Opinião Vinícius Ximenes e Paulo Santana: A atenção primária precisa de Mais Médicos "A atenção primária à saúde é o caminho para termos uma proposta de saúde mais equânime"

Por: Diario de Pernambuco

Publicado em: 28/07/2016 07:06 Atualizado em:

Por Vinícius Ximenes
Médico e professor da Universidade de Brasília

Por Paulo Santana

Médico e professor da UFPE

Queríamos, como professores universitários e sanitaristas, fazer uma reflexão que sensibilize os Ministérios da Saúde e da Educação no momento atual. Há 38 anos, a Conferência Mundial de Alma Ata, promovida pela OMS, enunciou o lema Saúde para Todos no Ano 2000. Havia a clara perspectiva que a atenção primária à saúde, através de equipes com profissionais preparados para atuarem em cenários comunitários, priorizando os grupos sociais mais vulneráveis e tendo forte componente de participação popular para organizar os serviços.

Estamos em 2016 e saúde para todos ainda não é uma realidade. Mas há um consenso entre a maior parte de especialistas e gestores de que a atenção primária à saúde é o caminho para termos uma proposta de saúde mais equânime.

Mas apesar de termos hoje pouco mais de 60% de cobertura de atenção primária como realidade no Brasil, a discrepância entre investimento voltada a este nível de atenção em relação a serviços hospitalares é abissal. Muitas vezes os profissionais são competentes, resolvem a maior parte dos problemas de saúde nos centros de atenção básica, mas há um isolamento de equipes de saúde da família frente a outros serviços nas redes de atenção à saúde, que leva à falta de exames mínimos, de referência apropriada quando é oportuno se encaminhar o paciente. A falta de infraestrutura para a abordagem de urgências básicas  na atenção primária e a sobrecarga de atendimentos, com muitas equipes beirando ou ultrapassando 4.000 pessoas por cada uma, são desafios que impactam e desanimam muitos médicos, enfermeiros, dentistas, técnicos de enfermagem e de saúde bucal, e agentes de saúde nesta longa caminhada que iniciou em 1994. Em Pernambuco, tivemos nos anos 1990 e início dos anos 2000 o grato exemplo de Camaragibe.

Há um predomínio de doenças crônico-degenerativas, que demandam cuidados contínuos, acessíveis e próximos a casa das pessoas. Há uma emergência e reemergência de doenças infecto-contagiosas como dengue, zika, chinkungunya, e  questões como a violência, a drogadição lícita (como o álcool) e ilícita (como o crack), os problemas de saúde mental com largo predomínio da depressão e ansiedade, que demandam manejo comunitário e familiar. Estudos de ecologia médica feitos desde a década de 1960 mostram que uma população de 1.000 habitantes atendida por uma rede integrada de serviços de saúde baseados na atenção primária, que 250 pessoas vão demandar efetivamente cuidados de uma equipe de saúde em um mês. Destes, a maior parte (entre 80 a 90% dos problemas) de saúde pode ser resolvido pela atenção primária, pois sendo este serviço eficaz e eficiente, somente nove pacientes vão demandar internação hospitalar e somente cinco vão demandar referência para ambulatórios especializados.

Assim, em tempos de pronto socorro lotados, enfermarias insuficientes, filas e sofrimento de nossa população, é necessário reforçar e priorizar a Estratégia Saúde da Família como um caminho para estruturamos nosso sistema de saúde.

O Programa Mais Médicos deu um importante passo para iniciarmos esta caminhada da consolidação da atenção primária. Em nosso estado, 161 dos 185 municípios do estado são atendidos pelo programa, que tem proporcionado cobertura a mais de 2 milhões e 500 mil pessoas. Além de prover profissionais, o Mais Médicos tem a proposta de mudar quantitativa e qualitativamente a formação de médicos no Brasil, valorizando uma formação clínica geral mais sólida, com escolas médicas melhor distribuídas em nosso território e provendo de forma adequada a quantidade de profissionais necessária para que a médio e longo prazo sejamos menos dependentes da importação de profissionais estrangeiros.

Esperamos que as mudanças que afetam o horizonte geral da política no Brasil tenham equilíbrio, e que as que porventura ocorram dialoguem e levem em consideração o trabalho de mais de 53 instituições de ensino e escolas de saúde pública que vem realizando a tutoria e supervisão do programa, acompanhando cada médico nos mais diversos rincões do país. Em Pernambuco, sem a UFPE, UNIVASF, UPE e IMIP, nada do que foi alcançado seria possível.

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