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O que os presidenciáveis dizem sobre a desigualdade, quais seus desafios?

Até hoje, nenhum ocupante do Planalto conseguiu fazer por completo: acabar com a enorme diferença de rendimento entre os mais pobres e os mais ricos no país. Confira o que cada pretende

Por: AE

Publicado em: 19/08/2018 09:54 | Atualizado em: 19/08/2018 11:18

No Brasil, em 2017, 13,7% dos domicílios recebiam dinheiro do Bolsa Família. Foto: Peu Ricardo/ DP.
Com R$ 5 no bolso, uma pessoa pode optar por pegar um ônibus, comprar um litro de leite e alguns pães ou, talvez, um quilo de feijão — se não tiver alguma conta para pagar. Para 14,83 milhões de brasileiros, isso não é uma escolha hipotética. No país, 7,2% da população têm menos que isso para viver por dia: R$ 4,53, pelos cálculos feitos este ano pela LCA Consultores, com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), relativos a 2017. Em outras palavras, seria possível ocupar quatro cidades como Brasília apenas com a parcela extremamente pobre da população, que precisa escolher diariamente entre comer um pão ou pegar um ônibus, e, muitas vezes, não consegue fazer nenhum dos dois.

O percentual que recebe até R$ 136 por mês — linha de corte adotada pelo Banco Mundial para definir a extrema pobreza — aumentou na comparação feita com 2016, quando 6,5% dos brasileiros estavam nessa situação, segundo o estudo da LCA. O cálculo usado considera todas as fontes de renda: trabalho, previdência, pensão, programas sociais, aluguéis e outras, ressalta o economista Cosmo Donato, que participou do levantamento, feito há cerca de três meses. “De lá para cá, a conjuntura piorou”, conta.

Quem vive o drama no dia a dia sabe bem disso. Poucos meses atrás, Kátia Maria Vitorina da Silva, de 32 anos, por exemplo, costumava juntar R$ 100 por semana catando lixo. A moradora da Estrutural, um dos bairros mais pobres do Distrito Federal, além de continuar na informalidade, agora não consegue mais que R$ 25 semanais, o que rende um total de R$ 100 por mês. Com a amiga Ilaney Ribeiro de Almeida, 46, também catadora de lixo e que tem renda similar, elas sustentam quatro crianças pequenas em um barraco no bairro. “A gente gasta nosso dinheiro com comida. Depois, se vira com o resto”, explica Ilaney.

Reajuste diferente
Ao mesmo tempo em que elas se desdobram para garantir o sustento das crianças, os 10% mais ricos da população abocanham 43,4% do rendimento total dos brasileiros, segundo o IBGE. Já os 10% mais pobres ficam com apenas 0,8% dos R$ 255 bilhões que a população inteira do país arrecadou em 2016. Um exemplo recente e sintomático dessa relação desigual é o reajuste de 16,38% que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovaram no início do mês para os próprios salários, que já são os mais altos do funcionalismo público brasileiro, de R$ 33,7 mil. Ano que vem, eles receberão R$ 39 mil, fora os auxílios e outras benesses. O salário-mínimo — aspiração de metade dos brasileiros, que vive com menos do que isso por mês, segundo o IBGE —, só será reajustado em 4,6% em 2019. Dos atuais R$ 954, passará a ser de R$ 998.

A explicação para o baixo aumento do salário-mínimo é o ajuste fiscal necessário para superar a crise, a mesma usada para boa parte das medidas de austeridade adotadas nos últimos anos. O problema é que, mesmo na recessão, são os mais pobres que sofrem mais. No ano passado, a renda média recuou para todos os grupos, mas, na base da pirâmide, as perdas foram piores. Enquanto os 5% mais pobres da população tiveram rendimento médio real de R$ 40 por mês em 2017 — o que configura uma queda de 18% em relação ao ano anterior (R$ 49), — a parcela 1% mais rica perdeu apenas 2,3% do rendimento médio mensal — que passou de R$ 15,9 mil para R$ 15,5 mil.

