CONFLITO

Com ataques a civis, ONU alerta para crimes de guerra na Ucrânia

Publicado em: 31/03/2022 07:30

 (Foto: Maxar Technologies/AFP)
Foto: Maxar Technologies/AFP
As conversas entre soldados russos foram interceptadas pelo Serviço de Segurança da Ucrânia. "Temos três caras dos tanques aqui. Eles estupraram uma garota. Ela tinha 16 anos", afirma um deles. Em Mariupol (sudeste), cidade portuária arrasada pelos bombardeios russos, um depósito do Comitê Internacional da Cruz Vermelha foi atingido por dois mísseis entre 19 e 22 de março. "Sob o direito humanitário internacional, locais usados para operações de ajuda humanitária têm que ser respeitados e protegidos o tempo todo", afirmou à TV CNN o porta-voz Jason Straziuso, ao expressar preocupação com os moradores de Mariupol.

Um dia depois de anunciar, em reunião com negociadores ucranianos na Turquia, uma redução "dramática" da ofensiva contra Kiev, a Rússia jogou um balde de água fria sobre a diplomacia e manteve os bombardeios. "No momento, não podemos informar nada muito promissor ou um avanço. Há muito trabalho por fazer", declarou Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, ao avaliar as tratativas da véspera. Moscou anunciou que respeitará um "regime de silêncio" — cessar-fogo local — em Mariupol, a partir das 10h de hoje (5h em Brasília), com o objetivo de retirar civis.

A ausência de progressos das tropas russas no front teria ao menos uma explicação. Com base em informações da inteligência norte-americana, a Casa Branca revelou que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, teria sido ludibriado pelos conselheiros militares sobre a situação da guerra. "Temos informação de que Putin crê que o Exército russo o enganou, o que tem provocado uma tensão contínua com seu Estado-Maior", comentou a diretora de comunicações da Presidência americana, Kate Bedingfield. Em viagem à Argélia, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, confirmou a informação. "Um dos calcanhares de Aquiles das autocracias é que, nestes sistemas, não há mais ninguém que diga a verdade ao poder da vez ou que tenha a possibilidade de fazer isso. Acho que é um fenômeno que vemos na Rússia", disse Blinken.

Em sessão do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, Michelle Bachelet — alta comissária para os Direitos Humanos da ONU — advertiu: "Ataques indiscriminados são proibidos pelo direito humanitário internacional e podem constituir crimes de guerra". O órgão nomeou uma comissão de três especialistas para investigar os supostos abusos cometidos na Ucrânia. O inquérito, liderado pelo juiz norueguês Erik Mose, ex-presidente do Tribunal Penal Internacional para Ruanda, contará ainda com Jasminka Dzumhur, defensora do povo da Bósnia e Herzegovina, e com o colombiano Pablo de Greiff. A missão terá um ano para apresentar as conclusões.

Segundo Bachelet, a massiva destruição de bens civis e o alto número de vítimas civis indicam fortemente que os princípios fundamentais da distinção, da proporcionalidade e da precaução não têm sido suficientemente respeitados. "As hostilidades devem parar, sem demora. Hoje, conclamo a Federação Russa a (...) agir imediatemente para retirar suas tropas do território ucraniano", disse.

Baixas civis
A alta comissária divulgou que pelo menos 1.189 civis morreram e 1.901 ficaram feridos. "Sabemos que os números atuais provavelmente são maiores. Em vários locais, como Mariupol e Volnovakha, é desafiador obter um quadro abrangente." Bachelet citou que 50 hospitais, sete instalações neuropsicológicas e 20 outras instalações médicas foram danificados pelos bombardeios. Até o fechamento desta edição, 4 milhões de refugiados ucranianos tinham cruzado as fronteiras da ex-república soviética e 6,5 milhões de civis abandonaram suas casas e cidades em busca de proteção — os 10,5 milhões equivalem a 24% da população. Foi o caso da economista Inna Sheremet (leia Depoimento), 42 anos, impedida de voltar para Bucha, a 15km de Kiev, depois que seu apartamento foi destruído por um míssil.

Diretor do Instituto de Relações de Governo, em Kiev, Artem Oliinyk disse ao Correio que a Rússia cometeu "inaceitáveis crimes contra a humanidade". "Os mais famosos são os bombardeios de Kharkiv, Chernihiv e Okhtyrka. Particular brutalidade foi infligida durante o cerco a Mariupol — a cidade foi destruída, e a população civil, exposta à mortandade. O frio, a fome e a falta de meios básicos de subsistência fizeram mais de 20 mil vítimas, incluindo crianças", explicou. "O anúncio russo sobre o suposto cessar-fogo e a abertura de corredores humanitários em Mariupol foi feito exclusivamente para a audiência ocidental. Putin quer mostrar ao mundo que o diálogo com ele não está encerrado. Os relatos de retiradas militares não são reais, os russos apenas fazem uma rotatividade de suas forças para a próxima fase da campanha militar."
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