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Opinião Maurício Rands: O grande ausente na minirreforma eleitoral Maurício Rands é advogado, PhD pela Universidade Oxford, professor de Direito da UFPE

Publicado em: 14/08/2017 07:25 Atualizado em:

Amanhã a comissão especial da Câmara dos Deputados deve concluir a votação dos destaques ao relatório do deputado Vicente Candido (PT-SP) na PEC 77/2003, a da minirreforma eleitoral. Duas inovações chamam atenção. O chamado ‘Distritão’, em que são eleitos os deputados mais votados independentemente do quociente eleitoral próprio do atual sistema proporcional. E o Fundo Especial de Financiamento da Democracia, sujeito ao teto dos gastos públicos e formado por 0,5% da Receita Corrente Líquida (RCL) da União, previsto em R$ 3,6 bilhões. Que se junta a outros financiamentos públicos como o fundo partidário de R$ 819 milhões e a renúncia fiscal da propaganda de rádio e tv. Além dessa proposta, outra que proíbe as coligações partidárias nas eleições para o Legislativo (PEC 282/2016) também pode ser votada em comissão especial.

O problema é que a distribuição dos recursos da campanha vai ser feita pelas cúpulas partidárias, que nada têm de democráticas. A partilha vai beneficiar, por exemplo, candidaturas a deputados de partidos sem candidatos a presidente ou governador. Sem o gasto com a majoritária, sobrarão mais recursos para as candidaturas a deputado. Isso na melhor das hipóteses de que as burocracias partidárias não favoreçam seus apaniguados. Algo pouco provável.

Alguns defensores do ‘Distritão’ argumentam que sua adoção pavimentaria o distrital misto para 2022. Algo também pouco provável. O sistema distrital misto, à moda alemã, confere dois votos a cada eleitor. Um para a pessoa do candidato num distrito mais reduzido do que o ‘Distritão’. Outro para a lista partidária. O tamanho de cada partido no parlamento é fixado pela proporção de votos por ele obtidos no segundo voto, o da lista partidária. Argumenta-se que aí haveria a combinação do melhor dos dois mundos: a identificação com as qualidades pessoais do candidato e a representação de valores, programas e projetos, inerente ao voto nos partidos. Por aí se vê que no sistema distrital misto a questão partidária-programática assume relevância.

No Brasil, cogita-se modificar o financiamento das campanhas e o sistema eleitoral. Mas não se fala de uma pré-condição essencial para que as duas mudanças possam ter êxito: a democratização da vida interna dos partidos. Hoje prevalece um dogma implícito. Como o art. 17, §1º, da CF/88 fala da autonomia partidária, não se propõem regras de democratização interna dos partidos. Essa ausência de normatização da vida partidária, em nome de uma abstrata autonomia, produz o resultado oposto. Os militantes de base e simpatizantes ficam sem qualquer poder de influenciar os partidos. Reduzidos a massa de manobras e manipulações. Mas, afinal, que são os partidos senão instrumentos de participação política da cidadania? Se os militantes e cidadãos neles não têm voz, pode-se falar de autonomia partidária? Ou apenas de autonomia das aristocracias partidárias?

Esse problema da autonomia versus democratização dos partidos está sendo o grande ausente do debate sobre a minirreforma. Para que o país caminhe para um sistema político menos disfuncional vai ser necessário criar um conjunto de regras que impeçam a cristalização de poder das oligarquias partidárias. Talvez tenha chegado a hora de criar normas rígidas de procedimentos para as principais deliberações partidárias. Podem-se utilizar mecanismos de participação dos filiados através da internet. O voto digital, que virá no futuro para todo o eleitorado, já poderia começar a ser praticado em decisões internas dos partidos. Como nos casos da política de alianças, das candidaturas e da repartição dos recursos de financiamento das campanhas. Essa democratização dos partidos vai ser crucial para a democratização do sistema político como um todo. Trata-se de pré-condição para o aperfeiçoamento do sistema na direção do voto distrital misto e do parlamentarismo.


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