Distância maior
Ao cruzar informações do IBGE e da Receita Federal, o economista Adriano Pitoli, sócio da Tendências Consultoria, concluiu que a desigualdade de renda no Brasil é muito maior do que aparece nos dados convencionais. Isso porque os mais ricos costumam declarar rendimentos menores do que os reais nas pesquisas do instituto. Assim, famílias da classe A — que recebem mais de R$ 17.795 por mês  — são responsáveis por 37,1% da massa total de renda do país. Já as classes D e E, com rendimentos de até R$ 2.370, ficam com 14,7%.

A situação piorou nos últimos três anos, segundo Pitoli, devido à crise econômica, que afetou principalmente as famílias mais pobres. “Uma razão direta para isso é que muita gente ficou desempregada e ganhou um ‘passaporte’ para fazer parte das classes D e E”, afirma. Além disso, a recessão castigou mais os setores ligados ao consumo, como comércio e serviços, que puxaram o crescimento da economia entre 2010 e 2014, quando a desigualdade diminuiu. Essas áreas costumam empregar trabalhadores de menor qualificação e que, consequentemente, têm menor renda. “Ou seja, a crise foi pior justamente para quem costuma receber menos, o que explica boa parte da piora na desigualdade de renda”, aponta o economista.

Desde 2017, quando o país começou a se recuperar, outro problema veio à tona: o primeiro grupo que consegue sair da crise é o da classe A, enquanto os mais pobres continuam sem melhoras. Isso porque, em média, um em cada três chefes de domicílio que estão no topo da pirâmide são empregadores, desde grande empresários a donos de pequenas empresas. Durante a recessão, eles viram o lucro, responsável pelo rendimento deles, cair muito. Na recuperação, antes de pensarem em recontratar funcionários ou ajustar salários, os empresários procuram sair do prejuízo e voltar para o nível normal de ganhos.

Políticas específicas
Embora o Brasil tenha passado por uma recessão econômica que aumentou a distância entre ricos e pobres, esse fosso não foi criado nos últimos anos. O problema do país é estrutural, e não será resolvido quando a crise passar, a menos que o país tome o rumo de um desenvolvimento mais sustentável. Prova disso é que a leve recuperação da economia, com crescimento de 1% no Produto Interno Bruto (PIB) em 2017, não foi suficiente para reverter a situação. “O buraco é um pouco mais embaixo”, aponta o economista Cosmo Donato, da LCA Consultores.

Medidas como a expansão da política monetária adotada pelo Banco Central ajudam a atividade econômica a voltar a crescer e o país a gerar empregos, mas não são pensadas especificamente para incluir os mais pobres na economia, afirma Donato. “Estamos falando de pessoas que não se inserem muito bem nesse contexto. São as que têm acesso mais difícil ao mercado de trabalho, com menor capacitação, e que não serão beneficiadas em um primeiro momento. É uma situação bem mais difícil de ser combatida”, explica Donato.

Para o economista da LCA, é preciso pensar em políticas sociais específicas para o grupo menos favorecido. “No Brasil, isso ainda é algo muito incipiente. Há algumas políticas, mas não suficientes para tirar esse grande contingente de pessoas da pobreza. É preciso mais políticas, voltadas especificamente para esse grupo que tem mais dificuldade, inclusive, quando o país está em crescimento”, avalia.

Dinheiro para comida
No Brasil, em 2017, 13,7% dos domicílios recebiam dinheiro do Bolsa Família. Uma delas era a dona de casa Eliane dos Santos, de 24 anos, que conta com o programa para sustentar os três filhos pequenos: Miguel, Maria Eduarda e Júlia. O mais novo é Miguel, que tem apenas 11 meses. Com esse dinheiro, a prioridade é sempre comprar o mais básico: comida. “A gente se vira com o que a gente tem. Se der para pagar conta, paga. Mas comida vem primeiro”, conta.

