MEIO AMBIENTE
Ilha com biodiversidade única, Madagascar enfrenta desafios na preservação
Por: Correio Braziliense
Publicado em: 02/12/2022 07:59
Foto: Tobias Andermann/Divulgação |
A natureza em Madagascar, uma ilha no sudeste da África um pouco maior que a França metropolitana, é tão incomum que 82% de suas espécies de plantas e 90% de seus vertebrados são endêmicos, ocorrendo apenas lá. Um retrato das riquezas biológicas do país, bem como das principais ameaças, pode ser encontrado em dois estudos publicados na revista Science por pesquisadores de todo o mundo, incluindo do Brasil.
"Do ponto de vista da conservação, Madagascar enfrenta desafios semelhantes aos do Brasil. É um país em desenvolvimento com áreas remotas extremamente pobres. Ambos precisam trabalhar na conservação e simultaneamente melhorar as condições sociais", disse Thaís Guedes, coautora dos artigos. Guedes é pesquisadora do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp) com bolsa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
Revisão
Em um dos artigos, os pesquisadores apresentam uma revisão abrangente e atualizada da literatura sobre a evolução, distribuição e usos da biodiversidade da ilha, mostrando que suas plantas e animais são tão distintos localmente que a extinção de apenas uma espécie poderia significar o fim de toda uma linhagem evolutiva. "Madagascar tem espécies únicas no mundo, mas é muito mais do que isso. Existem categorias mais amplas do que espécies que só existem lá, como os lêmures (Lemuroidea), toda uma ordem de pássaros (Mesitornithiformes) e todas as espécies de sapos mantella (Mantellidae), exceto três", disse Guedes.
De fato, três linhagens de lêmures já foram extintas (coala, macaco e lêmure-preguiça), assim como as duas de hipopótamos da ilha, a tartaruga gigante de Grandidier (Aldabrachelys grandidieri) e a ordem dos pássaros elefantes (Aepyornithidae). Segundo os pesquisadores, as extinções da megafauna têm grandes implicações para o funcionamento do ecossistema.
O estudo inclui atualizações, mostrando que 11.516 tipos de plantas vasculares (82% endêmicas) e 1.215 briófitas (28% endêmicas) foram descritas. Quanto aos vertebrados terrestres e de água doce, 95% dos mamíferos da ilha, 56% das aves, 81% dos peixes de rio e 98% dos répteis não se encontram em nenhum outro lugar da Terra. Acredita-se que 13 espécies endêmicas tenham se extinguido desde 1500 e outros 33 desaparecimentos tenham ocorrido em tempos pré-históricos, provavelmente como resultado do contato com os primeiros humanos que chegaram à ilha.
Uso sustentável
O outro artigo inclui reflexões sobre o declínio da biodiversidade de Madagascar e aponta oportunidades de conservação para o país. Os autores acreditam que o fato de grande parte da população viver da floresta coletando lenha ou caçando é uma oportunidade de desenvolvimento baseado no uso sustentável da biodiversidade.
"Até o momento, o foco tem sido criar áreas protegidas e manter as pessoas fora delas o máximo possível, a fim de reduzir o impacto da atividade humana na biodiversidade", diz Alexandre Antonelli, que liderou os dois estudos.
Biólogo paulista, Antonelli é diretor de Ciências do Royal Botanic Gardens Kew (Kew Gardens) em Londres, Inglaterra (Reino Unido). "Infelizmente, isso não tem surtido os resultados esperados, porque as comunidades pobres — a grande maioria da população — precisam cozinhar e aquecer suas casas e não têm outra opção senão cortar árvores nas reservas existentes para obter lenha", diz.
À luz dessas dificuldades, os autores sugerem que o foco não deve ser a criação de novas áreas protegidas, mas a restauração da vegetação em outros lugares, a fim de reduzir a pressão sobre as unidades de conservação existentes. O reflorestamento e a conservação com base em evidências científicas e eficácia estão entre as cinco oportunidades listadas para o país.
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