Diario Editorial: Desarmar é preciso

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 23/10/2017 07:01 Atualizado em:

Um estudante de 14 anos, depois de assistir à aula, sacou uma pistola .40 e fez 10 disparos contra os colegas de sala. Dois adolescentes morreram no local e quatro ficaram feridos — três estão em estado grave, e um não corre risco de morte. A tragédia ocorreu no Colégio Goyases, em Goiânia. O atirador usou a arma da mãe, policial militar. Em abril de 2011, um homem de 23 anos e ex-aluno da escola municipal de Realengo, no Rio de Janeiro, invadiu a instituição e atirou contra os estudantes em sala da de aula. Onze crianças morreram e 13 ficaram feridas.

Os lamentáveis episódios consternam a sociedade. E param aí. Hoje, o Brasil ocupa a 10ª posição no ranking no mundial de homicídios por arma de fogo. Por ano, são 60 mil assassinatos, sendo 71% por artefato bélico. Mata-se mais em solo brasileiro do que em áreas conflagradas, como a Síria, em guerra civil. Na contramão da realidade, o Congresso Nacional avança na aprovação na surdina de projetos que, ao fim, vão desmanchar o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826), em vigor desde dezembro de 2003.

Políticos — boa parte deles com campanha financiada pela indústria bélica — difundem a ideia de que, ante o avanço da violência, a população tem que se armar para enfrentar os criminosos. Pura falácia. Tanto os especialistas quanto os gestores das políticas públicas de segurança são enfáticos ao garantir: mais armas, mais mortes. As campanhas de desarmamento deflagradas, logo após a edição do Estatuto, evitaram mais de 130 mil mortes por armas de fogo, segundo o Mapa da Violência e outros estudos dos renomados especialistas Gláucio Ary Dillon Soares e Daniel Cerqueira.

As armas de fogo não só enlutam as famílias. Custam caro ao bolso do contribuinte e à economia do país. Os homicídios impactam a população economicamente ativa. O tratamento e as sequelas deixadas nos sobreviventes rebatem no caixa do Estado. No estudo *Morbidade por acidentes e violências no Brasil *(2014), o Ministério da Saúde estimou em R$ 250 milhões as despesas com internações na rede pública decorrentes dos artefatos. Entre 2011 e 2013, o Ministério da Justiça gastou perto de R$ 11 milhões com indenizações da Campanha do Desarmamento. Ou seja, menos dinheiro para preservar vidas.

A marcha dos armamentistas não vai parar. A indústria bélica nacional superou a Alemanha na exportação de armas. Os ganhos estão ocultos em caixa blindada. Tem lastro financeiro suficiente para bancar campanhas e lobby em defesa dos seus interesses. Para preservar o Estatuto do Desarmamento, é preciso que a sociedade reaja e se posicione contra o comércio da morte, assim como o faz para impedir o desmatamento da Amazônia e a retomada da censura. Conservar o Estatuto é lutar pela vida. Ninguém consegue antever quem será a próxima vítima, seja pela ação de um jovem que se sentia vítima de bullying, seja pelo marginal que matou um policial para lhe roubar a arma e cometer um homicídio adiante.

Impor um ponto final a tantas tragédias passa, sem dúvida, pelo desarmamento da população civil, em ação permanente e radical. Mas não só isso. O Estado precisa rever e estabelecer um plano de segurança pública, que não seja apenas para passar a sensação de proteção ao cidadão, mas que lhe confira garantias de que não será a próxima vítima ao dobrar a esquina.


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