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Salário mínimo pode ser corrigido abaixo da inflação pelo 2º ano consecutivo

Publicado em: 21/12/2021 08:53

 (Foto: Thiago Fagundes/CB/D.A Press)
Foto: Thiago Fagundes/CB/D.A Press
O substitutivo do relatório do Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) de 2022 apresentado pelo relator, o deputado Hugo Leal (PSD-RJ), prevê um salário mínimo de R$ 1.212. Esse valor considera uma correção no salário mínimo de 10,18%, proposta pelo parlamentar no documento enviado à Comissão Mista de Orçamento (CMO), que deve apreciar a matéria nesta terça-feira.

Apesar de a taxa prevista pelo parlamentar estar acima da nova estimativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) da Secretaria de Política Econômica (SPE), do Ministério da Economia, de 10,04%, ela deve ficar abaixo da variação integral do indicador que corrige o piso salarial em 2021, de acordo com estimativas de analistas. Logo, o trabalhador corre o risco de ver o salário mínimo sendo corrigido abaixo da inflação pelo segundo ano consecutivo.

O INPC mede a inflação para as famílias mais pobres, com renda de até cinco salários mínimos mensais. Em 2020, o INPC registrou alta de 5,45%, mas a correção do salário mínimo ficou em 5,26%, deixando o piso R$ 2 abaixo do valor com correção integral da inflação. Enquanto isso, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede o custo de vida para as famílias com renda acima de cinco salários mínimos, registrou alta de 4,52% em 2020.

Na proposta original do Ploa, a estimativa do INPC estava em 6,20%, e passou para 10,04% após a atualização da SPE no 5º relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas do Ministério da Economia. Considerando essa correção, o salário mínimo passaria de R$ 1.169 para R$ 1.200. As estimativas de analistas ouvidos pelo Correio para o INPC deste ano são maiores e variaram de 10,2% a cerca de 11%.

"Como sabemos, o salário mínimo é corrigido pelo INPC até dezembro (do ano anterior). Em 2020, quando ficou evidente a diferença entre a variação real e a projetada, o governo corrigiu o valor do salário mínimo, mas não fez o mesmo em 2021", lamentou o especialista em contas públicas Gil Castello Branco, fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas.

Pelas estimativas do economista Fabio Romão, da LCA Consultores, o INPC deverá encerrar 2021 com alta de 10,2%, levemente acima da alta de 10,1% prevista por ele para o IPCA. O economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Carlos Thadeu de Freitas Gomes, prevê que o INPC deverá encerrar 2021 com alta "perto de 11%".

De acordo com o economista André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), as variações do INPC e do IPCA deste ano devem ficar mais próximas por conta da disseminação da inflação pela economia. "A inflação está sendo mais igual e mais democrática para todo mundo em 2021 do que em 2020. Devido ao espalhamento da inflação, o INPC deste ano deverá ficar mais próximo do IPCA. No ano passado, como a alta dos preços estava mais concentrada nos alimentos, a alta do INPC foi maior do que a do IPCA", explicou. Braz prevê aumentos neste ano de 10,5%, no INPC, e de 10,2%, no IPCA.

Considerando, por exemplo, 11% de correção para o INPC, o valor do salário mínimo deveria ser de R$ 1.221, ou seja, R$ 9 a mais sobre o valor atual proposto pelo relator. Com base nessa mesma variação do INPC, o teto das aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), passaria dos atuais R$ 6.433,57 para R$ 7.141,26.

O salário mínimo deixou de ter aumento acima da inflação desde o ano passado. De 2007 a 2019, o piso salarial era corrigido pela regra que considerava a variação do INPC mais a taxa do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes. Conforme dados do Ministério da Economia que constam no balanço de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), cada R$ 1 de aumento no salário mínimo gera um incremento de R$ 356,9 milhões ao ano nas despesas do governo. Logo, ao não conceder os R$ 2 de compensação pela diferença da correção do ajuste pelo INPC integral de 2020, o governo economizou R$ 731,8 milhões no Orçamento deste ano.

Resta saber se essa prática será a mesma para 2022. No primeiro ano de mandato, o governo Jair Bolsonaro (PL) corrigiu a diferença e garantiu, pelo menos, a correção pela inflação por meio de um decreto adicional e o novo valor passou a valer a partir de fevereiro de 2020.

De acordo com a especialista em direito trabalhista Ana Claudia Nascimento Gomes, professora da Pontifícia Universidade de Católica de Minas Gerais (PUC-Minas) e procuradora do trabalho no Ministério Público do Trabalho (MPT), o fato de a correção do salário mínimo não ter mais correção acima da inflação é preocupante, porque está indo na contramão dos princípios básicos de garantir o mínimo de sobrevivência dos cidadãos e garantir a função social e as finalidades constitucionais, inclusive, os previstos nas convenções direitos humanos e na convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

"A falta de correção (do SM), pelo menos pela inflação, vai contra os princípios da Convenção 131 da OIT", alertou citando que o acordo que o país aderiu e prevê que os elementos tomados em consideração para determinar o nível do salário mínimo "apropriado", deverão atender às necessidades básicas "dos trabalhadores e de suas famílias".

Desigualdade social
 
A especialista lembrou que o valor justo para o salário mínimo atual no Brasil está muito abaixo do necessário para a sobrevivência digna. Conforme levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o valor do piso salarial para uma família de quatro pessoas poder viver dignamente é de R$ 5.969,17.

A procuradora, contudo, ressaltou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem um entendimento bastante conservador sobre o reajuste do salário mínimo, e existe uma jurisprudência antiga em acatar a correção nominal do piso — medida que foi importante para o sucesso do Plano Real no controle da inflação. Para ela, com a inflação voltando para os dois dígitos, uma reavaliação dessa questão precisará ocorrer, para evitar um aumento maior da desigualdade no país, que é crescente após a pandemia da covid-19 e colocou o Brasil de volta no mapa da fome.

"Não podemos fazer com que o salário mínimo seja mais um motivo de desigualdade. A maioria que recebe o piso é mais pobre e não está entre as famílias que devem receber o Auxílio Brasil", alertou a professora da PUC Minas. "Temos uma jurisprudência do STF muito parcimoniosa e que precisa ser provocada em defesa dos direitos humanos e do combate à pobreza e à desigualdade. Esse debate precisa ser estimulado para corrigir as perdas dos trabalhadores de baixa renda que acabam tendo que absorver um impacto maior da inflação do que a população de renda mais alta", defendeu. "E a tese de repercussão geral do STF sobre a eficácia paralisante de legislação interna incompatível com os tratados de direitos humanos ratificados, como é o caso da convenção 131 da OIT", reforçou.

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