Observatório econômico Falsa esperteza

Publicado em: 03/04/2017 08:00 Atualizado em: 31/03/2017 19:27

Por Carlos Magno Lopes (*)

Carlos Magno Lopes é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Carlos Magno Lopes é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
A democracia só floresce em países capitalistas, assim diz a história. A força motora do capitalismo são os interesses individuais, os quais se integram às forças de mercado. Acontece que, as motivações individuais coexistem com as aspirações coletivas. Sempre que as ações individuais e coletivas se integram à dinâmica dos mercados, a economia tende a produzir resultados que ampliam a prosperidade humana e material de toda a sociedade. Acontece que nem sempre isso acontece. Uma importante característica do capitalismo democrático é que existem instrumentos mediadores de conflitos, que possibilitam ajustes que ajudam a compatibilizar objetivos individuais e o interesse coletivo, os quais, vez ou outra, não funcionam como esperado.


Situações distintas nos Estados Unidos e no Brasil (com seu capitalismo adolescente) ilustram a divergência entre interesses individuais e coletivos. A tentativa de Trump em derrubar o chamado Obamacare (Affordable Care Act), uma promessa de campanha que lhe rendeu milhões de votos, foi um fracasso, pois rejeitada pelo seu próprio partido. Feitas as contas, o diabo dos detalhes apareceram. Constatou-se que a proposta substituta de Trump tornaria planos de saúde inacessíveis para milhões de americanos, inclusive para seus próprios eleitores. O que aconteceu, então? Eleitores pobres e de baixa classe média de Trump, quase exclusivamente compostos por brancos, acreditavam que o Obamacare favorecia apenas pobres não brancos e que eles é que pagavam a conta. Descobriram que a pobreza não é exclusividade de negros e imigrantes. Talvez agora passem a entender que seus interesses pessoais coincidem com o de milhões de outras pessoas de baixa renda: todos querem ter um plano de saúde. Não há, portanto, razão para conflitos. No Brasil, a Reforma de Previdência está em pauta. Há ampla aceitação que o modelo atual é insustentável e que, portanto, deve ser mudado, desde que o custo do ajuste não recaia sobre a sociedade. Ora, sobre quem deveria arcar o ônus necessário para corrigir o déficit da Previdência? Sobre os índios? Ou sobre os marcianos, assíduos frequentadores de Varginha, e os abduzidos? O fato é que quase todos defendem seus privilégios pessoais, mas criticam os dos outros, desta e de futuras gerações. O equilíbrio de longo prazo da Previdência não poderá ser atingido sem custos individuais, sobretudo para os mais beneficiados pelo atual modelo.

Divergências acentuadas entre interesses individuais e coletivos estimulam o que de pior o corporativismo tem a oferecer: defender ideias contrárias ao bem-estar de seus próprios membros. Populistas de todas as matizes se agigantam.  Perguntará o solitário leitor: “Então, o que fazer?”. Não há muito o que fazer, exceto convencer a maioria que o que é melhor para a sociedade pode ser compatibilizado com os interesses individuais. É uma das virtudes do capitalismo democrático, que quando atropelado produz tragédias inesquecíveis.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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