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Por quem os sinos dobram?

Rodrigo Pellegrino
Advogado

Publicado em: 06/04/2020 03:00 Atualizado em: 06/04/2020 07:22

Tomo emprestado de Hemingway, que inspirado no poema de John Donne escreveu o romance com o mesmo nome. “Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente”. Assim podemos até nos sentir hoje, mas não somos. Não somos por diversas razões. A maior delas está na razão de existir em si. Por isso as panelas repicam todas as noites. Cada uma que deseje tomar o barulho de uma outra e façam do barulho o dobrado de uma mensagem.

Sim, esse barulho tem voz e mensagem. Se tempos atrás nunca achei absurdo o mesmo barulho nascer por outros motivos, também não o acho agora. Dirão alguns tratar-se de alienação, coisa de classe média conservadora, movimento despolitizado, posto sem palavras, fundamento ou liderança, fruto de uma histeria provocada pela mídia que antes derrubara uma presidente e quer agora derrubar um outro. Mas não. Os sinos continuam dobrando.

No livro de Hemingway, Robert Jordan, o personagem professor, recebeu a missão de explodir uma ponte e, para tanto, precisou contar com pessoas desconhecidas, de todos os tipos, pois a derrubada da ponte, possibilitaria a resistência dos republicanos contra o avanço das tropas nacionalistas. Se no livro a crítica se deu na atuação extremamente violenta de ambos os lados, volto a perguntar: hoje, por quem os sinos dobram?

A nossa vida atual, aparentemente triste, se comparada com a de Hemingway e sua atuação na primeira e segunda guerras mundiais, e na guerra civil espanhola, deveria ser tomada como um conto de fadas. As guerras do vírus e do desemprego estão nas periferias e não em nossas varandas e janelas. Mas, mesmo assim, o barulho tem algum sentido.

O personagem Robert Jordan, nos três dias da narrativa do livro, sabia estar lidando com pessoas que, tendo o mesmo objetivo dele (a ponte destruída), tinham pensamentos e ideias diferentes. Muitas delas com a capacidade de cometer horrores. Jordan/Hemingway não viram sentido no ódio e na morte de tantos, mas hoje, por quem os sinos dobram?

Se não enxergarmos algum dito nos sons das panelas noturnas, para todos nós, sonâmbulos em tempos virais, testemunhas do esgarçamento da razoabilidade, espectadores dos tempos de negação do diálogo e da política, avalistas da revolta do andar de baixo, que alçou voo ao poder esses outros, dantes calados e amordaçados pela busca hegemônica de um único grupo na política, não entenderemos mais uma vez o recado, pois os sinos dobram.

Diferentemente do livro, precisamos da construção de pontes. Não mais de implosão. Se Robert Jordan dizia que “era preciso se confiar integralmente nas pessoas com quem se trabalhava, ou ao mesmo tempo não se confiar nem um pouco, e tomar decisões na base da confiança”, hoje, para construir essas novas pontes, precisaremos do mesmo tipo de atitude. É isso que o barulho de panelas evoca. Mas, insisto, por quem os sinos dobram?

Theloniuous Monk – o fantástico pianista – dizia “não toque tudo (ou o tempo todo); deixe que algumas coisas escapem (...) o que você não toca pode ser mais importante do que você toca”.

O que se espera de uma liderança é a sobriedade. Vivemos em uma bipolaridade de claques, espero apenas que apareça um novo Robert Jordan, o mesmo, que dessa vez construa pontes, entre a vida e a economia, pois “a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano, e por isso não me perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti.”.

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