ARGENTINA

Eleições na Argentina: primárias é ensaio da disputa presidencial

Mais de 35 milhões escolhem, neste domingo (13/08 ), os candidatos a presidente, nas Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias. Sergio Massa é favorito do oficialismo. Javier Milei, uma das apostas da oposição

Publicado em: 13/08/2023 08:25

Protesto contra morte de manifestante detido durante ato contra a votação, no Obelisco de Buenos Aires (Foto: Elena Boffeta/AFP)
Protesto contra morte de manifestante detido durante ato contra a votação, no Obelisco de Buenos Aires (Foto: Elena Boffeta/AFP)
Uma das principais características do tango é a grande carga de dramaticidade. Em meio à crise econômica e à tensão provocada pela morte de um manifestante, sob custódia da polícia, na última quinta-feira, todas as nuances de um drama argentino estão colocados sobre a mesa para as eleições deste domingo (13/08). Os 35.394.425 cidadãos aptos a votar escolhem os candidatos das eleições presidenciais de 22 de outubro. As Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias (PASO) funcionam como uma espécie de termômetro político e ensaio eleitoral.

Realizadas a cada biênio, desde 2009, as PASO deste ano têm um diferencial: pela primeira vez, eleitores das coalizões mais importantes, a governista Unión por la Patria (peronista) e a opositora Juntos por el Cambio (centro-direita), escolherão entre dois pré-candidatos. Nas sete PASO anteriores, cada aliança disputava com um único nome. Durante protesto contra as primárias, na quinta-feira, o ativista argentino Facundo Morales, 48 anos, foi morto quando estava imobilizado pela polícia. O incidente lançou mais nervosismo no cenário eleitoral.

Cientista político da Universidad de Buenos Aires (UBA), Miguel De Luca explicou ao Correio que as PASO são obrigatórias e que nenhum partido ou indivíduo está isento de participar do processo. "Entre os candidatos do oficialismo (governo), a principal lista para a Presidência da Argentina é encabeçada pelo ministro da Economia, Sergio Massa, que faz chapa com o vice, Agustín Rossi, chefe de gabinete dos ministros. "Eles têm grandes chances de ganhar dentro da primária da Unión por la Patria", observou.

Seus rivais são o advogado Juan Grabois e a socióloga Paula Abal Medina. "Ambos são críticos da candidatura de Massa e de alguns aspetcos do governo de Alberto Fernández. Estima-se que a lista de Grabois e Medina possa chegar a 3% ou 4% dos votos nas primárias e não representa, a priori, um desafio para uma fácil vitória de Mass e Rossi", acrescentou De Luca.

Ainda segundo ele, duas chapas opositoras têm mais chances. "Uma delas é a coalizão Juntos por el Cámbio, de partidos como o Propuesta Republicana (PRO), a Unión Cívica Radical e a Coalición Cívica. Há uma primária muito competitiva entre Horacio Larreta, governador de Buenos Aires, e Patricia Bullrich, presidenta do PRO. Entre os dois se decidirá quem será cabeça de chapa presidencial do Juntos por el Cambio. Esta será uma primária de alianças com distintas linhas e dirigentes, tanto do PRO quando da Unión Cívica Radical", disse De Luca.

Outro candidato opositor que aparece em alta nas pesquisas é o deputado de extrema-direita Javier Milei. De Luca aposta que as chances de ele se tornar presidente são muito baixas. "Milei carece de estrutura partidária em âmbito nacional. Seu apoio principal está nas áreas mais urbanas. Tem propostas muito vagas, gerais ou de impossível realização, pois a Constituição proíbe. Entre elas, estão a eliminação do Banco Central, a desregulação de todo tipo de atividade econômica e a demissão em massa no funcionalismo público."

Facundo Galván, também cientista político da UBA, prevê PASO competitivas. "Larreta tem muitos recursos para mobilizar e fez uma campanha centrada no diálogo, em uma posição moderada e em propostas vinculadas com a sociedade civil. Bullrich focou-se em conquistar o eleitor mais distanciado do centro político. Ela se antagoniza muito mais com o kirchnerismo", afirmou à reportagem.

Galván também vê moderação e pragmatismo em Massa, e uma ligação de Grabois com o sentimento de extremismo do kirchnerismo. "As PASO estão muito mais favoráveis para Massa, segundo as sondagens." Em relação a Milei, o especialista vê um agrado a setores irritados e fartos com a políica. "Milei compete contra a apatia e tem um discurso muito perturbador. A única figura que mais ou menos o respeita é Patricia Bullrich. O resto dos candidatos o golpeia."

Eu acho..

"As primárias, além de selecionarem os candidatos aos cargos eletivos, funcionam como uma espécie de fase eliminatória das listas de partidos e coalizões que tenham apoio menor do que 1,5% do total de votos dentro do distrito."

