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Símbolos religiosos podem ser ostentados em prédios públicos?

Antonio Sepulveda é doutor (UERJ) e Igor de Lazari é mestre (UFRJ) em Direito, ambos são professores e pesquisadores do LETACI/UFRJ

Publicado em: 06/07/2020 03:00 Atualizado em: 06/07/2020 05:17

Em breve, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se a exibição de aparatos religiosos - como crucifixos - em locais de ampla visibilidade e de atendimento ao público colide com a laicidade do Estado brasileiro.

A controvérsia jurídica, que possuiu repercussão jurídica reconhecida pelos ministros da Suprema Corte no mês de abril, decorre de recurso que ataca acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que afirmou que a presença de símbolos religiosos em prédios públicos não colide com a laicidade do Estado brasileiro, mas, apenas, reafirma a liberdade religiosa e o respeito a aspectos culturais da sociedade brasileira.

Para o Ministério Público Federal, autor da ação que deu origem à demanda, a liberdade religiosa garantida pela Constituição Federal é pessoal, de modo que ao se defender a liberdade de autoridades em expor em locais públicos símbolos religiosos ofenderia o princípio da impessoalidade.

Essa discussão é antiga no Brasil. Em 2016 o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tornou sem efeito ato administrativo do Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que houvera determinado a remoção de crucifixos das salas do Poder Judiciário. Na sua decisão, o CNJ afirmou que a presença de Crucifixo ou símbolos religiosos em um tribunal não exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças, também não afeta o Estado laico, porque não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de religião, como também não fere o direito de quem quer seja.

Por outro lado, o STF discutiu a influência da religião no Direito mediante ADI 2076, ADPF 54 e, mais recentemente, ADI 4439. Na ADI 2076, o STF afirmou que a referência a “sob a proteção de Deus” do preâmbulo da Constituição Republicana não é norma jurídica nem princípio constitucional, e, portanto, não é de reprodução obrigatória. Na ADPF 54, que discutia a interrupção da gravidez de feto anencéfalo, julgou que o Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. E, finalmente, na ADI 4439, o STF assentou que o poder público deve autorizar na rede pública, em igualdade de condições, o oferecimento de ensino confessional das diversas crenças.

Disso decorre que nossa Suprema Corte reputa que a fórmula constitucional da laicidade do Estado não significa que o Estado republicano brasileiro tornou-se um Estado ateu, nem sequer anticlerical. Entretanto, tal afirmativa diz muito pouco sobre qual orientação deverá o STF adotar no que se refere à exibição de símbolos religiosos no âmbito de repartições públicas.

Tal controvérsia não se circunscreve ao território brasileiro. Em outros países, tanto essa quanto outras questões conectadas ao assunto (v.g., uso de jilbab) têm sido intensamente debatidas nas últimas décadas. Na França, um tribunal administrativo ordenou que a municipalidade de Publier, cidade situada no leste da França, retirasse uma estátua da Virgem Maria de um parque público. Na Alemanha, apesar de o Tribunal Federal Constitucional ter declarado, ao interpretar a Lei Fundamental, que o uso de crucifixos nas salas de aula ultrapassa o limite da orientação ideológica e religiosa na escola, leis posteriores permitiram a presença de crucifixos nas salas de aula, haja vista a vontade da maioria católica e o caráter histórico e cultural da população da Bavária. Em 1997, o Tribunal Federal Constitucional foi novamente provocado a se pronunciar, mas, nessa última ocasião, o Tribunal não apreciou o mérito da questão. Em suma, os crucifixos ficaram nas salas de aula. Finalmente, a Corte Europeia de Direitos Humanos decidiu, no precedente Lautsi v. Italia que a presença de crucifixos em escolas públicas não viola a liberdade religiosa.

Nos Estados Unidos, a discussão é ainda mais antiga e há ao menos cinco relevantes decisões sobre a matéria. Em Lynch v. Donnelly (1984) a Suprema Corte norte-americana (SCOTUS) decidiu que a utilização de adereços de Natal nos prédios públicos não violara a Establishment Clause. Posteriormente, no precedente County of Allegheny v. ACLU, afirmou que um presépio, num prédio público, violaria a mesma cláusula. Em Salazar v. Buno (2010) afirmou que a presença de um crucifixo numa área pública não seria uma mera reafirmação de crenças cristãs, mas, diversamente, um símbolo que evoca as milhares de cruzes que simbolizam os americanos mortos nas batalhas. E, mais recentemente, a SCOTUS decidiu American Legion et. al. v American Humanist Assn (2019).

Neste último caso, a exibição de uma cruz de 1918, erguida por moradores de Prince George’s County, em um parque em Bladensburg (Maryland), em memória aos veteranos da 1ª Grande Guerra foi objeto de deliberação. Por 7 votos a 2, a SCOTUS firmou entendimento de que a cruz de Blandensburg não agride a 1ª Emenda da Constituição. O relator, Samuel Alito, assentou que embora a cruz tenha se originado de um símbolo cristão, ela também ganhou significado secular. A maioria dos ministros, apegando-se ao elemento histórico, asseverou que, mesmo que a intenção original da construção da cruz tenha sido a difusão da religião cristã, a passagem do tempo tornou obscuro esse sentimento e, portanto, o monumento ou pode ser conservado por causa de sua significância histórica, ou preservado por conta de sua importância para o cenário cultural.

Como se vê, distintas perspectivas e diferentes argumentos podem conduzir o processo decisório da questão posta. No Brasil, cumprirá ao STF ponderar quais deles hão de prevalecer. Como nossa Alta Corte não tem por hábito definir e especificar critérios objetivos em suas deliberações, prognósticos tornam-se uma tarefa extremamente difícil.

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