Observatório econômico Verdade repetida

Publicado em: 19/03/2017 08:00 Atualizado em: 16/03/2017 20:58

Por Marcelo Eduardo Alves da Silva (*)
 
Marcelo Eduardo Alves da Silva é professor de Economia da UFPE. Foto: Paulo Paiva/DP
Marcelo Eduardo Alves da Silva é professor de Economia da UFPE. Foto: Paulo Paiva/DP
Volto  a falar sobre a necessidade da reforma da previdência, embora saiba do risco de repetir argumentos. Mas, como alguém me disse recentemente, “é melhor repetir uma verdade do que contar uma mentira nova”.

 
Em meio a “evidências”, bravatas e prognósticos apocalípticos, o cidadão comum anda meio perdido no debate sobre a reforma da previdência. E isto tem uma justificativa, pois de um lado estão os que apregoam de que não há necessidade de reforma, que a previdência social é superavitária, etc. Do outro, o governo, que aponta para a necessidade da reforma, mas anda levando bordoadas de todos os lados. Para deixar claro minha posição, logo de início, deixe-me dizer que a reforma é necessária. Não se trata de uma questão meramente contábil ou ideológica, mas demográfica. Isto não quer dizer que concorde com todos os pontos da proposta do governo, mas isso é uma outra coisa.
 
O fato é que estamos nos tornando um país com mais idosos tanto em números absolutos (porque estamos vivendo mais) quanto em termos relativos (a taxa de natalidade vem caindo). E isso é problemático do ponto de vista da previdência porque, de um lado, as despesas com benefícios continuará alta e crescendo, com mais idosos entre nós, mas, por outro, teremos menos jovens contribuindo para o sistema. Nosso sistema é de repartição social, ou seja, aqueles que trabalham pagam as aposentadorias dos inativos. Portanto, em se mantendo a atual forma de acesso aos benefícios, a conta que já não fecha, ficará pior. Daí um ponto importante: se a conta não fecha, quem paga ou pagará a diferença?
 
Por hora, o governo tem feito isto. Hoje quase metade das despesas federais se destinam ao financiamento da previdência social. O detalhe é que o governo não tem dinheiro próprio porque somos nós, cidadãos comuns, que financiamos o governo. E quando ele gasta mais do que arrecada há duas opções: ou corta gastos ou aumenta receitas, seja com mais impostos ou com mais dívida, que no fim significa mais impostos no futuro. Hoje gastamos cerca de 13% do PIB com previdência, considerando os regimes público e privado. Com o envelhecimento da população, se nada for feito, esse percentual só fará aumentar. Esse é o cenário mais provável, a menos que a economia cresça a “taxas chinesas” nas próximas décadas, o que duvido muito que possa acontecer, ou que um novo bônus demográfico possa surgir. Portanto, para manter o atual sistema de benefícios, os mais jovens arcarão com despesas previdenciárias maiores no futuro. E aqui surge a questão se isto é justo do ponto de vista intergeracional?
 
Podemos não concordar com pontos específicos da proposta da reforma, mas dizer que a reforma não é necessária é uma inverdade. O debate deve existir e alternativas à proposta do governo devem ser discutidas, inclusive a transição para um regime de capitalização. Precisamos rever o acesso aos benefícios, estabelecendo uma idade mínima, revendo a previdência rural, que hoje é estruturalmente deficitária, e as desonerações da previdência. Ser mais efetivos em recuperar dívidas com a previdência também é urgente, mas não podemos confundir estoque com fluxo.  Nosso problema é de fluxo: mais idosos, menos jovens.

(*) Professor de Economia da UFPE.

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