Miguel De Luca, cientista político da Universidad de Buenos Aires

"É preciso prestar atenção ao fenômeno que aumentou após a pandemia: a alta abstenção. Em 2023, os níveis de abstenção em vários distritos eleitorais alcançaram cifras muito importantes. Uma das grandes perguntas dessas primárias é sobre o papel desempenhado pela não votação."

Facundo Galván, cientista político da Universidad de Buenos Aires

Os potenciais presidenciáveis 

Sergio Massa, o ambicioso

Advogado de 51 anos, assumiu o Ministério da Economia há um ano, em um dos piores momentos da prolongada crise argentina. Sorridente e elegante, tem a habilidade de apresentar as dificuldades como conquistas, ao menos entre seus adeptos. Apesar da inflação (115% em um ano) e da pobreza (40%) estarem em picos históricos, a vice-presidente, Cristina Kirchner, o elogia: "Sergio, você assumiu em um momento muito difícil, muito complexo. Você não se encolheu, foi para frente e isso sempre é bom", disse a dirigente da coalizão governista Unión por la Patria (União pela Pátria). Ambicioso e hábil em fazer e desfazer alianças políticas, é casado e tem dois filhos.

Juan Grabois, o desafiante

Expoente dos movimentos sociais, Juan Grabois desafia, com sua candidatura, a unidade do peronismo em torno do nome de Massa. Advogado, sociólogo, professor, escritor, editor e pianista amador, este homem de 40 anos, próximo do papa Francisco, quer representar os setores mais à esquerda dentro do Unión por la Patria. Embora as pesquisas de opinião não considerem nem de perto suas chances de conseguir a candidatura governista, este processo eleitoral o lançou na política partidária, após duas décadas dedicadas à organização da economia popular.

Horacio Rodríguez Larreta, o moderado

Moderado, de carácter metódico e orador recalcitrante, o direitista Horacio Rodríguez Larreta se apresenta como um "realizador". Economista, 57 anos, cofundou com o ex-presidente Mauricio Macri o partido Proposta Republicana (PRO) e representa a ala mais inclinada ao diálogo da aliança opositora Juntos por el Cambio. Seu nome cresceu sob a sombra de Macri, de quem foi chefe de gabinete na Prefeitura. Mas se desvinculou gradativamente, até que, em fevereiro, formalizou sua pré-candidatura presidencial sem esperar a decisão do ex-presidente. Separado, tem duas filhas.

Patricia Bullrich, a linha-dura

Com 67 anos e envolvida na política desde a adolescência, quando militou na Juventude Peronista nos turbulentos anos 1970, em plena atividade da guerrilha Montoneros, Patricia Bullrich se apresenta como linha-dura, sem meias palavas em um país em crise. "É tudo ou nada", diz em suas mensagens publicitárias. A história de sua família se mistura com a da Argentina. Seu bisavô, Honorio Pueyrredón, foi um dirigente radical renomado (social-democrata). A família Bullrich foi proprietária da mais importante casa de leilões de gado de Buenos Aires no século XIX. Seu cunhado, Rodolfo Galimberti, foi um líder importante dos Montoneros. E sua prima, Fabiana Cantilo, é um nome de destaque do rock nacional. Foi ministra de Segurança no governo Macri (2015-2019) e ministra do Trabalho no de Fernando de la Rúa (1999-2001). Atual presidente do partido PRO, cultivou a imagem de mulher decidida e intransigente. Bullrich tem um filho, Francisco Langieri, nascido em 1979, quando voltou à Argentina depois de passar alguns anos no exílio com seu companheiro da época, Marcelo "Pancho" Langieri. Seu marido atual é o advogado Guillermo Yanco.

Javier Milei, o inimigo da casta

"A casta tem medo; viva a liberdade", clama o economista Javier Milei, de 52 anos, um deputado libertário e de extrema-direita que sacudiu o cenário político argentino. Com propostas que vão de eliminar o Banco Central a permitir a venda livre de órgãos humanos, Milei é seguido em seus atos de campanha sobretudo por homens jovens irritados ou indignados com o que ele define como a "casta política". O amor pelos cães da raça mastim e a relação próxima com a irmã, Karina formam, segundo suas próprias palavras, seu círculo afetivo mais imediato. Nas legislativas de 2021, sua primeira eleição, seu partido, o Libertad Avanza (Liberdade Avança) foi a terceira força política mais votada na cidade de Buenos Aires, com 17%. Mas nas últimas semanas, seu nome foi ofuscado por denúncias de ex-colaboradores, segundo os quais ele exigia pagamentos em dólares para inscrever candidaturas às eleições presidenciais e parlamentares de outubro.
 
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