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Opinião Lucas Santos Jatobá : Rio, papel e lápis: um livro com arte Lucas Santos Jatobá é supervisor jurídico no TRF/5ª Região. Pós-grad. em Direito Penal e Administrativo

Publicado em: 14/12/2017 07:36 Atualizado em: 14/12/2017 07:42

Aquele anônimo que disse ser o desenho, feito a partir de fotografias, ou mesmo tirado da memória afetiva, mais próximo à realidade do que a própria fotografia, parece que encontrou, em Cássio Loredano, um fiel seguidor: traços tão simples, despojados e, ao mesmo tempo, ricos de significados e de críticas; de beleza e de denúncia; de clamor pela preservação das paisagens – naturais e urbanísticas – que ainda teimam em resistir às implacáveis ações e intervenções do homem e do tempo.

Loredano comenta, brevemente, cada um dos sessenta e dois desenhos do seu livro Rio, papel e lápis, lançado, em 2015, pelo Instituto Moreira Salles – IMS, no bojo das comemorações alusivas aos 450 anos da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, sendo de realçar que seus textos intercalam leves contextualizações históricas com rápidas e bem-humoradas impressões sobre personagens e episódios associados ao prédio ou ao monumento focado – ou de parte do que restou.

Longe de romantismos ou pieguismos, o Rio desenhado por Loredano ainda existe, sim, para muito além da roubalheira de alguns dos seus governantes ou dos problemas multisseculares de que a Cidade Maravilhosa é vitimizada, sendo, em contrapartida, depositária da inigualável riqueza de seus recortes topográficos ou da monumentalidade arquitetônica de várias edificações, inclusive dos períodos colonial e imperial, peculiarmente interrelacionadas com o contemporâneo, nos traços de Loredano.

Nas palavras do artista: Rua do Catete: “casario de uma quadra, entre o nº 170 e a rua Silveira Martins, em frente ao Palácio, que as árvores têm a bondade de deixar a descoberto”; Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro: “houve gente que não votasse quando há alguns anos inventaram um concurso para se saber o que o carioca achava a coisa mais bonita do Rio, porque entre os candidatos não a tinham posto”; estação marítima das Barcas: “praça XV de Novembro, velho pátio agora sem a excrescência urbanística que era a malparida Perimetral. Como passa mulher bonita neste lugar o dia todo,  meu Deus.”; Igreja de São José: “coitada da igreja. À sua direita puseram este estrupício do edifício da Assembleia Legislativa, que Manuel Bandeira detestava. Aquilo já foi o lugar da cadeia pública. Rua da Cadeia é o antigo nome da rua da Assembleia”; Biblioteca Nacional: “tem gente que acha Rio Branco, 219, o endereço mais importante do Brasil. Acho o luso D. João VI um grande brasileiro por dois feitos: trouxe a biblioteca e não a levou de volta”.

Consta que Loredano, renomado caricaturista (Pasquim, Jornal do Brasil, O Globo, El País, O Libération e Frankfurter Allgemeine) não costuma dirigir veículo, preferindo utilizar ônibus ou, simplesmente, passear a pé – e olhar, sempre olhar – pelas ruas e histórias da colonial e pós-moderna, lírica e caótica, rica e contrastantemente pobre e bela metrópole, espoliada pelo jugo de muitos escroques empoderados que concorrem para o alarmante nível de violência que a todos espreita ou atinge. Participou o artista, recentemente, com suas ilustrações, de homenagem aos Patronos e Fundadores da Academia Brasileira de Letras, como parte das comemorações dos 120 anos da ABL.

Theatro Municipal, Largo da Carioca, Igrejas (Candelária, Santa Cruz dos Militares, Mosteiro de São Bento, etc.), Paço Imperial, Confeitaria Colombo, Bairro de Santa Tereza, arcos, avenidas e institutos, antigos colégios (D. Pedro II), Rua do Ouvidor, fachadas de prédios, Gabinete Português de Leitura – “por fora impressionante, por dentro, deslumbrante” – e muitos outros locais, merecem ser vistos ou revisitados, sob a perspectiva de Cássio Loredano, porque fiel à genuína alma carioca. . 


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