Opinião Luzilá Gonçalves Ferreira: A falta que ele nos faz Luzilá Gonçalves Ferreira é doutora em Letras pela Universidade de Paris VII e Membro da Academia Perambucana de Letras

Publicado em: 20/06/2017 07:35 Atualizado em:

Em 1985 ele imaginava que uma “utopiazinha nossa” poderia sim, se realizar. Escrevia: “É hora de passar o Brasil a limpo” (...) E acrescentava: “Para construir a beleza de nação que podemos ser. Havemos de ser! Para tanto é indispensável impedir o passado de construir o futuro, o futuro, quero dizer, tirar da gente que nos regeu e infelicitou através dos séculos, o poder de continuar conformando-deformando nosso destino.” Darcy Ribeiro escreveu essas palavras num livro intitulado Aos trancos e barrancos, como o Brasil deu no que deu, um longo e extraordinário, bem documentado, sério e muitas vezes gaiato relato de nossos feitos e defeitos, ano por ano, desde 1900, governo de Campos Sales, um “campineiro reacionário, bem falante e bonachão” que implantou a estrutura de poder da Repúbica Velha, até 1980. Desde então a gente que nos infelicitou, lembra Darcy, só faz lucrar e enricar, um “desfazimento espantoso de povos pelos genocídio e pelo etnocidio”, milhões de índios, de negros que se juntaram aos escravos modernos e formaram este “povão mestiço na carne e na alma em busca de seu destino”.
Vez em quando a TV Cultura reapresenta a figura querida, forte e comovente desse educador, etnólogo, sociólogo, político, escritor, poeta, acadêmico, sempre inquieto, se reinventado, se construindo o personagem que tantos de nós quereríamos ser. No final da vida, doente terminal ele foge do hospital, com a ajuda de amigos, para poder escrever seu último livro, um dos mais completos e lúcidos retratos do pais, suas vitórias e, ai de nós, mazelas. Para a juventude da Universidade de Brasilia, que ele ajudou a fundar com o grande brasileiro que foi Anisio Teixeira, ele teve palavras de carinho e incentivo, numa espécie de confissão comovida e bem humorada, que mesclava testemunho e exortação. Falava da doença que o vencia, pedia que continuassem a crer. Afirmava: “Só há duas opções nesta vida:  se resignar ou se indignar, eu não vou me resignar nunca”. Confessava-se exausto de viver, ‘mais querendo mais, mais amor, mais travessuras.” Em livro de memórias publicado pela Companhia das Letras ele escreveu: “Vivi sempre pregando, lutando como um cruzado pelas causas que comovem, Elas são muitas demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária. Na verdade somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que me venceram nessas batalhas.”  Darcy nos deixou há muitos anos, mas esta sua afirmação continua válida, diante de nosso quadro político atual: “O povo brasileiro está órfão. É um corpo sem cabeça.” E aquelas palavras no prefácio de Aos trancos e barrancos ainda soam como uma chamada: “É hora de passar o Brasil a limpo”.

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