ENTREVISTA

'100% dos smartphones do Brasil têm tecnologia do Recife'

Publicado em: 20/11/2021 08:00 | Atualizado em: 20/11/2021 00:15

 (Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)
Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto
Prestes a completar 21 anos, o Porto Digital se destaca como um dos maiores centros de inovação do país. O local, que atualmente abriga mais de 13 mil colaboradores, vive a expectativa de dobrar o faturamento em apenas quatro anos. O orçamento atual é de R,8 bilhões, gerados por cerca de 350 empresas. À frente da instituição, o diretor presidente Pierre Lucena falou ao Diario de Pernambuco sobre os desafios enfrentados por sua gestão e das perspectivas para o futuro, com destaque para o incentivo à educação e o fomento ao empreendedorismo. E aponta como um dos elementos propulsores do Porto Digital a base sólida que o parque tecnológico possui na construção de software, possibilitando a diversificações de serviços. Desde segurança da informação à inteligência artificial. “Mas, a coisa mais importante que produzimos aqui, do ponto de vista do produto, é a parte mobile. Hoje 100% dos smartphones do Brasil têm tecnologia do Recife”. Não por acaso, as grandes empresas do ramo da telefonia têm um pé aqui, seja  fazendo testes seja sistemas”, nas empresas ligadas ao Porto Digital.
 
Território
O Porto Digital tem sua alma no Bairro do Recife. Aqui, a questão territorial não é apenas com relação ao ambiente de trabalho ou plataforma de negócios, mas pelo que representa na nossa história. Nesses 21 anos, o Porto Digital exerceu um papel cultural muito forte com o bairro e com a cidade, nós nascemos no mesmo ano do carnaval do bairro, que deu uma virada. Agora, estamos esperançosos com outras atividades que vão chegar, estamos atraindo algumas empresas grandes para cá, como a BTG Pactual, por exemplo, além de outras plantas grandes. Além disso, estamos investindo numa base de capital humano muito maior do que a gente já tem. 
 
Crescimento
Quando vim para cá, no final de 2018, a ideia era dobrar o tamanho do Porto Digital até 2026. No ano que vem, provavelmente, já vamos ter dobrado o faturamento, que era de R$ 1,8 bilhão e agora está em R$ 2,8 bilhões. Temos em torno de 350 empresas aqui na base e cerca de 20 concentram uma parcela significativa do faturamento.

Completei três anos de gestão agora e, nos dois primeiros, aumentamos o faturamento em 50% e o número de colaboradores em 40%, saindo de 9.500 para 13.300. Dentro desse crescimento existem três grupos de colaboradores, divididos em atendimento, administrativo e programação. No ano passado, dos 1.700 novos colaboradores, 700 são da administração e do atendimento, enquanto os outros 1.000 são programadores. No Recife, só formamos 500 por ano, então temos trazido gente de fora, de Campina Grande e Natal, por exemplo.
 
O Recife tem duas grandes vantagens comparativas, a primeira é que a cidade tem 600 PhDs de Ciência da Computação, 500 deles formados na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e outros no exterior ou em outras universidades. Essa base irradiou um sistema universitário muito forte, que se multiplicou e fez com que tivéssemos muitos alunos de tecnologia, mas sempre temos vagas. Por isso, estamos fazendo uma mobilização para incentivar os jovens.
 
Inovação
Temos recebido muita gente de fora, principalmente empresários. Esse movimento acontece por causa da nossa base sólida na construção de software. Temos um parque muito diversificado de serviços, que vão desde segurança da informação até inteligência artificial. Mas a coisa mais importante que produzimos aqui, do ponto de vista do produto, é a parte mobile. Hoje 100% dos smartphones do Brasil têm tecnologia do Recife. Todas as grandes empresas estão aqui dentro fazendo testes ou sistemas. Isso é, Samsung, Apple, Nokia, Motorola... seja aqui, na CESAR School ou no CIN da UFPE. Essa é, sem dúvida, a grande contribuição que nós damos e que está na vida de todo mundo. São testes de Android para embarcar em celulares da Samsung, que tem um centro de inovação aqui dentro, apps da Nokia e da Motorola ou parte do sistema da Apple. Aqui é construída a inovação dos smartphones do Brasil.
 
Grande parte dos empresários que procuram o parque é de fora do estado, diz Pierre (Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)
Grande parte dos empresários que procuram o parque é de fora do estado, diz Pierre (Foto: Rafael Vieira/Esp. DP Foto)
 
 
Fomento
Estamos passando por um momento importante de consolidação em que muitas empresas têm sido adquiridas por outras ou estão agregando startups que estão em torno delas, o que a gente considera um movimento natural de um parque já maduro. Agora, nosso crescimento deverá continuar acontecendo a partir do capital humano e de programas de empreendedorismo. A ideia, criada junto com a PWC, é realizarmos uma chamada nacional, tanto aqui quanto em São Paulo, para montarmos uma rede que nos ajude a qualificar melhor os negócios. A preocupação que temos é que não há nenhum instrumento de fomento para o empreendedorismo, como dinheiro para pagar mentor, sustentar laboratórios, oferecer cursos ou capacitações.
 
