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Consciência Negra

Empresas investem em ações para reparar a história

Publicado em: 20/11/2020 15:05 | Atualizado em: 20/11/2020 15:07

%u201CA desigualdade racial no mundo do trabalho é clara e é gritante no Brasil%u201D, diz o economista Rafael Ramos. (Foto: Fecomércio-PE/Divulgação)
%u201CA desigualdade racial no mundo do trabalho é clara e é gritante no Brasil%u201D, diz o economista Rafael Ramos. (Foto: Fecomércio-PE/Divulgação)
Primeiro, a Magazine Luiza. A empresa anunciou a abertura de um programa de treinamento somente para negros. Gerou polêmica. Para uns seria “racismo reverso”. Outros, “reparação histórica”. Este entendimento não só prevaleceu como levou a iniciativas semelhantes da Bayer, Ambev, P&G, Vivo, Braskem, Diageo e TIM, nos meses de setembro, outubro e novembro. Especialistas acreditam que iniciativas assim, incluídas no campo das “ações afirmativas”, vieram para ficar por serem necessárias frente a um mercado desigual sob o ângulo da raça. Enquanto em 2019, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais (SIS) do IBGE, a renda média de um branco era de R$ 2.884 a de um negro ficava em R$ 1.663.

Dados assim costumam ser analisados por Rafael Ramos, 31 anos. Negro, ele é economista. Exerce a função na Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco (Fecomércio-PE), além de ser conselheiro efetivo do Conselho Regional de Economia (Corecon). “A desigualdade racial no mundo do trabalho é clara e é gritante no Brasil”, sintetiza. Ao analisar a questão do rendimento entre brancos e negros, termo este que para o IBGE é a soma dos pretos e pardos, Rafael faz o recorte do que se paga por hora trabalhada. A média da hora paga a um branco com ensino superior era R$ 33,90 e a do negro com a mesma formação, R$ 23,50.

As cifras não deixam dúvidas. “Essa questão mostra uma competição injusta. A pessoa negra faz o mesmo esforço da branca, mas não é recompensada de maneira igual”, analisa, acrescentando que as disparidades no mundo do trabalho se traduzem quanto às ocupações. Os brancos costumam ocupar chefias, por exemplo, com maiores salários, e os negros as funções de base, com rendimentos próximos do salário mínimo. Para chegar a um posto alto, Rafael explica que o negro tem que se esforçar mais. Daí, a importância de ações afirmativas.

Rafael entende que é um entre poucos. E afirma que onde chegou não chegou só. “Muita gente me deu a mão”, afirma o economista, para quem a política focada no mérito – a conhecida meritocracia -  não pode ser vista dissociada das questões estruturais do país. Entre estas questões, o acesso à educação e ao trabalho e a implantação de políticas que garantam igualdade de raça e gênero. Afinal, se os homens negros estão em desvantagem em relação aos homens brancos, as mulheres negras têm situação pior. Elas ficam abaixo da linha financeira dos homens.

Pandemia aumentou desigualdade racial

O desemprego, historicamente sempre foi maior entre os negros do que os brancos, aumentou para pretos e pardos em tempos da pandemia do novo coronavírus. Aumentou por ter atingido mais forte o comércio e a construção civil, duas das atividades econômicas que mais empregam os negros.

A participação dos negros no setor de comércio é de 45,2%, enquanto os brancos somam 44,2%, ssegundo o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert). A diferença é maior na construção civil, com 50,2% de negros e 37,4% de brancos. As informações do Ceert se fundamentam na Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2018.

Mas o desemprego não afeta os negros apenas em setores como a construção civil e o comércio e em tempo de pandemia. Ele bate à porta de quem conseguiu cursar uma graduação e bem antes do registro da Covid-19. É o caso do engenheiro florestal José Henrique da Silva, 26 anos, que conseguiu emprego pela última vez em 2017 e 2018. A vaga era em logística, no entanto. O último trabalho em sua área de formação foi há quatro anos.

Em engenharia, segundo José Henrique, o preenchimento de uma vaga de emprego nem sempre depende apenas de um bom currículo. Depende da rede de relações (networking), dos contatos. Por ser geralmente uma função de comando nas empresas, o habitual, conforme José Henrique, é vê-la ocupada por brancos. “Para o trabalho, as coisas não andam separadas. Elas estão entrelaçadas”, disse o engenheiro florestal, com especialização em gestão ambiental e atualmente cursando mestrado em engenharia física. Mas desempregado.

Programa com vagas para o Recife

Os programas de treinamentos das empresas são todos voltados para 2021. A iniciativa da TIM, que reserva metade das 300 vagas para os negros, está na fase de inscrições, que devem ser feitas até o dia 30 deste mês. As inscrições devem ser feitas pela internet.

As 300 vagas serão para sete capitais, incluindo Recife. As outras são Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Belém. Os primeiros selecionados começam a trabalhar em janeiro de 2021 e os demais serão chamados ao longo do ano.

Para se inscrever, os candidatos devem estar com matrícula ativa e cursando a faculdade, com previsão de formatura a partir de junho de 2022. Não há restrições relacionadas às instituições de ensino e cursos de graduação. O conhecimento de idiomas será desejável somente em vagas específicas.

“As mudanças que fizemos buscam refletir a realidade do Brasil. As pessoas negras são 55,8% da população do país, por exemplo, mas ainda não têm representatividade expressiva nas grandes empresas”, afirma a VP de Recursos Humanos da TIM Brasil, Maria Antonietta Russo.
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