Gemba: uma sorveteria inesquecível
João Alberto Martins Sobral
Jornalista
Publicado em: 17/03/2023 03:00 Atualizado em:
No início dos anos 1900, as confeitarias e lanchonetes do Recife e região, até então frequentadas exclusivamente por homens de negócios, começaram a oferecer sorvetes em seus menus. Com isso, esses espaços passaram a ser utilizados também por famílias inteiras para formaturas, homenagens, recepções e aniversários. Foi assim que surgiram as primeiras sorveterias pernambucanas. Vou relembrar algumas delas, com o auxílio de Gustavo Agra, que escreveu o livro No Tempo das Sorveterias.
Gemba Sorveteria: Em 1931, voltando de Belém, onde foi aprender a fazer sorvetes com um irmão, o imigrante japonês Heiji Gemba, que nasceu na cidade de Okayama e chegou ao Recife em 1927, com oito anos, começou a produzir, em casa, seus próprios sorvetes, que vendia nas ruas próximas, em cima de um carro de mão. O sucesso foi tão grande que decidiu abrir um espaço físico, utilizando 20 contos de reis que tinha economizado. Em 1932, comprou máquinas Westinhouse, importadas dos Estados Unidos, alugou uma casa na Praça Joaquim Nabuco, uma das áreas mais valorizadas do Centro do Recife. Era chamada Sorveria Japonesa, no local onde hoje existe uma livraria Luz e Vida. Foi um sucesso imediato, chegando a vender mais de mil sorvetes por dia. Funcionou até 1941, quando foi apedrejada por fanáticos dentro da perseguição aos imigrantes japoneses na 2ª Guerra Mundial. Com medo de morrer, fugiu com a família para Garanhuns, onde foi acolhido pela família do professor Antônio Figueira, na sua fazenda. Ele costumava dizer aos amigos a origem do seu nome Gemba. Em japonês o termo significa “lugar onde as coisas acontecem”, como o palco de um teatro, o chão de uma fábrica, o escritório de uma empresa.
Com o fim da guerra, ele decidiu voltar, com a família, para o Recife. Em 1946, abriu então a Gemba Sorveteria, na Rua da Aurora, 31, pertinho do Cinema São Luiz, que era o grande “point” do Recife. Vendia seus sorvetes - cada vez mais deliciosos- em cadeiras de madeira escura e mesas com tampo de mármore, até na calçada, para atender às filas sempre enorme de fregueses na porta do estabelecimento. Alguns clientes eram atendidos dentro dos carros. Com um detalhe: os preços cobrados eram muito baratos.
A produção era feita sob supervisão direta do sr. Gemba e sempre valorizava sabores locais como mangaba, abacate, sapoti, pitanga, araça, cajá, manga, coco, graviola. Os sorvetes eram servidos em taças de metal, por garçons impecavelmente vestidos com summer branco e gravata borboleta. Os sorvetes eram acompanhados de uma outra delícia, o Big, um biscoito waffle, recheado com chocolate, em formato triangular, crocante, que se desmanchava na boca. Eram produzidos na casa e o nome Big significada Biscoitoo Gemba.
Chegou a surgir um boato (a fake news da época) que Heiji Gemba usava um ingrediente secreto, mas ele garantia que seu único segredo era a seleção rigorosa da matéria-prima e o zelo na produção. Ganhou vários prêmios como o diploma “Sorveteria que Oferece os Mais Deliciosos Sorvetes”, concedido pela Sociedade de Imprensa Interamericana, em consulta pública feita em parceria com a Rádio Clube.
Homem extremamente correto, Heiji Gemba sofreu muito com uma inspeção da Receita Federal na sorveteria. Entrou em depressão, fechou a sorveteia em 1972 e acabou se suicidando. Seu nome está numa rua de Boa Viagem. Com ele se foi, sem a menor dúvida, o melhor sorvete do Recife em todos os tempos. Tive a felicidade de conhecer seu Gemba, que fazia questão de me servir, na época repórter iniciante, a dobradinha Mangaba/Chocolate, que ele discretamente confessava ser a melhor da sua sorveteria. Este artigo, com certeza, vai dar saudade aos mais velhos que tiveram a felicidade de tomar os sorvetes da Gemba.
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