DIARIO Editorial: O encontro da chispa com a palha seca

Publicado em: 25/05/2017 07:51 Atualizado em:

Os acontecimentos ontem em Brasília, da violência do protesto à decisão do presidente Michel Temer de recorrer às Forças Armadas, são uma evidência de que chegamos a uma perigosa encruzilhada: aquela em que a chispa se aproxima da palha seca. 

A palha seca são um governo e um Congresso cambaleantes, frágeis no quesito legitimidade e credibilidade, em combinação com a crise econômica do país e a crise moral da política. A chispa é a insatisfação popular. Se uma e outra se encontram, entramos no território da imprevisibilidade. Somos otimistas, acreditamos que isso não vai acontecer, mas como hipótese é importante considerá-la, até para contribuir no sentido de evitar o desfecho indesejado.

O problema é que a chispa tem vontade própria — ou seja, a insatisfação pode chegar a um nível tão elevado que as pessoas não observam limites nem consequências. Agem no imediato, extravasando sua ira. Além disso, a chispa também pode ser insuflada — ocasião em que se abre espaço para provocadores  e elementos infiltrados nas manifestações ou em outros atos. Não desprezemos esta possibilidade como se fosse mais uma teoria da conspiração; sempre há setores, grupos e movimentos (de todos os matizes) que lucram com o caos, ou apostam que vão lucrar com ele. Já vimos isso na nossa história. 

A política nacional, aí considerados Executivo e Legislativo, tem desprezado solenemente o potencial convulsionador da chispa. Faz isso pelo menos desde as Jornadas de Junho de 2013, quando milhões de brasileiros foram às ruas participar de manifestações que pareciam ser contra tudo e todos, mas que em resumo apontavam para as rachaduras do modelo de representatividade. Como se em uníssono dissessem: “Vocês não nos representam”. 

A julgar pelo que aconteceu depois, não foram ouvidos. Quem andava buscando e carregando malas de dinheiro de um lado para outro, continuou sua trêfega movimentação. Para completar, as dificuldades econômicas com todas suas consequências — desemprego, queda do poder aquisitivo, lojas e empresas fechando aos borbotões — desceu como um raio sobre a população. E, nos últimos meses, esta mesma população deparou-se com propostas de reformas (independentemente de serem corretas) que geram insegurança, na área do trabalho e da Previdência. 

A ambiência para a explosão da insatisfação — ou, dita de outra forma, da corrida da chispa para alcançar a palha seca — está formada. O que ocorreu ontem em Brasília precisa ser investigado, para apurar eventuais ações de provocadores que só querem causar distúrbios. E o poder público tem o dever de garantir a segurança (ainda que sem o exagero da decisão do presidente da República, que convocou as Forças Armadas, medida que passa a ideia mais de fraqueza do governo do que de força). Mas é preciso agir com responsabilidade cívica e prudência, sensível ao sentimento popular. Fora disso o que tem lá fora são as chamas.


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