Observatório econômico

Cartel de combustíveis?

Publicado em: 19/02/2018 08:00 | Atualizado em: 16/02/2018 18:28

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Nos últimos dias e em vários estados foi noticiado que o MPF investiga prática de cartel por parte de postos de combustíveis. Em tempos de judicialização ampla e irrestrita nada mais esperado, afinal a gasolina subiu muito, muito mesmo nos últimos meses. Depois de anos de relação pacífica com os postos de combustíveis, o que houve para acabarmos neste divórcio litigioso? Muitas coisas, em verdade.


Para começar temos que a política do Estado em conter o preço da gasolina para conter a inflação e afetar as expectativas dos consumidores acabou. Por esta política a Petrobras, que é praticamente monopolista na venda de gasolina, absorvia a oscilação no preço do petróleo e vendia seu produto quase sem oscilação de preços. Embora isto não seja novidade brasileira, é uma política relativamente comum mundo afora, nós fomos muito além do razoável e como consequência a rentabilidade da empresa foi implodida. A política atual é repassar aos preços domésticos as oscilações do mercado externo, já que se trata de um commoditie.

Esperem, o preço do Petróleo desabou nos últimos anos e com isso os consumidores deveriam esperar que os preços caíssem, são subissem movidos a foguete. Infelizmente para nós consumidores e para a Petrobras o desabamento foi na época da contenção dos preços domésticos, e nos últimos meses o Petróleo acumula alta superior a 40%. E não é por falta de oferta, nem de novas tecnologias, é pela ação combinada da OPEP junto com a instabilidade geopolítica se elevou desde a eleição de Trump. Desta forma, o cenário externo implicou em altas contínuas no preço da gasolina e diesel para a revenda, e que por consequência levam a alta em todos os demais combustíveis.

Mas a Petrobras não tem como absorver estas oscilações? Hoje sim, já que nos últimos anos ela conseguiu reduzir drasticamente o mix de petróleo importado no processo de refino, e basicamente usa o óleo que ela mesma produz. Ocorre que do ponto de vista gerencial isto significaria perder dinheiro, e quando se é a petroleira mais endividada do mundo perder dinheiro não parece uma decisão prudente.

Isto não impede, contudo, que os postos se organizem em carteis e com isso obtenham vantagens indevidas em cima dos consumidores. Isto, porém, não é tão simples de demonstrar. Nas últimas décadas dezenas de ações neste sentido foram tomadas, e poucas chegaram a algum lugar, incluso aí uma CPI no Congresso. O ponto é que é muito difícil demonstrar a existência de um acordo coletivo de combinação de preços, e os dados não ajudam.

Tome-se, por exemplo, os dados da ANP para os preços da gasolina na segunda semana de fevereiro deste ano, estados de Pernambuco, Bahia e Ceará. Na opinião geral “é evidente” que há combinação de preços. Os números confirmam? A princípio não parecem confirmar. Considerando os dados citados, cuja amostra total é de 735 postos em 61 municípios, o preço médio estimado ao consumidor é de R$ 4,19 (PE), R$ 4,23 (CE) e R$ 4,26 (BA), enquanto o preço médio na distribuidora é R$ 3,64 (PE), R$ 3,66 (CE) e 3,66 (BA). Com base nestes valores a margem bruta ficam 15,3% (PE), 16,4% (CE) e 16,3% (BA). Na grande maioria dos municípios pesquisados, particularmente nas capitais, há desvio significativo nos preços ainda que pequeno. Estes números não sugerem cartel que esteja dilapidando o consumidor, ainda que alguma combinação possa ocorrer no curto prazo.

Não há então esperança para combustível barato? No mesmo período acima a gasolina no Estados Unidos, sem adição de 25% de álcool, custava em torno de R$ 2,15/litro para o consumidor, e com a mesma política de repasse direto da oscilação do preço do barril. Isto sugere que alguém está ficando com uma gorda fatia de ganhos e não é o consumidor, nem o posto e nem a Petrobras. Algum palpite de quem seja?

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.
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