Opinião Fernando Araújo: A injustiça mata Fernando Araújo é advogado, professor, mestre e doutor em Direito

Publicado em: 16/11/2017 07:11 Atualizado em:

Conhecido frevo de Capiba do início dos anos 1960 – Madeira que Cupim não Rói – relata injustiça sofrida pelo bloco Madeira do Rosarinho. Ariano Suassuna gostava de cantá-lo. Nele há uma frase antológica: “a injustiça dói”. Lembrei-me dele enquanto lia e ouvia pela mídia nacional os fatos relacionados com o suicídio do reitor da Universidade de Santa Catarina – UFSC, Luiz Carlos Cancellier de Olivo. O noticiário dá conta de vários erros na investigação. O magnífico teria sido constrangido e humilhado por falhas gritantes na condução do inquérito, o que o desestabilizou emocionalmente, conduzindo-o à morte. Apurava-se na UFSC desvios de recursos federais do ensino à distância. O reitor não estava sendo acusado desses desvios, mas de ter obstruído um processo administrativo no âmbito da universidade. Sem que as coisas fossem bem esclarecidas, foi pedida a sua prisão cautelar. Ele também acabou privado de frequentar seu local de trabalho. A crônica do suicídio narra lances dantescos. Como o de uma autoridade policial que interrompeu o interrogatório do acusado para dar entrevista à televisão (revista Veja – 11-11-2017). Enquanto isso, o investigado, que havia saído de casa sem o café da manhã, aguardava. Por ser um homem, ao que tudo indica, de vergonha e moral, não se recuperou mais, mesmo depois da soltura. Dias depois, atirou-se do 7º andar de um shopping em Florianópolis. Queda de 37 metros e morte instantânea. Fim de um homem! Também de uma família, que jamais será a mesma. Para explicar esse ato extremo, psicólogos dizem, a exemplo da profissional alemã Evelin Lindner, que “A humilhação é a bomba nuclear das emoções”. Ou, no conceito do psiquiatra Neel Burton, professor em Oxford, “As pessoas que foram humilhadas carregam a marca da humilhação; são lembradas pela humilhação. Em sentido real, elas se tornam a própria humilhação que sofreram”. Combater a corrupção sistêmica é um grande desejo da nação. Mas sua condução exige das autoridades prudência, temperança e respeito a regras processuais, legais e jurídica, principalmente ao sagrado princípio do devido processo legal. Não podemos alimentar a era da vingança, de que fala Márcio Chaer, por meio da qual, “Quem um dia se sentiu chicoteado agora quer chicotear...”. Ou apurar as coisas de forma açodada. A autoridade precisa ter e aperfeiçoar várias qualidades, entre outras, ser honesta, inspirar confiança, ser responsável, respeitosa, afável, justa e bom ouvinte. Ter cuidado para sua ação não resvalar para o abuso. É nessa linha de raciocínio que o psicólogo Mário Gonçalves Viana fez o elenco dos chamados desvios perigosos que devem ser evitados pelas autoridades no cumprimento dos seus deveres. Destaco um deles, por parecer mais adequado ao caso. E também por lembrar o poema Mosca Azul, de Machado de Assis. Esse inseto, depois de picar as pessoas, as fazia sonhar com o poder e riquezas. Diz então o professor Mário: “Não pretendas desarvoradamente o poder e a força, pois aquele pode corromper as consciências e levar à prepotência. Se fores forte, não abuses de tua força, porque isso é covardia; nem a coloque a serviço do mal, que é indignidade...”. Que esse exemplo doloroso possa evitar outros casos de injustiça que apenas não doem, mas que matam. É isso.

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