica paciente que sofre ao viver o momento atual do país e que tem contato como apoio terapêutico.

Gustavo Oliveira, um jovem negro de 20 anos, que tem amigos LGBT, fala no medo, na angústia de sair de casa ou se expressar. Ele conta que mudou parte dos seus hábitos e hoje evita sair sozinho. “Há quem pense em recuar em vários pontos, valores, porque precisa criar estratégias de sobrevivência”, disse Gustavo. Natália, que pediu anonimato da identidade por achar que poderia ser alvo de represália, diz que vive a tensão de atuar como militante. Ouviu gritos de dois homens numa praça enquanto ela panfletava. Eles a filmaram com amigas. “Não sei se vou panfletar de novo”.

“É um público jovem que tem relatado medo de sair de casa, dificuldade de dormir, continuar atividade diária”, afirma Aida Carneiro, psicóloga da Entrelaços, que abre as portas em Apipucos quinta-feira, sexta e sábado para atendimentos com contribuição livre. “Quem já faz uso de medicação, tem a crise potenciada”, completa Aida.

No serviço privado e no público o sentimento de especialistas parece ser o mesmo. A médica pediatra Betinha Fernandes, especializada em adolescentes e psicoterapeuta de base psicodinâmica, conta que “muitas dessas pessoas se sentem perdidas”. “O maior receio é o da violência legitimada pelo ódio. São palavras que escutei ao longo da minha semana. De todos os gêneros e de familiares também”, diz ela. Segundo Betinha, tornaram-se comum relatos de ameaças sofridas nas ruas. “Tem gente com insônia, estresse total e sem focar nos estudos”.

Além do Espaço Entrelaços, o Espaço Colibri e a Igarapé Psicologia atenderão de forma específica nesta semana. “No meu caso, tenho ouvido muito relato de violência doméstica acentuada contra as mulheres. Mas chegam também casos de grupos vulneráveis, como LGBT e negros. Essas pessoas têm crise de pânico, falta de art. É uma demanda social crescente de pessoas fragilizadas, que precisam de acolhimento. Atendemos e encaminhamos para serviços de apoio a partir da primeira análise do caso”, conta a psicóloga Bruna Ledo. O Espaço Colibri estará funcionando em regime de plantão para crise no dia 27/10, véspera do segundo turno.

No Igarapé, que fica no bairro do Espinheiro, a agenda de plantões e palestras é extensa. São 13 profissionais envolvidos, entre psiquiatra, psicólogas e arteterapeuta. Também conta receber pacientes com crises de ansiedade, síndrome do pânico, uso de drogas abusivas. “Estamos vivendo uma comoção social diante desse quadro político que é para além do tema político; é social. O momento acionou o medo e o pânico em algumas pessoas”, diz Júlia Santos, psicóloga do Igarapé. A condução visa ouvir o paciente e direcionar para necessidades pontuais, como psicoterapia ou traçar estratégias de cuidados e buscar relacionar uma rede de apoio emergencial.

Na frase de Gustavo, um dos pacientes entrevistados, está a síntese do sentimento mais relatado por profissionais e pelos que têm buscado apoio psicológico: “O que vivemos é o medo do que está por vir daqui para frente”.

DEPOIMENTOS 

Alice Duque, 24 anos
“Eu acabei de me formar, estou sem emprego e a eleição só potencializa essa minha sensação de insegurança. Hoje eu vivo uma ansiedade grande, a gente se vê desamparada ao notar tudo caminhando para outro lado. É uma ansiedade de querer agir e não saber o que esperar do futuro. Vejo pessoas da minha família e de ciclos sociais declarando votos e eu fico pensando: "Como essa essa pessoa está complacente com um discurso me invisibiliza?". A véspera do primeiro turno tive um pico de ansiedade. Na apuração dos votos, tive crises de choro. Não somatizo nada geralmente, mas comecei a ter espinhas no rostos e o futuro fica na minha cabeça durante as noites. Tenho amigos LGBT e o sentimento deles também é de desesperança. O que conforta um pouco é que meus amigos próximos todos estão do mesmo lado.”

