A mariposa-bruxa
Rodrigo Pellegrino de Azevedo
Advogado
Publicado em: 20/10/2022 03:00 Atualizado em:
Quando despertamos, encruzilhadas se multiplicam, numa espécie de espelhos que vão projetando infinitas possibilidades, mesmo que elas não resistam a ínfimos segundos, pois, na maioria das vezes, acordamos sempre predeterminados a fazer algo específico. Entretanto, esse hiato, entre o sono e a consciência, muitas vezes pode durar uma eternidade, até mesmo uma vida inteira.
Sábado desses, deixei a preguiça me acalentar. Por mais compromissos que tivesse, resolvi ficar deitado por mais tempo que o habitual, nem bom dia me permiti aos outros. Olhos cerrados, mas acordado, passei a percorrer hipóteses várias para aquele momento: parar de respirar e imaginar o olhar assustado de todos a tentar me ressuscitar; sair em disparada e nunca mais voltar; desaparecer e mudar de nome, sobrenome e endereço; ficar escondido o dia todo até que resolvesse reaparecer; sair de todas as redes sociais e grupos de “zap”. Mas não fiz nada disso, no Brasil estava e no Brasil fiquei.
Uma mariposa, subitamente, pousou na janela do quarto. Quase um pombo, enorme para os padrões que eu conhecia. Depois, ao pesquisar, descobri que se tratava de uma Ascalapha odorata, “mariposa-bruxa” que, aqui no Brasil, se acredita que a “visita” desse animal, pode significar “mau agouro”. Não sou de me impressionar com essas coisas, mas não desprezo os dados, e então passei a pensar no fato de que nunca havia visto esse tipo de animal (!) que, segundo a “literatura” da biologia, normalmente só aparece à noite, mas era manhã de um sábado.
Juntando os fatos, me pus a pensar no Brasil e o quão perdidos estamos, como se vivendo longo sábado, sem início, meio e fim. O sábado é o meio de alguma coisa que já foi (semana anterior) com a que está por vir (semana seguinte). Talvez isso corrobore a imagem do brasileiríssimo Nelson Rodrigues de que o “sábado seja mesmo uma grande ilusão”. Mas então, já acordado, decidi fazer a minha corrida matinal, para espantar os maus pensamentos iniciais.
Cinco quilômetros percorridos, sol no zênite (a pino), encontro um boteco, num desses bairros do Recife. Adentro, e olho o cuidado com a temperatura da cerveja – sim, cerveja, o líquido mais precioso de um sábado – peço imediatamente a mais gelada. Ponho-me a pensar sobre a diferença entre a vagueza e inexatidão para tantos conceitos, e como é larga a tolerância e aptidão nossa (humana), principalmente, a brasileira, para falsear a realidade a partir de uma ideologia, e isso é a política, que no Brasil toma proporções apoteóticas, sempre, pois vivemos prenúncios eternos de armagedon ou paraísos iminentes, a partir do olhar enviesado tão arraigado do “eu contra ele” e, já que, “a política é a disciplina que lida com os universos dos valores, não do mundo como é, mas como desejamos que ele seja. (...) e na política (contexto histórico, contexto de uso e intenção contam (...) e, no lado das ciências exatas isso não conta”, lembrei-me da mariposa-bruxa que em meio a tudo isso continuará sendo o que é.
Falo para todos os intolerantes com os quais tenho convivido, e não são poucos. O Brasil virou um grande poço de intolerâncias, de baixa e alta intensidade. Foi na modernidade que se nasceu a noção de liberalismo (não foi na Grécia). John Locke refletiu quando escreveu o Tratado do Governo Civil e Carta sobre a Tolerância que jamais (!) o “Poder Político” deveria dizer como as pessoas deveriam pensar, se comportar, agir, seguir tal ou qual religião certa, o que viria a ser bom ou mau.
