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Observatório econômico Farmácias prosperam até na recessão

Publicado em: 30/01/2017 08:00 Atualizado em: 27/01/2017 18:27

Por Fernando Dias (*)

Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Em tempos de recessão nos acostumamos com os anúncios de “vende-se”, “aluga-se” e “passa-se o ponto” como parte do dia a dia das grandes cidades. O comércio em particular se torna a face mais visível da depressão econômica e é no movimento dele que as pessoas em geral medem o efeito da tão falada crise. No nosso caso quaisquer das pesquisas que acompanhem o comportamento do comércio atualmente (IBGE/PMC, SERASA, CDL, etc.) são uníssonas em indicar que a economia não vai bem. No entanto, ao menos nas grandes cidades, chama a atenção o comportamento de um setor que parece vir nadando no sentido inverso, as farmácias.


Os dados oficiais confirmam esta visão. Recorrendo aos registros do Ministério do Trabalho, através da RAIS, temos que de 2010 a 2015 o total de farmácias tradicionais no Brasil cresceu 18%, chegando a 22% no Nordeste. Em termos de emprego foram 100 mil novas vagas no Brasil entre 2010 e 2015, avançando 38,5% na média contra 52% no Nordeste. Para os tempos atuais é um desempenho notável.

Mas há algo diferente que também é notado. Enquanto o setor era tradicionalmente marcado por unidades independentes, de pequeno porte e especializadas em medicamentos, hoje ele é cada vez mais caracterizado por grandes redes, com grandes lojas que vendem um mix significativo de produtos tendo como carro chefe medicamentos e cosméticos. O setor de cosméticos é outro setor que desafia crises e apresenta resultados excepcionais no Brasil mesmo quando se considera países com renda muito mais elevada. A união entre cosméticos e farmacêuticos parece que está dando grandes frutos para as farmácias.

E porque grandes redes? Vai se repetir com as farmácias o que já acontece com o setor de supermercados no Brasil? Aparentemente sim. Não faz muito tempo, de fato, que o próprio segmento de supermercados quis tomar de assalto o varejo de medicamentos colocando os mesmos nas gôndolas, o que acabou esbarrando na legislação. O motivo, no entanto, ficou claro, uma grande rede pode obter preços muito melhores dos distribuidores e produtores que uma unidade isolada, e transformar isto em redução de preço e/ou elevação da margem. Em essência, a mesma razão que faz dos nossos supermercados um segmento em oligopólio pode também fazer das farmácias a mesma coisa.

Ao que tudo indica a ideia é transformar farmácias, na medida do possível, em pequenos mercados. Hoje em dia o mix é liderado por medicamentos e cosméticos, mas já se tentou alimentos em geral e foi barrado pela legislação. Não é por acaso que as farmácias de redes se parecem cada vez mais com lojas de conveniência de luxo, você entra para comprar um remédio para dor de cabeça e sai com um celular, alguns chocolates, um creme para rugas e, quem sabe, até lembra de comprar o remédio.  Bom para a economia, bom para o cliente, bom para os empregados, a sociedade agradece.

Mas nem tudo são flores. O modelo atual lembra muito a formação das grandes redes varejistas brasileiras, e como elas a notícia ruim vem depois. Caso a tendência venha a se consolidar com as farmácias, o que não é certo pois o mercado é aqui muito mais restrito, a presença somente de grandes redes após a fase de consolidação pode ser prejudicial ao consumidor em função da prática de preços elevados já que não haveria concorrência. Pesquisas do Procon já revelam que a prática de preços abusivos em farmácias já é frequente e isto deveria acender um alerta junto aos órgãos de defesa do consumidor. É possível que o CADE tenha de começar a ver este setor antes que pouco mais de 10 redes representem a quase totalidade dos medicamentos vendidos no país.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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