Opinião José Luiz Delgado: Apócrifo José Luiz Delgado é professor de Direito da UFPE

Publicado em: 26/04/2017 07:34 Atualizado em:

Deixo de lado as acusações pessoais de que fui vítima (não vale a pena perder tempo com tais indignidades), num artigo que, contra dois textos que escrevi recentemente, pretendeu defender a legalidade e a decência dos %u201Cauxílios%u201D pagos aos juízes (e também aos membros do Ministério Público e também aos deputados).

Consideremos apenas a forma e o conteúdo. A forma é indigente e dá pena. Texto rebuscado, empolado, gongórico, com termos ou arcaicos demais ou até inexistentes. O adjetivo %u201Ciscnos%u201D não aparece nos dicionários... E qual era mesmo o objeto do verbo %u201Cimplementam%u201D no segundo parágrafo? Melhor foi o %u201Capócrifas%u201D do título e do texto. Quer dizer que meu texto é %u201Capócrifo%u201D? Imagino que o ilustre juiz queria dizer %u201Cimprocedente%u201D, %u201Cinfundado%u201D, coisa assim. Mas, apócrifo? Segundo os dicionários, %u201Capócrifo%u201D é o que não tem autenticidade, ou cuja autenticidade não se provou, ou é de autor desconhecido. Diz respeito à autoria, não ao conteúdo. O artigo do juiz é belo exemplo do %u201Cjuridiquês%u201D com que certos dos seus colegas (e também certos advogados e certos promotores) pensam que, falando arrevesado e complicado, impressionam os pobres dos leigos comuns que deles dependem.

Quanto ao conteúdo, o que resta, retiradas as ofensas? Deveria o autor demonstrar como e por que o auxílio-moradia, e outros auxílios mais, são, para os juízes (e também para aquelas outras categorias), primeiro, devidos e, segundo, não integram a remuneração, sendo autênticas %u201Cverbas indenizatórias%u201D, ao passo que, para os brasileiros comuns, fazem parte da remuneração, constituem um dos itens a que a remuneração deve atender. Também deveria demonstrar como e por que o teto constitucional pode e deve ser ultrapassado pelos magistrados, graças a esses expedientes. A única alegação é que os auxílios são %u201Cde inteira legalidade%u201D porque aprovados pelo CNJ. E daí? O assunto ainda está pendente de decisão pelo Supremo, e se espera que a austera presidente Carmen Lúcia ouse enfrentar o deslavado corporativismo. Por qual razão os juízes (também os deputados e os membros do Ministério Público) deveriam ser uma casta à parte, a eles se concedendo (de fato, se autoconcedendo) todas as regalias?

Tenho certeza de que boa parte da magistratura pernambucana (e também do Ministério Público) não subscreve o ponto de vista arrogante, egoísta, defensor de privilégios de castas, do autor do artigo. Sei de vários que somente recebem tais auxílios muito constrangidos, por conta da pressão desse infeliz e despudorado corporativismo.

Ao cabo, só resta, do artigo, o parágrafo final, em que o autor reconhece, contraditoriamente, que o expediente desses auxílios veio para compensar %u201Ca ausência de aumento salarial%u201D. Ou seja, reconhece que são parte da remuneração, sim, são forma disfarçada de remuneração, sim; não são %u201Cindenizações%u201D. Somente espero que as sentenças do ilustre Meritíssimo não contenham contradições iguais.

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