Quando um agrupamento, que se pretende chamar de “estado”, faz coisas desse tipo, afoga a possibilidade para as divergências. O Brasil precisa aprender a respeitar a divergência e a ser tolerante com as formas de vida distintas das pessoas, sob qualquer tipo de opção política. Somente com a tolerância pode nascer qualquer pluralismo. O que vier a ser do futuro deverá passar pela tolerância, pois, no mais, se assim não for, será melhor esperar quer a mariposa-bruxa alce voo, e leve consigo todos os sábados.
Sábado desses, deixei a preguiça me acalentar. Por mais compromissos que tivesse, resolvi ficar deitado por mais tempo que o habitual, nem bom dia me permiti aos outros. Olhos cerrados, mas acordado, passei a percorrer hipóteses várias para aquele momento: parar de respirar e imaginar o olhar assustado de todos a tentar me ressuscitar; sair em disparada e nunca mais voltar; desaparecer e mudar de nome, sobrenome e endereço; ficar escondido o dia todo até que resolvesse reaparecer; sair de todas as redes sociais e grupos de “zap”. Mas não fiz nada disso, no Brasil estava e no Brasil fiquei.
Uma mariposa, subitamente, pousou na janela do quarto. Quase um pombo, enorme para os padrões que eu conhecia. Depois, ao pesquisar, descobri que se tratava de uma Ascalapha odorata, “mariposa-bruxa” que, aqui no Brasil, se acredita que a “visita” desse animal, pode significar “mau agouro”. Não sou de me impressionar com essas coisas, mas não desprezo os dados, e então passei a pensar no fato de que nunca havia visto esse tipo de animal (!) que, segundo a “literatura” da biologia, normalmente só aparece à noite, mas era manhã de um sábado.
Juntando os fatos, me pus a pensar no Brasil e o quão perdidos estamos, como se vivendo longo sábado, sem início, meio e fim. O sábado é o meio de alguma coisa que já foi (semana anterior) com a que está por vir (semana seguinte). Talvez isso corrobore a imagem do brasileiríssimo Nelson Rodrigues de que o “sábado seja mesmo uma grande ilusão”. Mas então, já acordado, decidi fazer a minha corrida matinal, para espantar os maus pensamentos iniciais.
Cinco quilômetros percorridos, sol no zênite (a pino), encontro um boteco, num desses bairros do Recife. Adentro, e olho o cuidado com a temperatura da cerveja – sim, cerveja, o líquido mais precioso de um sábado – peço imediatamente a mais gelada. Ponho-me a pensar sobre a diferença entre a vagueza e inexatidão para tantos conceitos, e como é larga a tolerância e aptidão nossa (humana), principalmente, a brasileira, para falsear a realidade a partir de uma ideologia, e isso é a política, que no Brasil toma proporções apoteóticas, sempre, pois vivemos prenúncios eternos de armagedon ou paraísos iminentes, a partir do olhar enviesado tão arraigado do “eu contra ele” e, já que, “a política é a disciplina que lida com os universos dos valores, não do mundo como é, mas como desejamos que ele seja. (...) e na política (contexto histórico, contexto de uso e intenção contam (...) e, no lado das ciências exatas isso não conta”, lembrei-me da mariposa-bruxa que em meio a tudo isso continuará sendo o que é.
Falo para todos os intolerantes com os quais tenho convivido, e não são poucos. O Brasil virou um grande poço de intolerâncias, de baixa e alta intensidade. Foi na modernidade que se nasceu a noção de liberalismo (não foi na Grécia). John Locke refletiu quando escreveu o Tratado do Governo Civil e Carta sobre a Tolerância que jamais (!) o “Poder Político” deveria dizer como as pessoas deveriam pensar, se comportar, agir, seguir tal ou qual religião certa, o que viria a ser bom ou mau.
Quando um agrupamento, que se pretende chamar de “estado”, faz coisas desse tipo, afoga a possibilidade para as divergências. O Brasil precisa aprender a respeitar a divergência e a ser tolerante com as formas de vida distintas das pessoas, sob qualquer tipo de opção política. Somente com a tolerância pode nascer qualquer pluralismo. O que vier a ser do futuro deverá passar pela tolerância, pois, no mais, se assim não for, será melhor esperar quer a mariposa-bruxa alce voo, e leve consigo todos os sábados.
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