Por isso, um dos pontos importantes para resolver o problema da extrema pobreza no país é a manutenção desse tipo de política, defende Donato. “Não simplesmente porque está dando dinheiro para as famílias, porque isso não necessariamente tira da situação de extrema pobreza, mas por impor que os pais coloquem os filhos na escola”, avalia. “Isso tem efeitos muito benéficos de longo prazo, porque só se rompe com o ciclo da pobreza quando se dão oportunidades. Começa com a educação básica.” 

O que os presidenciáveis dizem

Álvaro Dias (Podemos)
» Hoje, mais de 52 milhões de brasileiros vivem abaixo da linha da pobreza. O Estado não pode se omitir. É preciso investir em políticas assistenciais, não só para minorar os problemas, mas também para inserir as pessoas no ciclo produtivo. O programa Bolsa-Família deve ser mantido; porém, aprimorado com a adoção de medidas para estimular o desenvolvimento pessoal que garanta uma “porta de saída” efetiva na forma de qualificação profissional e empreendedorismo. É necessário promover a reformulação e a integração de todos os benefícios não contributivos (aposentadoria rural, BPC e os programas de assistência social Bolsa Família e Salário-Família) em um programa consolidado que use o Bolsa Família como modelo. É necessário refundar o Estado a partir da recuperação do seu papel como agente de desenvolvimento econômico e social. O país necessita de um Estado mais eficiente, ágil e mais barato, que acabe com privilégios e combata a corrupção, contribuindo para o aumento dos recursos disponíveis pelo governo para aplicação nas áreas fundamentais. A inclusão econômica deve combater a miséria e criar condições para que todos possam participar da produção e do consumo. A desconcentração de renda decorrerá também da geração de empregos qualificados e do investimento em educação infantil e básica.

Geraldo Alckmin (PSDB)
» O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Aqueles que estão no topo da pirâmide, ou seja, os 1% mais ricos da população, detêm cerca de um quarto do total de renda no país. E o pior é que esse quadro não apresentou alterações significantes nos últimos 10 anos. É o resultado de um Estado que gasta muito e mal, além de tributar os pobres mais do que os ricos. Apesar de gastarmos muito com educação (cerca de 6% do PIB), a maioria do gasto vai para o ensino superior, quando o foco deveria ser educação básica. Além disso, gastamos muito, mas mal: 92% dos brasileiros de 15 a 64 anos são analfabetos funcionais; a evasão escolar no ciclo médio é de 40%. Sem uma educação infantil, fundamental e média de qualidade não há como se ter igualdade na busca de oportunidades de uma vida decente. Também devemos aumentar o grau de formalização do trabalho e impulsionar a inclusão produtiva: 46% dos trabalhadores no Brasil são informais. Devemos aumentar os recursos destinados aos mais pobres e aos excluídos. Finalmente, devemos revisar o nosso sistema tributário para torná-lo socialmente mais justo. Enquanto os ricos são relativamente pouco taxados, os pobres são sobretaxados com impostos indiretos exorbitantes.

Guilherme Boulos (PSol)
» Uma agenda de combate à desigualdade e à concentração de renda no Brasil passa de forma mais imediata pela justiça tributária. Defendemos uma Reforma Tributária progressiva, que se concentre na elevação da tributação sobre renda, patrimônio, lucros e dividendos. Temos que tributar mais renda e patrimônio para criar condições para a redução gradual da tributação sobre consumo e produção. Vamos aplicar o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), um tributo já previsto na Constituição Brasileira. Também, criar uma faixa de Imposto de Renda, passando de 27,5% para 35% de alíquota. Finalmente, vamos voltar a tributar lucro e dividendo, algo que parou de ser cobrado durante o governo FHC. Vamos colocar um fim às desonerações fiscais, a “bolsa empresário”. Também defendemos a redução dos juros e regulação do fluxo de capitais. Combater a desigualdade também passa pela universalização dos serviços de saúde e educação, para que os cidadãos não precisem gastar a maior parte de seus salários na garantia de atendimento médico e em escolas e universidades particulares. Finalmente, apostamos pela ampliação de programas de transferência direta de renda, como o Bolsa Família, e de financiamento popular de moradia.

