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Opinião Luzilá Ferreira: Eles não estavam lá Luzilá Ferreira é doutora em Estudos Literários pela Universidade de Paris VII e membro da Academia Pernambucana de Letras

Publicado em: 18/07/2017 07:36 Atualizado em:

Praga, mais que linda cidade, cenário de cinema  prédios seculares de cores claras. Na praça Wenceslau, nomenclatura recuperada do que se chamou Praça do Exército Vermelho, não como turista apressada, que faz fotos para mostrar aos amigos que estiveram lá, busco um monumento a Ian Palach,estudante checo que ali se imolou, protestando contra a ausência de liberdade, iniciando a chamada Primavera de Praga, marco da resistência à dominação soviética em 1969. Queria apenas um momento pensar nele, uma dessas pessoas que ainda acreditam em solidariedade, diante do monumento que levou 25 anos para ser aprovado. Nada na praça, além da estátua a Jan Huss, o precursor da Reforma, antes de Calvino, de Lutero. Nem consigo encontrar a discreta cruz, de que me falaram, lembrando Ian, no solo da praça apinhada de turistas desatentos. Decepção. De volta ao lar, no Google, encontro foto de monumento inaugurado em 2017 num distante povoado checo, se bem entendi. 

Além de Ian Palach, queria encontrar a casa, entre aquelas baixinhas e coloridas no Castelo no alto da cidade onde se instalou o império austo-hungaro, aquela onde teria nascido um dos maiores poetas que a humanidade produziu, Rainer Maria Rilke. Lembrava-me dos poemas nos quais falava da presença do pai, do vulto discreto da mãe ao piano ou vigiando o sono do filho, no quartinho estreito e escuro, por um momento afastada da habitual roca de fiar. O encontro não aconteceu. A dona de antiquário de velhos papéis, me informou, não sabia, não existia mais, “mas ele só fez nascer aqui, escreveu em alemão, em francês.” E explicou ante meu espanto: “Só tenho dele alguma coisa, mas em checo.” Falou-me do excepcional Mucha (pronuncie-se algo como Mirra) que Paris acolheu no começo do século 20, um dos maiores expoentes da chamada Art Nouveau na Europa. Num jarro, ao lado da caixa, havia entretanto um ramo de cravos.

Ofereceu-me um botão róseo, quando falei que há anos não via essa flor, sempre nos buquês das noivas de outrora. E que eu trouxe comigo, amassado e enroladinho num lenço, pra escapar do controle de vegetais na alfândega brasileira. O botão se cumpriu em flor e só ontem, quinze dias depois de colhido, murchou. Mas na flor seca vai permanecer, entre as páginas de um livro, as lembranças de Rainer e de Ian.
 


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