Precisamos retomar urgentemente esse ponto porque compromete os hubs de tecnologia que vivem de inovação. Aqui, sete das nossas 10 maiores empresas são de casa. Precisamos fomentar essa plataforma de negócios. No caso do empreendedorismo existem vários estágios, o primeiro é ainda na universidade, com a educação empreendedora. Depois, segue para a incubação e a aceleração. O mercado chega no último, mas temos poucos projetos disponíveis porque essa parte inicial não é incentivada. Hoje, a primeira concorrência que um empreendedor digital encontra é uma oferta de emprego. Nesse momento, ele tem que escolher entre empreender e passar alguns anos sem ganhar nada ou aceitar a proposta que está sendo oferecida. Como não temos nenhum auxílio, essa capacidade empreendedora se perde um pouco.
 
Embarque Digital
Temos um percentual de jovens talentosos, com excelente base do ensino médio, querendo fazer tecnologia. Então, fizemos uma proposta para a Prefeitura do Recife e montamos o Embarque Digital, que tem como parceiros a Unicap, Senac e Unit. A lógica do programa é: a prefeitura paga a faculdade e o Porto Digital entra com a residência. Assim, vamos colocar 600 estudantes para dentro. Se desse total, 500 se formarem, dobramos a capacidade da cidade em apenas dois anos. Não são apenas 500 que vão se formar, mas sim que vão trabalhar no Porto Digital, já que umas das exigências do programa é de que esses jovens têm que trabalhar na cidade depois de formados.
 
Nesse primeiro momento, tivemos um pouco mais de dois mil inscritos e com isso conseguimos um conjunto significativo de estudantes com boas notas do Enem. Mas, desse total, mais de mil não eram do Recife e sim da RMR (Região Metropolitana do Recife). É uma questão que vou levar para o governo do estado e que já recebeu uma sinalização positiva. Então, estamos vendo uma forma de incluir. O que é preciso ter em mente é que custa R$ 20 mil a formação inteira, e são R$ 20 mil que estão gerando um emprego. Em termos de ISS, em dois anos isso retorna.
 
Presencial
Por mais que as relações no dia a dia das empresas tenham mudado, as relações sociais também são construídas por meio do trabalho e não é de hoje. Agora, a maioria das empresas de tecnologia tem dúvida se a vida vai retornar como era antigamente, mas a grande maioria tem voltado ou já voltou. Poucas não retomaram nenhuma atividade presencial. Ainda há uma dúvida em relação à questão da frequência, mas essa é uma questão mundial.
 
Se você perguntar quem quer voltar para o trabalho 100% presencial, a grande maioria não vai querer por causa da má qualidade urbana no Brasil. Mas, o ganho de networking é fundamental para o crescimento da carreira. É muito difícil construir isso em casa porque existe uma diferença muito grande entre o colaborador e o prestador de serviço. Para a empresa também é difícil, já que o salário passa a ser o único componente de ligação. Nós não temos como competir com o salário da Alemanha, por exemplo. Na pandemia, a situação só não ficou tão crítica porque a maioria dos países não permite a contratação sem visto de trabalho. O fato é que a rotatividade aumentou muito, mas com a volta ao trabalho presencial isso tende a diminuir. Na prática, quem vai resolver essa questão no futuro são os gigantes da tecnologia, Google, Facebook e Amazon.
 
Diálogo
A quantidade de problemas urbanos que temos não tem parâmetro com outra cidade grande do Brasil, mas são problemas que muitas vezes são simples de resolver. Para isso, precisamos de uma energia muito grande. Por exemplo, uma coisa que melhorou muito foi andar de bicicleta na cidade com as ciclofaixas. São soluções simples que não exigem tanto investimento público, mas que podem melhorar significativamente a qualidade de vida. A tecnologia pode ser agregada para melhorar e nós já temos instrumentos para resolver algumas questões, como a da segurança pública. Temos uma das principais empresas desse setor aqui dentro e podemos dar um passo adiante. Para isso, a demanda tem que partir do poder público, mas nós estamos disponíveis.
 
Com a gestão de João Campos, que também marca uma mudança de geração, temos visto uma preocupação com a estratégia econômica da cidade onde o Porto Digital está inserido, além de uma preocupação com a melhoria da qualidade de vida das pessoas por meio da tecnologia. O prefeito está disposto a resolver problemas. O Porto Digital é um órgão privado que nasceu de uma parceria com o governo do estado, mas é uma política pública do município. Algo bem relevante nessa gestão e na de Geraldo Julio é que tivemos a prefeitura como uma parceira bem importante. O Porto Digital é um patrimônio da cidade e do estado. 
 
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