Henrique Meirelles (MDB)
» O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Em uma relação de mais de 150 países para os quais existem dados confiáveis, o Brasil ocupa a 10ª posição. Esse elevado nível de desigualdade está relacionado à desigualdade ao acesso à educação de qualidade, principalmente na infância. Como a qualidade das creches, da pré-escola, do ensino fundamental público é menor que das escolas privadas e as crianças de famílias pobres não têm recursos para colocar seus filhos nas escolas privadas, minha proposta é criar um programa similar ao ProUni, que concede renúncia fiscal para as universidades privadas que dão bolsas de estudo para jovens de famílias pobres, para as creches e pré-escola. As creches e pré-escolas privadas teriam um benefício fiscal para cada bolsa concedida a uma criança de família que estiver recebendo transferência do Bolsa Família. Com isto, pretende-se quebrar este circulo vicioso de pobreza e desigualdade.

João Amoêdo (Novo)
» Queremos um Brasil igual em regras para todos. Um país de oportunidades, com educação de qualidade para todos, não de oportunismos. O Estado brasileiro hoje é um grande concentrador de renda. Precisamos cortar privilégios e supersalários da elite do setor público e dos políticos. Queremos ter os mesmos salários e as mesmas regras trabalhistas e previdenciárias para o setor privado e o público. Além de eliminar todo tipo de Bolsa Empresário: fechar brechas, cortar subsídios, equalizar os tratamentos diferenciados.

Marina Silva (Rede)
» Apesar de termos avançado desde a redemocratização na distribuição de renda e no acesso a direitos, o Brasil ainda é um dos países mais desiguais do mundo. São mais de 52 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha de pobreza, com renda domiciliar per capita de US$ 5,5 por mês. Estamos em 79º lugar no ranking de desenvolvimento humano da ONU. Programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, são fundamentais para atender a situação emergencial das pessoas que se veem impossibilitadas de prover suas necessidades básicas. Estudaremos, ainda, as possibilidades da implantação de programa de renda mínima universal. O Brasil tem base para um grande salto no desenvolvimento social. Possui o Cadastro Único, com informações sobre mais de 20 milhões de famílias, e uma rede de atendimento com mais de 10 mil Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas). 

Lula (PT)
» Ativar a cidadania e promover a igualdade de direitos e oportunidades passam necessariamente por alterações substanciais na estrutura tributária brasileira, que concentra renda e tira competitividade de nossa economia. O plano de governo trabalha com a perspectiva de zerar a cobrança de Importo de Renda na base da pirâmide, aumentando o número de pessoas isentas, que passará a incluir todos que recebem até cinco salários mínimos. Para recompor a receita, o terceiro governo Lula vai taxar de grandes fortunas, criar um imposto de valor agregado (IVA) e voltar a tributar lucros e dividendos.O desemprego, que está atingindo níveis recordes, também tem um papel importante na concentração de renda. A reforma trabalhista do governo ilegítimo desequilibrou as relações entre capital e trabalho, em favor dos empresários, e precarizou ainda mais o emprego. Por isso, nos primeiros meses de governo, Lula implantará o Plano Emergencial de Empregos como passo inicial para devolver a dignidade a milhões de famílias que tanto sofreram pelo drama do desemprego. 

Os candidatos Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro (PSL) foram procurados, mas não responderam aos questionamentos até o fechamento da edição. A assessoria de Ciro, que tem respondido a todas as solicitações, não conseguiu cumprir o prazo desta vez, mas se colocou à disposição para as próximas. Bolsonaro, novamente, não justificou a ausência.
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