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Urbanidade e Educação

Maurício Rands
Advogado formado pela FDR da UFPE, PhD pela Universidade Oxford

Publicado em: 13/01/2020 03:00 Atualizado em: 13/01/2020 08:45

Na tradição do jornalismo de qualidade, este Diário de Pernambuco tem publicado artigos de opinião que, no conjunto, podem ajudar a reflexão sobre o muito que temos a melhorar como nação. Cristóvam Buarque, em sua coluna de ontem, voltou a nos alertar sobre o imenso desafio de revolucionar a educação básica. Corretamente, observou que os brasileiros recordamo-nos sempre das trágicas derrotas do nosso futebol nas copas do mundo. Mas esquecemos rapidamente derrotas muito mais trágicas. Como os resultados do PISA que colocam nossa educação básica entre as piores do mundo. Ou os do IDH, que nos envergonham em questões básicas como concentração de renda e persistência da pobreza. Na edição de 07/01/2020, o presidente do TRF-5, desembargador Vladimir Souza Carvalho, tratou dos inconvenientes do que chamou de homem-tartaruga. Aquele que carrega descuidadosamente uma mochila nas costas em espaços apertados como os do avião, dos elevadores e das filas. Sempre pronto a atingir os demais, muitas vezes sem ao menos pedir desculpas. Dia desses publiquei reflexão sobre o que podemos fazer em nosso quotidiano para diminuir os plásticos que poluem nossos rios, mares e ruas. Todos nós podemos fazer um pouquinho para que a educação melhore. E para que o homem-tartaruga e o homem-plástico nos incomodem menos.

Mas tem também o homem-microfone. Aquele que fala compulsivamente, em volume o mais elevado, em tudo que é espaço público. Sejam as latas de sardinha em que se transformaram nossos aviões e ônibus. Sejam as ruas e praças. Sejam os bares e restaurantes. A ele não ocorre que o viajante ou morador bem ao lado não esteja interessado no assunto da sua tagarelice. Ou que queira dormir, estudar ou rezar. Viajo sempre com o fone de ouvido no bolso. Não necessariamente para escutar música ou ouvir um bom programa de rádio. Mas muito mais para me proteger dos excessos do homem-microfone. Em viagens, quando ouço os rumores excessivos de um grupo na visita a um ponto turístico de grande concentração, geralmente acerto ao apostar que são brasileiros. Mas às vezes erro, porque os italianos não gostam de perder essa competição na modalidade de quem mais incomoda o semelhante.

O que é apenas um incômodo ganha proporções muito mais sérias quando pensamos no efeito da poluição sonora para a educação. Sempre que visito um bairro popular ou uma favela, como todo mundo, fico chocado com a degradação da vida em todas as suas dimensões. Mas nunca me passa despercebida a quase naturalização da convivência com níveis insuportáveis de ruídos. A música do bar, da bicicleta, do capô do carro, do vendedor, ou do aparelho de som do morador. Sempre no mais elevado volume. Quase a confundir música alta com alegria. As moradias apertadas, sem saneamento e calorentas, já representam obstáculos poderosos para quem alimenta o sonho de estudar para melhorar a vida. O barulho ensurdecedor e onipresente pode sepultar de vez qualquer pretensão nesse sentido. A melhoria da nossa educação básica reclama uma revolução de prioridades. A mudança de hábitos de convivência e urbanidade pode e deve ser incluída como um elemento dessa revolução. Até lá, vamos continuar sendo uma nação anestesiada com sua baixa performance educacional e científica. Sem se surpreender que até mesmo um ministro da educação reproduza o descaso com um dos elementos básicos do patrimônio imaterial da nação, a própria língua. Que não parece ser prioridade para quem não se acanha em escrever “imprecionante” “suspenção” e “paralização”.

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