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Diairo Editorial: Livro polêmico

Publicado em: 12/06/2017 06:59 Atualizado em:

A polêmica sobre a adoção do livro Enquanto o sono não vem, de José Mauro Brant, traz ao debate mais que a obra em si. Levanta a questão dos critérios adotados pelo Ministério da Educação na compra de textos que são distribuídos às escolas públicas do país. Volta e meia surgem questionamentos que põem em xeque o fundamento que justifica a tão importante escolha.

Há pouco, livro distribuído aos alunos do Ensino de Jovens e Adultos (EJA) considerava correta a concordância “nós pesca o peixe”. Para os estudantes de linguística, tal afirmativa é procedente. Eles se encontram em patamar que os obriga, por dever de ofício, a analisar as diferentes realizações linguísticas sem o julgamento de certo ou errado. Preocupam-se com o adequado ou o inadequado.

Não é o caso das pessoas que lutam para aprender a norma culta — a única que lhes abre as portas das boas universidades, dos disputados concursos ou dos empregos que asseguram salário apto a permitir ascensão na pirâmide social. A fala que desconhece as regras elementares de flexões, concordâncias, regências e colocações lhes é familiar. Elas buscam na escola o salto qualitativo de que tanto precisam.

O mesmo raciocínio se aplica ao controvertido Enquanto o sono não vem, que motivou debates entre pais e professores. A narrativa que conta a história da princesa assediada pelo pai (o rei que pede a filha em casamento), traz à luz o tema do incesto. Trata-se de assunto importante que, em algum momento, deve ser tratado nas salas de aula. Mas, mesmo o mais liberal dos críticos, pode imaginar que é inadequado para crianças de 6 a 8 anos, que nem sequer completaram o ciclo da alfabetização.

Procede, pois, crítica da especialista em psicologia Maria de Fátima Guerra de Sousa, da Universidade de Brasília, que considera a inclusão do livro na lista de obras destinadas à educação infantil é “despropositada para a idade indicada”. O conteúdo, segundo ela, não precisa ser trabalhado com criança pequena, mas com adolescentes, que, mais maduros, podem ler criticamente sobre o sensível tema exposto na história e analisar causas e consequências para algozes e vítimas.

O Ministério da Educação recolheu os 93 mil exemplares para bibliotecas públicas. Nem por isso, pais, professores e a sociedade em geral devem despreocupar-se. É importante que se dê luz aos critérios que levam à aprovação de determinados livros e à reprovação de outros. Sem isso, e sem a rigorosa fiscalização dos setores competentes, concretizar-se-á a suspeita de que a educação pública — essencial para tirar o país do subdesenvolvimento — continuará principesca no discurso, mas borralheira na prática.


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