Gustavo Oliveira, 20 anos
Eu convido com pessoas LGBT e várias pessoas estão temerosas com essa onda conservadora que ameaça conquistas e projeta um retrocesso de direitos. É preocupante para mim porque o discurso que está sendo elaborado é o discurso de ódio e da violência. Estamos desenvolvendo a cultura do medo e essa cultura acaba desmobilizando pessoas. Cria-se angustia e até medo de sair de casa, de se ter liberdade de expressão. Há quem pense em recuar em vários pontos para criar estratégias de sobrevivência. Eu mesmo usava um adesivo do Juntas (mandato coletivo que conta com proposta LGBT e feminista), mas deixei de usar com receio. Só ando em grupos e vivo conjecturando, pensando na iminência do que vai acontecer no Brasil.”

Natalia *, 26 anos
“Faço terapia há mais de um ano. Mas tenho trazido essas questões eleitorais porque o momento tem gerado uma energia geral de medo e inquietação. Vejo notícias, ouço coisas. Eu mesma vivi uma situação que me tensionou bastante. Saí com minhas amigas para panfletar e enfrentamos a hostilização de uns caras que não gostaram da nossa presença porque eles defendiam o outro candidato. Tinham dois rapazes por perto. Eles ficaram gritando “é mentira, é mentira”, referindo-se ao panfleto que distribuíamos. Sacaram o celular e começaram a filmar a praça e filmaram a gente. Em seguida, pareciam ter mandado para alguém. Fiquei muito apreensiva. Fui embora. Fiquei pensando se devo panfletar de novo”.

* Nome fictício, a pedido da entrevistada

SERVIÇO

* Entrelaços
Plantão emergencial em tempos de crise 
Quinta-feira e sexta (25 e 26/10) - das 9h às 18h; 27/10, das 8h às 12h
Consultar demais horários
Contribuição livre
Rua Apipucos nº 1252 - Apipucos
Fone: 99772-8086

* Espaço Colibri
Plantão emergencial em virtude das eleições
Sábado (27/10) - das 10h às 13h e das 13h às 16h
Contribuição livre 
Rua da Soledade, nº 369 - Boa Vista
Fone: 99647-1234

* Igarapé Psicologia
Plantão emergencial em tempos de crise
Consultas diárias com horário a combinar
R$ 100,00 de contribuição
Palestras gratuitas de 19h às 21h dias 24 (hoje), 27, 28, 29 e 31
Rua Carneiro Vilela, nº 89 - Espinheiro
Fone: 3038-5447/ 99966-2341

CANAIS DE DENÚNCIAS

* Polícia Militar – 190
* Central de atendimento à Mulher - 180
 
* Delegacia Especializada da Mulher 
Praça do Campo Santo s/nº – Santo Amaro – Recife/PE
Fone: 3184 3352 /3354 3357
 
* Centro Estadual de Combate à Homofobia 
Rua Santa Elias, nº 535 – Espinheiro – Recife/PE
Fone: 3182 7665
 
*Centro LGBT 
Rua dos Médicis, nº 86, no bairro da Boa Vista,
 das 8h às 12h e das 13h às 17h. 
Fone: 3355-3456.
 
* Defensoria Pública de Pernambuco
Rua Marquês do Amorim, nº 127 - Boa Vista, Recife/PE
Fone: 0800 081 0129
 
* Ministério Público do Estado de Pernambuco
Avenida Visconde de Suassuna, nº 99 – Santo Amaro – Recife/PE
Fone: 3182 7411 - 0800 281 9455
 
Plataforma digital de denúncia de LGBTfobia no site da Prefeitura do Recife: http://bit.ly/DenunciaLGBTRecife
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