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Observatório econômico Vai faltar pires no mercado

Publicado em: 19/12/2016 08:00 Atualizado em: 16/12/2016 20:55

Por Fernando Dias (*)
 
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Fernando Dias é professor do Departamento de Economia da UFPE. Foto: Tiago Lubambo/Divulgação
Em tempos da pior recessão da história republicana os responsáveis por estados e municípios em todo o país se desdobram em buscar alternativas para conciliar despesas crescentes com receitas em queda livre, mas via de regra estas alternativas acabam em maior ou menor escala no colo da União. Reflexo da complicada teia de dependência financeira entre os entes federativos no Brasil, a maioria dos estados e municípios depende da situação da União para sanar seus desequilíbrios e quando todos vão mal a situação se deteriora rapidamente. A situação é particularmente mais delicada nos municípios pois neste caso a dependência é tanto dos respectivos estados quanto da União.


Porque tanta dependência? Foi uma escolha do Estado brasileiro, desde os anos 1960, que houvesse um modelo concentrador da arrecadação. Quase tudo é feito pela União e depois redistribuído por mecanismos constitucionais. À exceção do ICMS, todos os grandes tributos em arrecadação no Brasil são federais. Aos municípios coube a menor fatia de arrecadação própria (quando há alguma), pois isto depende basicamente do IPTU e do ISS e não são raros os municípios onde esta arrecadação é insignificante.

Desta forma, quando a arrecadação federal entra em colapso, rapidamente a situação fiscal dos municípios se deteriora via redução das cotas do FPM e FUNDEB, enquanto a manutenção das transferências via programas sociais (BPC, Bolsa Família, etc.) e previdenciários funciona como um colchão. Evidentemente que se a situação fiscal federal se deteriorou, e dado que ela é baseada na dinâmica da economia, a receita própria dos estados também deve cair e com isso as cotas do ICMS que vão para os municípios igualmente caem. É só notícia ruim! Logo depois da quebradeira dos municípios vai a dos estados, onde a recessão corrói a receita própria (ICMS, etc.) a as receitas de transferências (FPE, etc.).

Recessão então implica hora do ajuste? Não. Diferente das receitas, as despesas de todos os entes federados no Brasil são bastante rígidas e, em grande parte, permanentes. Além das destinações vinculadas por força de lei, há os gastos com funcionalismo (permanente), os de investimento (longo prazo), e isso sem considerar as incontáveis demandas sociais. Ajustar gasto é difícil de fazer, politicamente complicado de negociar e geralmente leva à impopularidade do político que precisa de voto para voltar a se eleger.

O que fazer? O usual é pedir emprestado e a União é a primeira escolha. As razões são várias, mas a mais almejada é o juro cobrado: pode-se começar pedindo 0%, sem contrapartidas e já pensando no desconto no pagamento das prestações, que de preferência, seja de 100%. Como não são raros os casos em que uma ou ambas as condições terminam sendo aceitas (acredite!), mesmo que não no primeiro momento, a regra geral é: Recessão começou? Compra a passagem para a Brasília e coloca um pires na mala.

Não que sempre se consiga trazê-lo de volta cheio, mas não raramente ele volta assim, mesmo que o passivo com a União se multiplique. Mas a União muitas vezes é uma mãe, e como toda mãe resiste a deixar os filhos em dificuldade mesmo eles sendo (em parte ou totalmente) responsáveis pela situação em que se encontram. Esta semana, por exemplo, os governadores de estados em situação de calamidade financeira convenceram a União em ceder uma carência de 36 meses sobre o pagamento de juros das dívidas desses estados. Será um presente para Papai Noel nenhum botar defeito, e que prenuncia a peregrinação dos demais governadores a Brasília para pedir o mesmo presente. Depois, será vez dos prefeitos. Afinal, a família é grande e não é razoável dar presente só para os filhos com problemas. Que meia e papai Noel que nada, a onda agora será levar o pires para o “Papai Temer”.

(*) Professor do Departamento de Economia da UFPE.

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