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LEI DAS ESTATAIS

Lei das Estatais: mercado teme 'loteamento' de cargos

 (Foto: AFP)
Foto: AFP
Aprovado a toque de caixa na Câmara dos Deputados, na noite de terça-feira, o Projeto de Lei nº 2.896/2022, que altera a Lei das Estatais e a das agências reguladoras visando facilitar a nomeação de políticos para cargos de direção em empresas controladas pelo governo, provocou fortes reações negativas no mercado financeiro e entre representantes de entidades de governança e do mundo corporativo. O projeto ainda precisa passar pelo Senado para entrar em vigor. Segundo interlocutores, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pretende pautar a votação ainda nesta semana.

Seis entidades ligadas ao mercado de capitais e ao combate à corrupção divulgaram, em conjunto, uma "nota de repúdio" ao projeto. No documento, elas afirmam que a iniciativa configura um retrocesso e alertam as autoridades contra a volta do aparelhamento político das estatais. Assinam a nota a Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec); a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais do Brasil (Apimec Brasil); o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); o Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE); o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac); e o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade.

Na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), a o sinal de aumento da ingerência do governo nas estatais acentuou a queda do valor das ações de empresas como a Petrobras. As ações ordinárias da companhia, com direito a voto, terminaram o dia em baixa de 9,80%, enquanto as preferenciais, que têm prioridade no recebimento de dividendos, despencaram 7,93%.
 
Inicialmente, a proposta aprovada pela Câmara apenas alterava regras sobre gastos das empresas públicas com publicidade, mas foi modificada de última hora para incluir uma redução no tempo de quarentena — de três anos para apenas um mês — para indicados ao comando de estatais que tenham participado de campanhas eleitorais.

Visto como uma iniciativa destinada a permitir a nomeação do ex-ministro Aloizio Mercadante (PT) para a presidência do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), anunciada na própria terça-feira pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, o projeto atende também a interesses do Centrão, segundo fontes do Congresso. A proposta, que foi relatada por Margarete Coelho (PP-PI), é de autoria da deputada Celina Leão (PP-DF). Ambas são aliadas de primeira hora do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O texto foi aprovado com 314 votos favoráveis — muitos de aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL) — e 66 contrários. Dos 52 deputados do PT, 46 votaram a favor.

Aprovada em 2016, durante o governo de Michel Temer (MDB), a Lei das Estatais é considerada um avanço na governança corporativa das empresas controladas pelo governo, ao blindá-las contra sua captura por interesses político-partidários. Em nota, o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) informou que "vê com preocupação propostas de mudanças nessa legislação sem o devido debate com o Congresso e a sociedade brasileira".

Para Fábio Medina Osório, que chefiou a Advocacia-Geral da União (AGU) durante o governo Temer, a proposta aprovada pela Câmara fere os princípios da própria legislação que pretende alterar. "A lei das estatais busca evitar a politização das empresas e valorizar o caráter técnico na gestão das companhias", destacou. "A guerra política assusta o mercado. Instabilidade e insegurança jurídica também assustam. É importante que o novo governo mantenha conquistas vinculadas à governança e compliance das estatais", avaliou.

O advogado Cesar Santolim, do CMT Advogados, doutor em direito e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), disse que, caso o projeto passe também no Senado, o retrocesso será sentido por toda a sociedade. "A lei criou ambiente mais favorável para que as estatais brasileiras — empresas públicas ou sociedades de economia mista — gozassem de certa autonomia técnica. Agora, voltam a sofrer as ingerências políticas que historicamente sempre prejudicaram sua performance. É de lamentar que se volte a um modelo já fracassado", disse.

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